Portugal já assumiu 2 mil milhões de euros em juros com os empréstimos do PRR e a fatura não vai ficar por aqui

A bazuca europeia não é um "almoço grátis" para Portugal. O envelope de mais de 22 mil milhões de euros do PRR carrega compromissos financeiros pesados sob a forma de juros que já estão a ser pagos.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português, frequentemente apresentado como uma oportunidade histórica para o país, está longe de ser um empréstimo a custo zero para Portugal. Só com a componente de empréstimos da “bazuca” europeia, que representa 26,7% do pacote total de 22,2 mil milhões de euros, o país já se comprometeu com o pagamento de 2 mil milhões de euros em juros, considerando apenas as tranches recebidas até novembro de 2024. Trata-se de um valor equivalente ao excedente orçamental alcançado em 2024, cerca de 0,7% do PIB.

“O PRR está a ser executado com dinheiro emprestado, que vai ter de ser pago”, afirmou recentemente Manuel Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão, durante uma conferência da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN). A declaração do governante contrasta com a narrativa frequentemente difundida de que os fundos europeus representam uma oportunidade sem custos para a economia portuguesa.

Longe de ser um “almoço grátis”, a fatura total dos juros dos 5,9 mil milhões de euros de empréstimos do PRR poderá facilmente ultrapassar os 5 mil milhões de euros quando consideradas as próximas tranches a receber este ano e 2026 — num valor acumulado de 3 mil milhões de euros, antes da reprogramação do PRR –, e assumindo as atuais taxas de emissão de dívida da União Europeia a 20 anos, que rondam atualmente os 3,5%.

Com o quinto e para já último cheque do PRR — recebido a 23 de novembro de 2024 –, Portugal já recebeu 11,2 mil milhões de euros de Bruxelas, sendo que 25,9% deste montante (cerca de 2,9 mil milhões) chegaram sob a forma de empréstimos.

O mecanismo de financiamento do PRR é complexo e pouco transparente. De acordo com documentos da Comissão Europeia, os empréstimos recebidos ao abrigo do PRR têm um prazo de 30 anos com um período de carência de capital de 10 anos, e amortizações anuais subsequentes, resultando numa vida média dos empréstimos de 20 anos.

“Relativamente ao custo destes empréstimos, de acordo com a Decisão de Execução 2022/2545 da Comissão Europeia, os custos relacionados com a execução da estratégia de financiamento diversificada da Comissão Europeia são repartidos pelos Estados-membros beneficiários dos empréstimos em questão de acordo com uma metodologia comum e harmonizada”, refere o ministério das Finanças ao ECO.

O aspeto mais relevante deste mecanismo é que a taxa de juro não é fixa nem conhecida antecipadamente. A Comissão Europeia cria “pools de financiamento” com as emissões realizadas em cada semestre, apurando posteriormente o custo dessas emissões. A taxa de juro de cada empréstimo transmitido aos Estados-membros resulta do custo da pool a que este estiver associado, podendo ser refixada durante a vida dos empréstimos sempre que houver refinanciamento.

“O valor exato dos juros de cada empréstimo apenas é conhecido na sua faturação, quando a Comissão repassa ao Estado-membro o referido custo da pool”, refere fonte oficial do Ministério das Finanças, sem avançar com as taxas de juro dos empréstimos recebidos até então, apesar de questionado pelo ECO. Isto significa que, após cada recebimento de uma tranche, o Tesouro recebe uma notificação da Comissão Europeia indicando o custo específico desse montante, que rondará uma taxa de juro próxima da praticada no mercado de obrigações da União Europeia a 20 anos — preço esse que é suposto reproduzir o custo de financiamento da União Europeia subjacente ao empréstimo a Portugal para o mesmo prazo.

Além disso, é importante notar que os juros começam a ser pagos imediatamente após a receção do dinheiro, não beneficiando do período de carência que se aplica apenas ao capital. Isto significa que Portugal já está a pagar juros pelos empréstimos recebidos ao abrigo do PRR.

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Os custos já assumidos e a fatura futura

Portugal já recebeu cinco dos dez desembolsos previstos do PRR, mais uma componente de “pré-financiamento” que entrou nos cofres a 3 de agosto de 2021. Com o quinto e para já último cheque do PRR — recebido a 23 de novembro de 2024 –, Portugal contabiliza 11,2 mil milhões de euros de Bruxelas, sendo que 25,9% deste montante (cerca de 2,9 mil milhões) chegaram sob a forma de empréstimos e por isso estão contabilizados no stock da dívida pública, como é indicado nos boletins mensais do IGCP.

Com base nas taxas de mercado no momento destes desembolsos, Portugal já assumiu o pagamento de aproximadamente 2 mil milhões de euros em juros a serem pagos ao longo dos próximos 30 anos, segundo cálculos do ECO, com as taxas a variarem entre 0,3% (primeira operação realizada no verão de 2021) a perto de 3% (última operação feita em novembro do ano passado). E as perspetivas não são animadoras.

Segundo o calendário atual do PRR, Portugal deverá receber este ano empréstimos no montante de 1,2 mil milhões de euros, e 1,8 mil milhões de euros em 2026 — isto considerando os valores conhecidos antes da reprogramação da “bazuca”. Considerando as atuais taxas de juro de emissão de dívida da União Europeia a 20 anos, que rondam os 3,5%, serão mais de 3,1 mil milhões de euros em juros a juntarem-se aos 2 mil milhões já assumidos, elevando a fatura total com juros para um valor acima dos 5 mil milhões de euros.

Em entrevista ao ECO sobre o custo destes empréstimos, Manuel Castro Almeida reconheceu não conhecer o valor exato, explicando que “esse valor está indexado” e que “vai variando ao longo das semanas e ao longo dos meses”. Ainda assim, assegurou que “é um valor que não anda longe daquele a que a República se está a financiar nos mercados normais”, acrescentando que é “mais ou menos irrelevante a taxa de juro de ir aos mercados tradicionais ou ir buscar o dinheiro emprestado da União Europeia, que, por sua vez, se financia também nos mercados internacionais.”

O PRR está longe de ser um “presente”, mas representa um compromisso financeiro substancial que as próximas gerações terão de honrar nas décadas vindouras.

Questionada pelo ECO, a Comissão Europeia esclarece que os custos associados aos empréstimos do PRR no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) são calculados com base numa metodologia orientada pelos princípios de equidade e igualdade de tratamento, garantindo que os custos são distribuídos com base na participação relativa do apoio recebido pelos Estados-Membros.

“A metodologia para calcular o custo de financiamento para os desembolsos do MRR baseia-se em compartimentos temporais com duração de 6 meses e reflete principalmente o custo médio das operações de financiamento de longo prazo emitidas para financiar os desembolsos ocorridos nesse período”, refere a Comissão Europeia.

Isto assegura que os custos de juros cobrados por uma prestação estão estreitamente ligados às taxas de mercado prevalecentes quando a prestação específica é desembolsada, dado que “o juro a pagar não é predeterminado no momento do desembolso do empréstimo, mas é derivado da taxa média calculada do pool de financiamento no compartimento temporal relevante”, esclarece a Comissão Europeia.

Além dos custos de financiamento, existem outros custos menores associados ao PRR: “custos de gestão de liquidez, que são distribuídos proporcionalmente a cada beneficiário e faturados aos Estados-Membros anualmente” e “custos de serviço para despesas administrativas gerais, combinando todos os custos incorridos diretamente na implementação do Next Generation EU”.

Manuel Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão Territorial, em entrevista ao podcast "ECO dos Fundos", garantiu que as taxas de juro aplicadas aos empréstimos que Portugal recebeu ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) são comparáveis às obtidas pelo Estado nos mercados financeiros. Hugo Amaral/ECO

Implicações do PPR nas contas públicas

Questionado pelo ECO sobre as implicações dos montantes do PRR nas contas públicas, o Banco de Portugal é perentório. “No que diz respeito às subvenções, o impacto na dívida pública portuguesa é atualmente nulo, uma vez que a dívida está a ser emitida em nome da União Europeia”. No entanto, “no que diz respeito aos empréstimos, mantendo-se todas as outras condições constantes, estes irão aumentar a dívida pública portuguesa à medida que forem concedidos pela União Europeia.”

O impacto nas contas públicas será assim sentido à medida que Portugal efetue os pagamentos dos juros e mais adiante do capital que lhe compete, mas, segundo a análise do Banco de Portugal, “o montante e o perfil da responsabilidade portuguesa ainda são incertos”.

Numa análise publicada há cerca de três anos, no Boletim Económico de junho de 2022, ainda com base no envelope inicial de 16,4 mil milhões do PRR, os técnicos do Banco de Portugal estimavam que os empréstimos solicitados por Portugal implicariam um impacto acumulado entre 2021 e 2026 de “0,5% e 1,3% do PIB, respetivamente no saldo e na dívida”, salientando que “os impactos sobre o perfil de refinanciamento da dívida pública portuguesa e o pagamento de juros são igualmente limitados.” Porém, nessa altura, as taxas de juro das obrigações a 20 anos da Alemanha, França e também de Portugal rondavam os 2%. Hoje, a yield das obrigações a 20 anos da União europeia está nos 3,5%.

O PRR está assim longe de ser um “presente”. Representa, desde logo, um compromisso financeiro substancial que as próximas gerações terão de honrar nas décadas vindouras.

Face aos atrasos na execução e aos custos associados do PRR, o Governo tem vindo a indicar que, caso seja necessário fazer escolhas, dará prioridade aos investimentos financiados através de subvenções a fundo perdido. “Se houver necessidade de fazer escolhas entre um investimento ou outro, daremos prioridade aos investimentos financiados através de subvenções a fundo perdido”, afirmou Castro Almeida ao ECO, em meados de março. Isto coloca em risco alguns investimentos previstos, como a construção de habitação a custos acessíveis e alojamento estudantil, mas que o Governo diz que financiará com outras alternativas.

O PRR representa uma oportunidade para Portugal, com potencial para transformar a economia e a sociedade. No entanto, o entusiasmo em torno da “bazuca europeia” tem frequentemente ofuscado os custos financeiros associados, particularmente no que diz respeito à componente de empréstimos.

É certo que, até agora, o custo que a República tem com estes empréstimos é inferior caso tivesse ido ao mercado, o que pode sustentar o argumento de se estar a “poupar” em juros. Mas os números são claros: dos 22,2 mil milhões de euros do PRR português, 5,9 mil milhões são empréstimos que terão de ser reembolsados acrescidos de juros que, para já, acumulam um encargo de 2 mil milhões de euros ao longo das próximas três décadas que deverá ultrapassar os 5 mil milhões de euros. Isto significa que a quase totalidade do valor dos empréstimos ao abrigo do PRR será consumido apenas com o pagamento de juros desses mesmos empréstimos.

O PRR está assim longe de ser um “presente”. Representa, desde logo, um compromisso financeiro substancial que as próximas gerações terão de honrar nas décadas vindouras. Ganha por isso particular relevância a necessidade de alocar os fundos do PRR em investimentos que aumentem o potencial de crescimento da economia nacional, permitindo gerar recursos para pagar não só os juros e o capital dos empréstimos, como elevar a dimensão da economia portuguesa.

O desafio para Portugal não é apenas executar o PRR dentro do prazo, mas fazê-lo de forma a maximizar o retorno económico destes investimentos, para que o país possa suportar os custos associados sem comprometer a sustentabilidade das finanças públicas nas próximas décadas.

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