Quatro pontos fortes para as bolsas continuarem em máximos

Recuperação da economia, cortes de juros, melhoria nos resultados e avaliações mais atrativas são alguns dos fatores que levam muitos analistas a preferir as ações europeias face às norte-americanas.

Depois de um primeiro trimestre muito forte nas bolsas mundiais, os índices acionistas registaram em abril uma correção pronunciada, gerando a expetativa de que os mercados estavam a inverter para uma tendência de pendor negativo. O desempenho em maio afastou este cenário mais sombrio, com as bolsas mundiais a recuperarem das perdas do mês anterior e regressando a máximos históricos.

Esta evolução positiva tem sido sincronizada em diversas geografias, levando a que o MSCI ACWI esteja também a transacionar em níveis recorde. Este índice, que mede o desempenho dos mercados acionistas mundiais (desenvolvidos e emergentes), acumula uma valorização próxima de 5% em maio, mais do que anulando a queda de abril (-3,4%). O MSCI ACWI, que está atualmente em máximos históricos, avançou perto de 8% no primeiro trimestre e nos últimos 12 meses já acumula uma valorização de 23%.

De acordo com uma contabilidade efetuada pela Bloomberg, em 14 dos 20 principais mercados acionistas mundiais os índices estão a transacionar em máximos ou muito perto disso. É o caso das bolsas dos Estados Unidos, Europa e Japão, sendo que até na China os índices estão numa trajetória de alta consolidada, deixando para trás meses de desempenhos muito negativos.

O índice pan-europeu Stoxx 600 tem acumulado máximos históricos consecutivos ao longo das últimas sessões, marcando uma subida anual muito próxima dos dois dígitos. Em Wall Street os ganhos têm sido mais expressivos, com as cotadas do S&P500 a acumularem uma valorização de 12 biliões de dólares face aos mínimos de outubro. O índice norte-americano soma perto de 30% no último ano, um desempenho muito próximo do Nikkei225 da Bolsa de Tóquio.

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A recuperação forte após a correção saudável de abril abriu espaço para os analistas reforçarem o otimismo com a evolução das bolsas, confiando que há espaço para persistir a tendência de alta tendo em conta os catalisadores positivos. A perspetiva de descida das taxas de juro por parte dos bancos centrais, evolução robusta da economia e resultados trimestrais animadores têm sido os fatores que mais têm impulsionado os índices a nível global.

Vemos um cenário favorável para as ações e acreditamos que fatores macro e micro deverão suportar valorizações adicionais dos mercados”, refere o UBS, sugerindo que os investidores “mantenham uma alocação estratégica saudável em ações de tecnologia” e procurem “oportunidades em ações de pequena e média capitalização, bem como em temas de crescimento como a transição energética para baixas emissões de carbono, tecnologias de saúde e economia do mar”.

O Morgan Stanley atribuiu recentemente um potencial de valorização de 18% às ações europeias (MSCI Europe) nos próximos 12 meses, devido à “melhoria dos indicadores macroeconómicos, progresso na confiança das empresas, regresso das operações de fusões e aquisições, distribuição de capital atrativa e subestimação da difusão da Inteligência Artificial”.

Os fatores técnicos e a tendência histórica também jogam a favor da tendência de alta das ações globais. Olhando para Wall Street, onde abundam as análises estatísticas, o S&P500 regista uma valorização média de 17,4% quando consegue recuperar de correções em redor de 5%. Os bull markets (valorização de 20% após mínimos) do índice norte-americano registam um ganho médio de 108% desde 1950, sendo que o S&P500 sobe “apenas” 50% no atual ciclo de alta. No que diz respeito à duração dos bull markets, a média aponta para 4,5 anos, sendo que o atual ainda tem menos de dois anos.

Não será difícil encontrar dado estatísticos que sinalizam uma evolução negativa das bolsas, mas em termos fundamentais os analistas destacam que os obstáculos à tendência positiva são menos poderosos. As tensões geopolíticas podem ter um peso muito relevante, mas os mercados continuam a passar ao lado dos efeitos das duas guerras e relações cada vez mais frias entre China e EUA.

As surpresas negativas estão sempre à espreita e podem surgir de várias frentes, mas para já é o otimismo que domina os mercados acionistas e os analistas destacam os vários fatores que justificam avanços adicionais nas cotações das ações. De seguida são analisados quatro pontos fortes em maior detalhe, destacando também as vantagens competitivas das ações europeias.

1 – Bancos centrais vão baixar juros

A evolução da política monetária tem sido o fator mais preponderante na evolução das bolsas nos últimos anos. A campanha agressiva de subida das taxas de juro a nível global para combater a inflação derrubou as bolsas em 2022, sendo que as ações recuperaram de forma pronunciada em 2023 quando se vislumbrou o pico das taxas restritivas.

Os investidores entraram em 2024 convictos de que o ano seria marcado pela descida de juros, sendo que a narrativa esfriou depois de vários relatórios mostrarem que a “última milha” da descida da inflação para a meta dos 2% não seria fácil. Foram os indicadores de preços acima do esperado, sobretudo nos Estados Unidos, que motivaram a correção dos índices acionistas em abril, mas as expetativas permanecem firmes de que BCE e Fed vão baixar as taxas de juro este ano.

Os mercados estão atualmente a estimar dois a três cortes de 25 pontos base na Zona Euro e pelo menos uma redução nos Estados Unidos. É muito elevada a probabilidade de a primeira descida do BCE surgir já a 6 de junho, sendo que a Fed pode ter de esperar por dezembro para aliviar a política monetária. Esta é uma das vantagens competitivas que os analistas atribuem às ações europeias, que podem beneficiar com este alívio mais rápido das taxas de juro.

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A descida de juros impacta de forma positiva a evolução da atividade económica, aumenta o poder de compra dos consumidores e reduz os custos financeiros das empresas. Mas não é, só por si, sinónimo de desempenho positivo das bolsas, sendo essencial o motivo que justifica a descida das taxas de juro. Nos ciclos de alívio da política monetária nos Estados Unidos, os índices acionistas até registam um desempenho inferior à média, uma vez que na maioria das vezes a Fed esteve a responder a uma contração da atividade económica.

No ciclo que se aproxima não se vislumbra uma recessão, o que pode fazer toda a diferença. As perspetivas económicas continuam surpreendentemente favoráveis, sendo bastante provável que se concretize o ambicionado soft landing (aterragem suave) da economia norte-americana. Muitos analistas fazem o paralelismo com o que aconteceu na segunda metade da década de 90, quando os índices em Wall Street disparam em reação a cortes de juros. Os ciclos de alívio da política monetária da Fed em 2001 (bolha das dotcom) e 2007 (crise financeira) foram marcados por desvalorizações acentuadas das ações pois a economia registou uma recessão severa.

O corte de juros no atual contexto tem outro fator que joga a favor das ações. A subida das taxas de rendibilidade das obrigações e títulos de dívida de curto prazo para níveis atrativos levou o investimento em fundos do mercado monetário a disparar para um recorde de 6 biliões de dólares só nos Estados Unidos. Quando as yields destes títulos recuarem em reação aos cortes de juro, parte deste dinheiro será direcionado para o mercado de ações.

2 – Economia resiste nos EUA e recupera da Europa

A economia global registou uma resiliência notável à subida sincronizada mais agressiva de taxas de juro deste século. A recessão que era dada como certa nunca chegou, o que apesar de manter a pressão nos preços e por isso atrasar o ciclo de descida das taxas de juro, representa um fator decisivo para o desempenho positivo dos mercados acionistas nos últimos meses.

No mês passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) melhorou ligeiramente as perspetivas para a economia global, apontando a um crescimento de 3,2% no PIB mundial este ano e em 2025. Embora ainda longe da média histórica, esta evolução espelha a manutenção da evolução forte dos Estados Unidos e a recuperação da economia europeia. O crescimento ténue do PIB da Zona Euro e do Reino Unido no primeiro trimestre inverteu a situação de recessão ligeira que se verificou na segunda metade de 2023 e as perspetivas apontam para uma aceleração nos próximos trimestres.

Embora a economia norte-americana continue com um desempenho superior face à europeia, as fases dos ciclos são distintas, o que também pode representar um trunfo para as ações europeias. Os investidores valorizam sobretudo as perspetivas e nos EUA começam a intensificar-se os sinais de abrandamento, enquanto na Europa a trajetória de recuperação está a ganhar tração.

Os analistas destacam a evolução dos PMI, indicadores avançados de atividade económica, que na Zona Euro já estão acima do registado nos Estados Unidos. A leitura de maio, publicada esta quinta-feira, atingiu o nível mais elevado do último ano, “o que em conjunto com o abrandamento da inflação, sugere um cenário cada vez mais benigno” para a economia da Zona Euro, referem os economistas do ING.

A evolução da economia chinesa é outro fator que pode jogar a favor das ações europeias. Os sinais ainda são tímidos e a crise no imobiliário continua a ser um fardo, mas a segunda economia do mundo está a registar taxas de crescimento mais próximas da média histórica, o que terá um impacto mais preponderante nas multinacionais europeias, pois a exposição ao mercado chinês é bem mais substancial.

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3 – Resultados das empresas vão acelerar

A época de apresentação de resultados do primeiro trimestre foi decisiva para resgatar as bolsas do período de correção registado em abril, com as companhias a publicarem números que superaram as expetativas dos analistas, evidenciando o impacto mais limitado do que o esperado da manutenção das taxas de juro em níveis restritivos.

Os números agregados que são compilados pela LSEG deixam poucas dúvidas. As companhias do Stoxx600 deverão registar uma quebra de 5,4% nos lucros do primeiro trimestre, uma evolução mais favorável do que a descida de dois dígitos que era estimada antes de serem publicados os primeiros resultados (-12% em abril). Mais de 60% das empresas do índice europeu apresentaram resultados acima do esperado, acima da média de 54% dos trimestres anteriores.

O Deutsche Bank espera que a tendência de recuperação dos resultados das empresas europeias prossiga nos próximos trimestres, com um aumento de dois dígitos dos lucros na segunda metade do ano a ser “apoiado por efeitos de base favoráveis, crescimento acima do esperado do PIB da Zona Euro e China no primeiro trimestre, indicadores de melhoria de sentimento, bem como o posicionamento para os cortes de juros do BCE”.

“Permanecemos com uma posição construtiva para as ações europeias, perspetivando uma valorização de 5% no Stoxx600 até ao final do ano”, refere o Citi Research, adiantando que “pode ser justificável um potencial de ganhos adicionais tendo em conta o relativamente sólido crescimento de 6% nos lucros por ação”.

Em Wall Street a tendência também foi positiva, com os lucros a crescerem 7,6% no primeiro trimestre e mais de três quartos das companhias do S&P500 a conseguirem superar as previsões, o que compara com a média histórica de 66,7%. Os números publicados pela Nvidia na noite da passada quarta-feira confirmaram a excelente época de resultados das companhias norte-americanas e o entusiasmo com o impacto da Inteligência Artificial. A fabricante de chips aumentou as receitas em 262% no primeiro trimestre fiscal para 26 mil milhões de dólares, com os lucros a ficarem acima dos 14 mil milhões de dólares.

A confiança demonstrada pelas empresas no primeiro trimestre deu alento para os analistas melhorarem as projeções de resultados, invertendo a tendência de revisões em baixa que se assistiu nos últimos meses. Esta dinâmica positiva é essencial para o otimismo dos investidores e melhoria dos múltiplos de mercado.

O primeiro trimestre será o quarto consecutivo de descida dos lucros das empresas do Stoxx600, mas para o segundo trimestre os analistas já apontam para taxas de crescimento positivas (2,8%). Nos trimestres seguintes o aumento já estará encostado aos 10%, pelo que para a globalidade do ano os analistas projetam um crescimento de 4,7%.

No caso das empresas norte-americanas, o primeiro trimestre será já o terceiro de evoluções positivas nos lucros, sendo que as projeções também apontam para taxas de crescimento em redor dos 10% nos próximos trimestres. De acordo com a LSEG, os analistas estimam um aumento de 10,4% nos lucros de 2024 das empresas do S&P500.

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4 – Ações europeias com avaliações abaixo da média

A valorização das bolsas para máximos históricos atirou os múltiplos das ações para níveis que muitos analistas e investidores consideram demasiado elevados. Esta constatação é sobretudo evidente para as ações norte-americanas, onde o setor tecnológico tem registado as valorizações mais expressivas.

As cotadas do índice S&P500 negoceiam atualmente a 20,9 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses. Este múltiplo (conhecido por PER – price earning ratio) superou as 20 vezes em fevereiro e situa-se bem acima da média histórica. Nos últimos cinco anos situou-se em 18,9 vezes e nos últimos 10 em 17,7 vezes.

Enquanto vários analistas defendem que os múltiplos elevados retiram atratividade às ações norte-americanas, outros argumentam que o peso elevado das tecnológicas nos índices justifica o prémio elevado a que transaciona o índice. A evolução da Nvidia justifica esta narrativa da melhor forma e mostra que a análise simples ao PER pode ser enganadora na avaliação se a empresa está cara ou barata.

A fabricante de chips, que tem sido a estrela do atual rally em Wall Street, negociava em junho do ano passado com o PER em torno de 80. Desde então as ações da Nvidia dispararam cerca de 140% e o múltiplo baixou para menos de metade, situando-se atualmente em 35. Os resultados fortes no primeiro trimestre reforçam a ideia de que o PER elevado não é um obstáculo a valorizações adicionais das ações norte-americanas.

As ações europeias também negoceiam em máximos históricos, mas os múltiplos estão bem menos “esticados”. Vários analistas e bancos de investimento estão a dar preferência às ações europeias precisamente devido a este fator, defendendo que não se justifica o desconto histórico das avaliações face às ações norte-americanas.

Acresce que, ao contrário do que se passa em Wall Street, as ações europeias negoceiam com múltiplos abaixo da média histórica. As cotadas do Stoxx600 estão a transacionar a 13,7 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, abaixo da média dos últimos 10 anos de 14,4 vezes.

O UBS espera um estreitamento da diferença entre as taxas de crescimento do PIB dos EUA e Zona Euro e assinala que as avaliações das ações europeias estão a ficar mais atrativas. O banco de investimento suíço destaca que o prémio de risco das ações europeias está 2,1 pontos percentuais acima das ações norte-americanas e que o diferencial no PER só se justificava em caso de recessão ou crise na Europa, o que não se verifica.

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