Nenhuma democracia resiste sem a participação activa dos cidadãos. Um cidadão indiferente não se importa de viver em ditadura. Um ensaio do investigador Vicente Ferreira da Silva.
Vivenciamos tempos de transição. Os avanços tecnológicos vão alterar profundamente a estruturação da sociedade. Não creio que haja área da realidade humana que não vá ser afectada. A esfera política não será excepção.
A postura e a atitude, quer dos cidadãos, quer dos representantes eleitos, que vigora na sociedade contemporânea pede uma reflexão sobre o significado e as implicações inerentes à (con)vivência numa democracia representativa. Em particular, parece-me ser urgente ponderar sobre a amplitude e os limites do papel do cidadão e dos titulares dos órgãos políticos. Adicionalmente, é igualmente importante pensar sobre as consequências da abstenção e do debate entre a igualdade de oportunidades vs a igualdade de resultados.
Todavia, antes de começar, como o objectivo é reflectir sobre a democracia representativa portuguesa é fundamental ter isto em mente. Contrariamente à ideia mais comum, não é o sistema político que origina cultura política. É precisamente o contrário. Quanto maior for a cultura política de um povo, mais esclarecido será o seu sistema político, o seu significado e características. Ora, cultura política requer a experiência e os contributos de gerações para ser sólida. Algo que não existe em Portugal. Esta deve ser a primeira noção que devemos ter. Sem o reconhecimento desta debilidade não é possível aprofundar, nem melhorar a democracia portuguesa.
Nesse sentido, é importante expressar estas noções. O Estado não existe a priori. Resulta de um processo de agregação social. E a determinado ponto, foi consolidado politicamente pela tomada de consciência da necessidade de limitar a liberdade impossível (poder ilimitado do Rei) de forma a concretizar a liberdade possível, i.e., igualdade perante a lei.
O Estado é a convenção a posteriori que impede o abuso e a arbitrariedade de todos, principalmente de quem tem poder, enquanto garante a possibilidade da liberdade a qualquer um. Contudo, qualquer acto de liberdade individual, intangível ou não, exercido por qualquer pessoa não é ilimitado. A liberdade existe dentro dos parâmetros da Lei. Ultrapassados esses limites, haverá consequências. Entre liberdade e responsabilidade existe um nexo indissociável que implica capacidade e predisposição de responsabilização.
No contexto da civilização ocidental, a base de qualquer menção à dimensão política sustenta-se no pensamento dos antigos gregos. De todas as referências que podem ser feitas, até pelo impacto que tiveram posteriormente e os debates subsequentes que originaram, os nomes de Platão e de Aristóteles são incontornáveis. Posso, eventualmente, estar a ser injusto com pensadores notáveis como Marco Túlio Cícero, Lúcio Aneu Séneca e Marco Aurélio. Porém, no cômputo geral, as contribuições romanas foram mais perenes no direito.
Fundamentos
As ideias que surgiram com as revoluções americana – todos os homens nascem iguais e a procura da felicidade – e francesa – o tríplice princípio da liberdade, igualdade e fraternidade – originaram uma mudança sem precedentes na história da humanidade.
Estas concepções não possuem o mesmo significado das noções vigentes na Antiguidade Clássica e quem, na minha opinião, melhor expõe essa diferença é Benjamin Constant, no seu discurso de 1819, “De la liberté des anciens comparée à celle des modernes”, onde argumenta a defesa e a necessidade dum sistema democrático representativo em detrimento duma democracia direta . Porém, antes de verdadeiramente discorrer sobre o pensamento constantiano, acredito ser útil reforçar ou recordar algumas circunstâncias, que nos parecem esquecidas, para não dizer ignoradas, pelos nossos concidadãos.
As concepções supramencionadas são abstratas. São valores e não são instrumentos ou mecanismos. A liberdade é, na minha opinião, o mais alto dos valores, mas dela decorre toda a responsabilidade. Já George Bernard Shaw dizia: “Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente tem medo dela”.
Liberdade é aceitar as responsabilidades que decorrem das escolhas que fazemos. Inclusive, quando optamos por participar, ou não, no sistema político. E é importante estabelecer a ligação entre liberdade e responsabilidade por ser só assim que vislumbramos uma terceira dimensão, imprescindível na vida em sociedade e particularmente na política: responsabilização.
Hoje em dia, se perguntarmos às pessoas o que é a liberdade, dificilmente obteremos uma resposta errada. Contudo, será ainda mais raro conseguir uma resposta completa. A resposta mais comum será a possibilidade de escolha. Porém, as escolhas, tangíveis ou intangíveis, não tem consequências? Naturalmente que sim. Logo, liberdade não é apenas a possibilidade de escolha. Liberdade é aceitar as responsabilidades que decorrem das escolhas que fazemos. Inclusive, quando optamos por participar, ou não, no sistema político. E é importante estabelecer a ligação entre liberdade e responsabilidade por ser só assim que vislumbramos uma terceira dimensão, imprescindível na vida em sociedade e particularmente na política: responsabilização.
De seguida, é urgente perceber que não existe igualdade no plano individual. Apenas desigualdade. Só é possível perceber a igualdade se subirmos dois níveis: o primeiro, os países (que também são desiguais) e, segundo, a espécie. Consequentemente, só quando observamos «a humanidade» é que deixamos de distinguir os indivíduos. Neste contexto, evoco Aldous Huxley, cujas palavras aparentam readquirir pertinência no tempo presente: “que todos os homens são iguais é uma proposição à qual, em tempos normais, nenhum ser humano sensato deu, alguma vez, o seu assentimento. Um homem que tem de se submeter a uma operação perigosa não age sob a presunção de que tão bom é um médico como outro qualquer. (…) E quando são precisos funcionários públicos, até os governos mais democráticos fazem uma seleção cuidadosa entre os seus cidadãos teoricamente iguais. Em tempos normais, portanto, estamos perfeitamente certos de que os Homens não são iguais. Mas quando num país democrático, pensamos ou agimos politicamente, (…) procedemos como se estivéssemos certos da igualdade dos Homens”. O reparo que pode ser feito às palavras de Huxley é que António Costa convive bem com a suspeita do partido socialista (PS) agir como uma agência de emprego para os seus militantes. Nem dentro do universo dos militantes socialistas é feita uma selecção criteriosa para os lugares que vão ocupar no Estado.
Por fim, a fraternidade, que pode ser perspectivada como a tradução da harmonia que possibilita um meio para ultrapassar o estado da natureza. Kant, se nos abstrairmos duma perspectiva integralmente idealista, é uma referência.
Transpostos para uma Constituição, estes valores – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – permitem aos cidadãos perceberem os limites da sua acção, a igualdade da sua condição diante a lei e as regras da convivência social. Por outras palavras, é pela e perante a lei, no plano da cidadania, que as características individuais, embora reconhecidas, são tratadas do mesmo modo e que idênticas oportunidades de realização do desigual potencial individual são facultadas a todos os cidadãos.
As liberdades individuais
As liberdades e os direitos individuais resultam da evolução do pensamento e devem-se principalmente aos pensadores do iluminismo, período conhecido como o século das luzes (1685-1815). Entre outros nomes, podem ser referidos Voltaire, Diderot, Rousseau, Hume, Adam Smith, Montesquieu e Kant. Contudo, não é aconselhável dissociar esta era de iluminação do pensamento emergente da Revolução Científica, onde pontificaram os trabalhos de Francis Bacon, René Descartes, John Locke e Baruch Spinoza.
Assim, uma das principais diferenças, porventura a principal, entre a Antiguidade Clássica e as democracias modernas é o aparecimento das liberdades individuais e, por elas, de um novo entendimento de liberdade e privacidade. Como muito bem afirmou Benjamin Constant, “os antigos não tinham qualquer noção dos direitos individuais” e consideravam conciliável com a liberdade “a submissão completa do individuo à autoridade do todo”. Por outras palavras, na Pólis, o «Estado» era e controlava tudo. O coletivo não tinha em conta o individual. Na Pólis, o «Estado» subjugava o indivíduo simultaneamente desprovendo-o da sua privacidade e exigindo-lhe que participasse ativamente na vida pública. As palavras de Constant são disso ilustrativas: “entre os antigos, o indivíduo, quase sempre soberano nas questões públicas, é escravo em todos seus assuntos privados. Como cidadão, ele decide sobre a paz e a guerra; como particular, permanece limitado, observado, reprimido em todos seus movimentos”.
Não é isso que vivenciamos nos nossos dias, onde a liberdade, privacidade e segurança individual são garantidas e protegidas pela Constituição. Nos nossos dias, o Estado não invade a esfera individual. Este é o diapasão que permite compreender o significado de liberdade como, nas palavras de Lord Acton, “a garantia de que todos os homens devem ser protegidos ao fazerem o que acreditam ser seu dever contra a influência da autoridade das maiorias, dos costumes e opiniões”. E Lord Acton acrescentou que “o melhor teste para avaliar até que ponto um Estado é realmente livre é pelo nível de segurança usufruído pelas suas minorias”. Não obstante estas circunstâncias, não posso deixar de reproduzir o aviso que Alexander Solzhenitsyn nos deu quando pertinentemente observou que na sociedade ocidental se manifestava um desequilíbrio “entre liberdade para boas acções e liberdade para más acções”, que permitia o triunfo da mediocridade. Hoje, decorridos quarenta e cinco anos, esse desequilíbrio aumentou.
Dito isto, retorno ao pensamento constantiano para recordar o que este autor, tendo em mente as diferenças entre os antigos e os modernos, pensava sobre o que deveria ser a postura dos representados: “Daí vem, Senhores, a necessidade do sistema representativo. O sistema representativo não é mais do que uma organização com a ajuda da qual uma nação confia a alguns indivíduos o que ela não pode ou não quer fazer. Os pobres fazem eles mesmos seus negócios; os homens ricos contratam administradores. É a história das nações antigas e das nações modernas.
O sistema representativo é uma procuração dada a um certo número de homens pela massa do povo que deseja ter seus interesses defendidos e não tem, no entanto, tempo para defendê-los sozinho. Mas, salvo se forem insensatos, os homens ricos que têm administradores examinam, com atenção e severidade, se esses administradores cumprem seu dever, se não são negligentes, corruptos ou incapazes; e, para julgar a gestão de seus mandatários, os constituintes que são prudentes mantém-se a par dos negócios cuja administração lhes confiam. Assim também os povos que, para desfrutar da liberdade que lhes é útil, decorrem ao sistema representativo, devem exercer uma vigilância ativa e constante sobre seus representantes e reservar-se o direito de, em momentos que não sejam demasiado distanciados, afastá-los, caso tenham traído suas promessas, assim como o de revogar os poderes dos quais eles tenham eventualmente abusado”. Utilizando outra formulação, podemos dizer que a democracia representativa é mais determinada por aquilo que os cidadãos fazem do que pela acção dos seus representantes eleitos. Ora, a democracia representativa tem várias particularidades, as maiores das quais são a impossibilidade de ser imposta e a imperatividade de ser participativa.
Não se pode impor a democracia e/ou a liberdade. Ambas têm de ser conquistadas. No limite, apenas podem ser encorajadas. Impor a liberdade é subvertê-la, tal como impor a democracia também o é. A democracia é o melhor dos regimes políticos, mas tal estatuto não lhe dá legitimidade para ser imposta. Uma coisa é sermos nós próprios a lutar por ela e outra coisa, completamente diferente, é a democracia ser imposta. Principalmente, a terceiros. Alguém disse aos norte-americanos e aos franceses do século XVIII, que tinham de viver em democracia? As revoluções nasceram da vontade em ser livre. Woodrow Wilson expressou essa ideia magistralmente: “A liberdade nunca nasceu do governo. A história da liberdade é uma história de resistência. A história da liberdade é uma história de limitações ao poder governamental, e não do seu aumento”.
A singularidade da democracia é as decisões não agradarem a toda a gente. Ou seja, todos, sem, no entanto, serem todos, decidem – o que é uma contradição da vontade geral consigo mesma (não confundir com a dantesca ficção de Rousseau através da qual o “povo se transforma num simples ser, num individuo”). Aqueles que não votaram em quem ganhou, podem pensar que não deram o seu consentimento (mas fizeram-no).
A singularidade da democracia é as decisões não agradarem a toda a gente. Ou seja, todos, sem, no entanto, serem todos, decidem – o que é uma contradição da vontade geral consigo mesma (não confundir com a dantesca ficção de Rousseau através da qual o “povo se transforma num simples ser, num individuo”). Aqueles que não votaram em quem ganhou, podem pensar que não deram o seu consentimento (mas fizeram-no). Dito de outra maneira, recorrendo a John Stuart Mill, “a vontade do povo significa, na prática, a vontade da parte mais numerosa ou mais activa do povo: a maioria, ou aqueles que conseguem fazer-se aceitar como a maioria”. E é assim que deve ser. Se for perspectivada negativamente, a democracia pode ser encarada como uma ditadura temporária.
Aqui é pertinente observar que é mais fácil conquistar a democracia do que a manter. Sem a acção diária dos cidadãos a democracia desaparecerá. Não sou eu que o diz. A história comprova-o, demonstrando que as democracias liberais não são perenes. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt alertaram-nos para a possibilidade de poderem ser corrompidas ou morrer, podendo inclusivamente ser subvertidas pela acção daqueles que foram eleitos. Segundo eles, como as instituições formais não são suficientes para a defesa da democracia, é indispensável a existência de uma tríade de elementos: partidos políticos, cidadãos conscientes e normas democráticas sólidas e disseminadas entre a população. Sem estes elementos, dificilmente poderemos estar vigilantes e impedir que as instituições democráticas se transformem em instrumentos de opressão política e social.
Neste âmbito, é relevante referir isto. A integridade da democracia portuguesa diminuiu. Ao contrário de Mário Soares, que se posicionou contra os comunistas para impedir uma ditadura de esquerda, António Costa foi incapaz de resistir à tentação e o preço para ser Primeiro-Ministro foi dar acesso ao poder aos demagogos totalitários comunistas e bloquistas. Por outras palavras, António Costa sacrificou voluntariamente a democracia aos seus caprichos. O fim do PS democrático representou a consolidação dum neo-socialismo caracterizado pelo aumento transversal de poder, pela irresponsabilidade perante a lei e pelo desrespeito da Constituição. É notória uma alteração de comportamento. Até certa altura, os socialistas privilegiaram a legalidade face à ética e moral para justificar as suas posições. Recentemente, passaram também a desconsiderar a legalidade face aos interesses partidários. E que dizer da banalização da autoridade feita pelos governos de António Costa? Que consequências está a ter na nossa democracia? Acrescenta-se a tudo isto o desequilíbrio referido por Solzhenitsyn. A cedência dos Governos às exigências das minorias apenas por estas serem ruidosas e mediáticas está a corroer a democracia. O «politicamente correcto» e a cultura Woke são exemplos.
Vasco Pulido Valente tinha razão. “Desde a I República que não aparecia um cacique da envergadura do dr. Costa na cena política portuguesa, pronto a meter o país no fundo por vaidade pessoal ou conveniências partidárias. Apareceu anteontem. Pobres de nós”. António Costa jamais será mais do que um cacique sem preocupação pelo futuro do país. E o futuro de Portugal não é risonho. Para além disso, o exemplo do Primeiro-Ministro, assim como os restantes membros do Governo, é deplorável. Prepotente e arrogante, António Costa não assume responsabilidades. Mesmo pelas decisões que tomou e toma enquanto governante.
Participação cívica
Participar é inerente à democracia. Digo mais. É uma exigência! Sempre o foi. Já o era na Grécia do século V a.C., onde o cidadão que não se importasse com a política era censurado ou pior. Péricles, na sua oração fúnebre, expressou esse sentimento: “Nós consideramos o cidadão que se mostra estranho ou indiferente à política como um inútil à sociedade e à República” (Tucídides, livro II, capítulo VI). Indubitavelmente, com o correr do tempo, esta ideia adquiriu outros contornos, mas nunca perdeu este significado: não há democracia sem participação.
John Stuart Mill também nos ajuda a compreender essa característica. “(…) todos os que recebem a proteção da sociedade têm o dever de retribuir o benefício, e o facto de se viver em sociedade torna indispensável que cada um tenha de adotar uma certa linha de conduta com os outros. Esta conduta consiste, em primeiro ligar, em não prejudicar os interesses dos outros, ou, melhor dizendo, certos interesses, que, por provisão legal explícita ou por entendimento tácito, têm de ser considerados direitos; e consiste, em segundo lugar, em cada pessoa arcar com a sua parte de trabalhos e sacrifícios necessários para defender a sociedade ou os seus membros de dano ou moléstia”. Evidentemente, estas palavras de Mill foram proferidas num determinado âmbito, versando, concretamente, os limites da autoridade sobre o individuo. Mas não deixam de evidenciar um nexo de reciprocidade que deve ser observado e praticado. Se existe um benefício, este deve ser retribuído. Principalmente, no que respeita à participação dos cidadãos na vida púbica do Estado. Aliás, reforço esta ideia recorrendo mais uma vez a Benjamin Constant: “O perigo da liberdade antiga estava em que, atentos unicamente à necessidade de garantir a participação no poder social, os homens não se preocupassem com os direitos e garantias individuais. O perigo da liberdade moderna está em que, absorvidos pelo gozo da independência privada e na busca de interesses particulares, renunciemos demasiado facilmente ao nosso direito de participar do poder político”.
A noção de participação é intrínseca à democracia. Todas as formas de democracia são participativas. Umas mais do que outras, dependendo dos sistemas de governo e eleitoral, mas todas são participativas. O que varia é o grau de autonomia e o nível de representatividade, tanto dos eleitos como dos eleitores. Ora, intimamente ligada à noção de direitos políticos, a cidadania pressupõe a participação dos cidadãos, quer directa quer indirectamente, na vida pública e política do país, elegendo ou sendo eleitos para os órgãos do Estado.
No caso português, esta realidade está, por exemplo, plasmada na Constituição da República Portuguesa no Artigo 48º – Participação na vida pública, o qual, no seu número um, expressa que “todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos”, e no Artigo 109º – Participação política dos cidadãos, onde se declara que “a participação direta e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos”.
No entanto, é importante referir que a Constituição portuguesa é restritiva ao adoptar um sistema de eleição indirecta. Os portugueses votam em listas plurinominais que foram pré-seleccionadas pelos partidos políticos. E note-se que tendo a Constituição de 1976, dado aos partidos políticos a primazia para as alterações constitucionais, estes preferem defender os seus interesses e resistem a mudar o sistema eleitoral.
Apesar disto, a lei portuguesa confere aos seus cidadãos vários instrumentos e formas de participação no sistema político, tanto a nível local como nacional, que vão desde a promoção de reuniões informais a petições, passando pelo orçamento participativo e a criação de comissões, pelos referendos e iniciativas de legislação até aos diversos actos eleitorais. Saliente-se que o voto é a última forma de participação.
Há várias formas de participação. Vou começar por referir aquela que é a primeira forma de participação cívica e que, talvez por ser óbvia, frequentemente é esquecida ou ignorada como tal: a pergunta (que igualmente traduz a primeira forma de liberdade de expressão).
Em democracia, perguntar é primordial. Não interessa se o titular do cargo público gosta ou não de responder. Este tem de saber que o cidadão interpela. Se o cidadão deixa de interrogar, adoptando um abandono cívico (que equiparo a uma pré-forma de abstenção), o representante deixa de se sentir “controlado”. Tal como Benjamin Constant nos alertou em 1819, a democracia representativa requer a necessidade de se “exercer uma vigilância ativa e constante sobre os representantes”.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos realizou inquéritos de que nos permitiram aferir algumas realidades sobre o comportamento dos portugueses. Assim, à inquirição quanto ao contacto, durante os últimos 12 meses a um político, um representante do governo central ou um representante do poder local, os dados demonstraram que entre 2002 e 2012, o número de portugueses que contactaram os seus representantes diminuiu para metade, ficando próximo dos 6%.
Qual será o comportamento dos portugueses neste aspecto? A Fundação Francisco Manuel dos Santos realizou inquéritos de que nos permitiram aferir algumas realidades sobre o comportamento dos portugueses. Assim, à inquirição quanto ao contacto, durante os últimos 12 meses a um político, um representante do governo central ou um representante do poder local, os dados demonstraram que entre 2002 e 2012, o número de portugueses que contactaram os seus representantes diminuiu para metade, ficando próximo dos 6%. Logo, enquadrando estes resultados nas preocupações constantianas, podemos concluir que os portugueses não exercem uma vigilância activa e contínua sobre os seus representantes eleitos. Isto significa que a pergunta nem sequer é encarada como uma forma de participação. Curiosamente, não deixa de ser interessante reparar que os políticos detestam responder às perguntas dos cidadãos. É também de salientar que, segundo a OCDE, os portugueses têm mais confiança nas organizações internacionais do que nos órgãos de soberania nacionais (Governo e Assembleia da República), sendo, contudo, nos partidos políticos que os portugueses confiam menos. O que não é um bom indício quanto à robustez da democracia.
Outra das formas de participação no sistema político é exemplificada pelos movimentos e associações cívicas. No que respeita à componente política, existem diversos movimentos e associações que, apesar de desprovidos de ambições de representação política, investigam, identificam e denunciam situações irregulares, apresentando e sugerindo alternativas. A título de curiosidade, refiro dois exemplos: as associações Transparência e Integridade e SEDES. O contributo destas associações para a melhoria do sistema político é inegável. E fazem-no através do combate à corrupção, almejando sociedade mais justa e uma democracia com mais qualidade, ou pela apresentação de estudos, numa miríade de áreas, que visam o desenvolvimento do País.
Não posso deixar de mencionar as Iniciativas Legislativas de Cidadãos (ILC) e as Iniciativas Populares de Referendo (IPR), cujos mínimos de assinaturas baixaram de 35 mil para 20 mil (ILC) e de 75 mil para 60 mil (IPR) respectivamente. Porém, considerando os requisitos e exigências legais e administrativas, continua a ser mais simples e prático criar um partido político ou ser candidato à Presidência da República (7500 assinaturas, em ambos os casos). Independentemente das exigências, quer a ILC, quer a IPR, são exemplos de participação.
Participação eleitoral
Votar é a última forma de participação. Mas ao ter consequência directa na governação do país também é a mais significativa. No âmbito da política, como manifestação da igualdade de oportunidade, é uma forma de participação essencial.
O voto não é obrigatório. E muito bem! Porque pressupõe uma vontade – e não uma imposição – de participação do cidadão na vida pública do Estado. Assim, sendo o voto a manifestação de uma vontade não deverá tornar-se uma imposição sobre a vontade individual. Para todos os efeitos, quer se goste ou não, o cidadão pode não querer participar no sistema político. E deve manter essa prerrogativa, apesar de, pela mesma, estar a prescindir da plenitude dos seus direitos (e deveres) e a permitir que terceiros decidam por si o seu futuro.
Ora, é a abstenção que melhor ilustra a opção pela não-participação. Quem se abstêm não faz um voto de protesto. Está, eventualmente, a protestar. Mas, a votar não está. Então, qual é a diferença entre a abstenção e um voto branco e/ou nulo? Quem vota em branco ou nulo, quer participar, mas não gosta das opções expressas no boletim de voto. Quem se abstêm, não vota e não quer participar. Qual é o custo da não-participação? É a perda da democracia e da liberdade. Fará diferença, para quem não participa, viver em ditadura?
Antes de continuar é necessário fazer clarificações. O que é um voto válido? Um voto válido é aquele que expressa a escolha do eleitor através da indicação de apenas uma cruz no boletim de voto. Só este tipo de voto é que determina a conversão em mandatos e que conta para a atribuição das subvenções públicas.
O que é um voto em branco? Um voto em branco verifica-se quando o boletim não for objecto de qualquer tipo de marca feita pelo eleitor, nos termos do n.º 1, do artigo 98º da Lei eleitoral da Assembleia da República – Lei 14/79, de 16 de Maio (este critério é aplicável a qualquer sufrágio, incluindo as europeias). Seja num acto eleitoral, ou num referendo, uma declaração de vontade tem de ser praticada e esta só é possível através do assinalar de uma cruz num dos quadrados constantes no boletim de voto.
Como tal, segundo o artigo 98º da referida Lei 14/79, o voto em branco – no qual nenhuma declaração de vontade é expressa – não é válido para efeitos de determinação do número de candidatos eleitos, pois não tem influência no apuramento do número de votos e na respectiva conversão em mandatos. Assim, mesmo na eventualidade de o número de votos em branco ser maioritário, a eleição é válida, pois existem votos validamente expressos que contam para os efeitos do apuramento de resultados.
Por sua vez, as alíneas a), b) e c) do nº 2, do artigo 98º da lei 14/79, determinam o que é um voto nulo. Este acontece quando se faz mais do que uma marca, uma marca num candidato, partido ou coligação que tenha desistido ou ainda quando se verificam rasuras, desenhos ou palavras no boletim de voto.
No que respeita à democracia e ao seu papel como cidadãos, os portugueses são uma espécie de dissonância cognitiva, pois exigem mudanças quando eles próprios não estão disponíveis para mudar. Infelizmente, o povo português pensa que as ilusões que lhe são vendidas não são sua responsabilidade e, cada vez mais, alheia-se da realidade e da decisão política. Há muito que assim acontece, sendo também há muito que se confunde política com partidarismo. Como é a regência do comodismo que nos caracteriza, uma parte significativa de nós continuará sentada no sofá a apontar o dedo a quem aparece na televisão. Os portugueses, ou alguns deles, tem necessidade de duas coisas: primeiro, de culpar alguém pelos seus males e, segundo, do próximo ilusionista (sendo que uns ilusionistas perduram mais do que outros). É um modo sequencial de complacência. É a solução mais fácil. É a solução que perpetua o fado português da miséria, da pobreza e da tristeza. Sabendo-se que o comodismo e o desinteresse são factores que originam a abstenção, devemos tornar o voto obrigatório? Perante o pagamento duma coima, não tenho dúvidas que a abstenção diminuiria. Mas qual seria o resultado de ter gente iliterata politicamente obrigada a votar?
Como manter a liberdade e/ou a democracia é mais difícil do que a conquistar, esta postura do «é preferível chorar a fazer» é muito perigosa. Não ir votar ou votar branco e nulo é a última coisa que se deve fazer. Todavia, como participar é importante, é preferível votar branco ou nulo do que não ir votar. Apesar de não provocar nenhuma mudança, votar branco ou nulo significa que os eleitores querem participar na democracia. Nesta ordem de raciocínio, é preferível votar por exclusão, i.e., optar por uma forma negativa ao votar no mal menor, do que não ir votar. A opção por não participar nos actos eleitorais ou, por outras palavras, o abandono voluntário do cidadão, quer pela abstenção, quer pelos brancos e nulos, é a pior solução. Para além de significar indiferença pela democracia, também permite que os políticos se mantenham no poder, uma vez que quanto menos pessoas votarem, mais certeza terá o “político” da sua (re)eleição.
Tendo em conta o descontentamento que a população manifesta e o crescente afastamento entre eleitores e eleitos, à primeira vista pode parecer bastante atractivo não participar nas eleições ou manifestar desagrado através do voto branco ou nulo. Mas trata-se de uma ilusão que apenas beneficia quem domina o sistema político. A melhor maneira de provocar incerteza nos resultados é ir votar e expressar validamente uma escolha concreta.
Dito de outra forma, tendo em conta o descontentamento que a população manifesta e o crescente afastamento entre eleitores e eleitos, à primeira vista pode parecer bastante atractivo não participar nas eleições ou manifestar desagrado através do voto branco ou nulo. Mas trata-se de uma ilusão que apenas beneficia quem domina o sistema político. A melhor maneira de provocar incerteza nos resultados é ir votar e expressar validamente uma escolha concreta.
Deve ser salientado que o afastamento entre cidadãos e os seus representantes políticos não resulta apenas por causa dos primeiros. Aqui não devemos apenas recordar as palavras de Constant. Também é essencial evocar Edmund Burke, para quem nenhum representante podia prescindir “de viver na mais próxima correspondência com os seus constituintes e de os ouvir”. Contudo, se esse representante sacrificasse a sua opinião, o seu julgamento e a sua consciência para agradar a terceiros estaria a fazer tudo menos servir os seus constituintes. Como tal, instruções de autoridade ou ordens [e cheques em branco], que exigem ao representante obediência cega através da defesa de temas que colidem com a sua convicção e consciência, são inteiramente reprováveis. Burke afirma, e muito bem, que “governar e legislar são questões de razão e de julgamento, não de inclinação ou de favorecimento”.
Ora, se tivermos em conta tanto as palavras de Constant “o sistema representativo é uma procuração dada a um certo número de homens pela massa do povo que deseja ter seus interesses defendidos e não tem, no entanto, tempo para defendê-los sozinho”, como as de Burke “governar e legislar são questões de razão e de julgamento, não de inclinação ou de favorecimento”, isto é precisamente o que António Costa não faz.
É claro que os representantes eleitos não são obrigados a decidirem como nós decidiríamos, ou gostaríamos que decidissem. Porém, as decisões do Primeiro-Ministro visam em primeiro lugar os seus interesses e em segundo lugar os interesses do PS. Só depois são tidos em conta os interesses dos portugueses. O contrário devia ser a regra. Depois, para além do nepotismo e do favorecimento serem apanágios da gestão socialista, a governação socialista apenas se preocupa com os problemas quando estes são notícia. E, paradoxalmente, a democracia representativa portuguesa pode ser caracterizada como a democracia da obediência. Para todos os efeitos, passámos da obediência ao chefe do regime (Salazar) para a obediência ao líder partidário. A obediência é corrosiva e indesejável em democracia. E em ambos os casos, a concentração de poder é inquestionável. Infelizmente, esta caracterização não se cinge ao PS. Também é vislumbrável nos partidos da oposição.
Reafirmar a igualdade de oportunidades
A reflexão sobre a igualdade de oportunidades (aplicação das mesmas regras e padrões a todos) vs a igualdade de resultados (excepções para compensar desigualdades) é um debate sobre justiça, mais concretamente, sobre justiça social. Infelizmente, é a negação da justiça. Thomas Sowell explicou magistralmente a razão.
Para além de serem conceitos distintos, são incompatíveis um com o outro. Só é possível obter um ou o outro, pois os requisitos para este dois tipos de justiça são muito diferentes e inconciliáveis. A igualdade de oportunidades, i.e., a exigência de tratar todos da mesma forma é notavelmente simples e facilmente atingida. Nunca será perfeita. Não há nada que a esfera humana que o seja. Todavia, como a igualdade de resultados exige que os preceitos para a justiça social sejam adaptados a cada caso individual, quer pela complexidade inerente à mesma, quer pela exigência de mais poder governamental, não é difícil perceber que requererá que terceiros intervenham directamente na determinação dos resultados para confirmar se expectativas foram alcançadas. Dito por outras palavras, sem discriminação não é possível obter justiça social.
Numa corrida de 100 metros todos os corredores têm a mesma igualdade de oportunidade e a mesma possibilidade de vencer. Este é o exemplo de uma competição justa. Porém, para os construtivistas sociais, como os corredores têm capacidades físicas distintas, o que faz com que uns corram mais depressa do que outros, a competição não é justa. Para atingir uma condição justa, é necessário que a distância a percorrer seja diferente de modo a compensar a capacidade de cada corredor. Isso significa que uns irão correr menos metros – 95, 90, 85 ou 80 – para criar a suposta igualdade de resultados. Ou seja, apesar de estar em disputa uma corrida de 100 metros, não há qualquer problema em que alguns corredores corram menos metros se isso compensar as suas limitações (acrescente-se aqui uma nova variação desta loucura. É incoerente, indigno e injusto que um homem que se sente mulher e opta por viver de acordo com seus sentimentos, vá competir com mulheres. Tal opção em viver como mulher não elimina sua estrutura biológica nem sua capacidade física. É aceitável que pessoas biologicamente masculinas compitam contra pessoas biologicamente femininas? Será uma tentativa para acabar com o desporto feminino? O construtivismo afirma-se contra as mulheres).
Thomas Sowell e Michael Sandel defendem que John Rawls estava errado e têm toda a razão. Alguma vez um homem prescindirá integralmente das suas crenças e convicções, do seu Eu, em última análise, tal como é requerido na hipótese de Rawls? A teoria rawlsiana da igualdade de oportunidade justa vs igualdade de oportunidade meramente formal é uma aberração e acaba por ser a expressão definitiva da injustiça. Em vez de defender que as mesmas regras sejam aplicadas a todas as pessoas, Rawls diz que as desigualdades imerecidas (onde se incluem as características biológicas) têm de ser compensadas. Portanto, para ganhar uma corrida de 100 metros, é justo que alguns corredores só tenham de correr 80 metros.
Os construtivistas, defensores deste género de justiça, jamais serão justos pela secundarização do mérito e da capacidade individual. O objectivo de tentar corrigir as desigualdades sociais, ao considerar a compensação das características biológicas, também é uma tentativa de correcção divina. Os defeitos criados por Deus, ou pelo universo, devem ser corrigidos pelos homens. Ideias muito perigosas que há muito são criticadas. Entre outros, Bastiat, denunciou “a propensão de muitos filósofos e políticos – Rousseau, Mably, Saint-Just, Robespierre, Owen, Saint-Simon, Fourier, Cabet, Proudhon – de quererem moldar a humanidade de acordo com seus desejos”. Marx, Gramsci e Marcuse são exemplos mais recentes.
A igualdade de resultados também está na base da diminuição da exigência do ensino. Como forma de “compensação” das circunstâncias e condições biológicas e socioeconómicas verifica-se uma mudança de padrões valorativos de modo a eliminar “desigualdades pré-existentes”. Curiosamente, ou talvez não, partilhei uma experiência similar à de Thomas Sowell. E também agradeço a falta de benevolência dos meus professores comigo. A sua principal preocupação não foi a minha auto-estima, mas exigir de mim para que eu fosse capaz de superar as minhas dificuldades e limitações. Não me facilitaram a vida e, em resultado disso, fui capaz de aumentar o meu potencial e de superar as expectativas. Ou seja, os meus professores primários acreditaram em mim e não me trataram como um coitadinho, incentivando-me a ser mais e melhor do que era.
Segundo a visão rawlsiana, se eu fosse um dos corredores da corrida de 100 metros, ao não ter as mesmas capacidades físicas dos mais fortes, devia beneficiar duma vantagem suplementar, i.e., duma discriminação, para ter hipóteses de vencer a corrida dos 100 metros. Ora, isto não é apenas injusto. É muito mais do que isso. É uma expressão de imoralidade. É a diferença entre ter pessoas confiantes ou farrapos humanos receosos com medo de tomar decisões. É uma maneira de tornar pessoas capazes e confiantes em cidadãos inseguros e dependentes. E é isso que a igualdade de resultados faz. Transforma crianças e pessoas com potencial, com capacidade para virem a ter orgulho das suas conquistas e realizações individuais, em cidadãos instáveis, frágeis e hesitantes, ou se preferirem, em subsídio-dependentes e clientes da ajuda de terceiros, em particular, do Estado ou, mais adequadamente, do Governo.
Ora, infelizmente para o futuro deste de Portugal, António Costa é um fervoroso apologista da subsidiodependência. O Governo socialista aumentou deliberadamente o peso e a presença do Estado na sociedade. Não apenas pela partidarização da administração pública, empregando militantes socialistas no Estado, como também pelo aumentar dos cidadãos dependentes da ajuda pública. Ortega Y Gasset, alertou-nos para o custo dessa realidade, dizendo que “a isso conduz o intervencionismo do Estado: o povo converte-se em carne e massa que alimenta o mero artefacto e máquina que é o Estado”. Porquê a aposta na subsidiodependência? Porque sem pobreza o socialismo perde a sua razão de ser.
Não é possível que a justiça seja simultaneamente justa e moral para todas as pessoas. Estando implícita uma escolha, defenderei sempre que a justiça seja justa. O véu da ignorância de Rawls é uma utopia e jamais passará de um exercício de abstracção. Nenhum homem é unicamente racional. Felizmente! Enquadrado no âmbito da igualdade de resultados, o véu da ignorância limita a função da justiça.
Não é possível que a justiça seja simultaneamente justa e moral para todas as pessoas. Estando implícita uma escolha, defenderei sempre que a justiça seja justa. O véu da ignorância de Rawls é uma utopia e jamais passará de um exercício de abstracção. Nenhum homem é unicamente racional. Felizmente! Enquadrado no âmbito da igualdade de resultados, o véu da ignorância limita a função da justiça. Aqui concordo com Sowell e Sandel. E atrevo-me a dizer que o véu da ignorância de Rawls é ainda mais incerto do que o princípio da Incerteza de Heisenberg. As circunstâncias sociais são dinâmicas e à medida que estas se modificam, o véu da ignorância impedirá conhecer tanto “onde”, como “quando” é o lugar [de cada um] na sociedade.
E convém não esquecer que a visão da justiça social que a igualdade de resultados requer só é interessante para quem a defende. Particularmente no âmbito político, pois dá votos, mas não assegura, nem liberdade, nem independência individual. Só alimenta ilusões, prejudicando o elevador social. A visão da justiça social que a igualdade de resultados requer prejudica quem é suposto beneficiar da mesma. Infelizmente, funciona como uma droga, pois faz com que as pessoas se sintam bem consigo mesmas. Especialmente os oportunistas políticos que a promovem.
Isto não significa que o Estado deixe os cidadãos ao deus-dará. Em 1944, Hayek, entre outras coisas disse que não podia “haver dúvidas de que deve ser assegurado a todos um mínimo de alimentação, abrigo e roupas, o suficiente para cada pessoa se manter sã e poder trabalhar, (…) não há razão para que o Estado não ajude os indivíduos a fazer face aos infortúnios da vida que, pela sua incerteza, poucas pessoas acautelam” e que também não havia “qualquer incompatibilidade de princípio entre ser o Estado a proporcionar mais segurança e a manutenção da liberdade individual.”
Quando António Costa e os seus ministros, quando Paulo Raimundo e os seus correligionários, quando Francisco Louçã e os seus discípulos atacam os liberais por estes dizerem que o Estado deve cumprir as suas funções apenas estão a demonstrar a plenitude da sua ignorância e demagogia.
A verdade é esta: Enquanto houver quem defenda que o sistema educacional deve ter como objectivo aumentar a auto-estima em vez de possibilitar a aquisição de conhecimentos para a superação do potencial de cada um, não só a justiça estará distorcida, como igualmente não deixaremos de ser pobres. Como pessoas e como país. Defender menos exigência no ensino na época em que o conhecimento fará a riqueza, ou a pobreza, das nações é insano.
A igualdade de resultados é a nova forma de ilusão das massas. É o novo caminho para a servidão.
Considerações finais
Ao longo desta reflexão procurei explicar a importância de uma cidadania activa e participativa em democracia. É indispensável ser vigilante sobre as decisões tomadas por quem tem o poder de decidir por todos.
A diminuição do interesse e da participação dos cidadãos pelos assuntos políticos é o primeiro passo para o aparecimento duma autocracia. Ou pior! Isso já está a acontecer em Portugal. E os piores exemplos estão a ser dados pelo Governo. A banalização da autoridade é apenas dos sintomas. Outro é opção pelo fim do socialismo democrático. Mas o pior exemplo dado por António Costa é a sua incapacidade em aprender com os seus próprios erros. O que levanta outro tipo de questões.
Também dei vários exemplos da igualdade de oportunidades. A democracia representativa é um exemplo maior. Todos os cidadãos a quem a lei confere capacidade para tal podem participar na escolha dos [seus] representantes eleitos. Não são obrigados a fazê-lo. Mas é fundamental que estejam conscientes que a sua inação, i.e., a sua opção pela não participação, terá consequências na conduta dos eleitos e na qualidade da democracia e que mesma se traduz no abdicar de ter uma palavra no futuro político do país.
Independentemente da escolha de cada português, que deve ser sempre respeitada, é essencial compreender que a soberania só é exercida pelo povo se este participar activamente na democracia.
Por fim, afirmei que a igualdade de resultados, ao implicar discriminação para garantir a concretização de determinados fiz, não passa da perversão da justiça. Nunca compreendi o racional da discriminação positiva. Positiva ou não, não deixa de ser discriminação. Mas como a mediocridade dos cidadãos tem sido a aposta governativa, não é estranho que as políticas socialistas (e da esquerda) a promovam. É apelativa e dá votos.
Justiça é tratar todas as pessoas de forma igual. Da mesma forma, com as mesmas regras, com as mesmas oportunidades. Dando a cada um de nós, apesar do potencial individual ser distinto, a mesma possibilidade de superação. Sabendo de antemão que nenhuma forma de democracia será perfeita, só pela exigência dos cidadãos é que a mesma poderá ser melhorada.
Bibliografia
Aldous Huxley (1974) – Sobre a Democracia e outros Estudos.
Alexander Solzhenitsyn (1978) – The Exhausted West.
Aristóteles (350 AC) – Política ((Πολιτικά)
Benjamin Constant (1819) – De la liberté des anciens comparée à celle des modernes.
Edmund Burke (1774) – Speech to the Electors of Bristol. In The Works of the Right Honourable Edmund Burke, vol. II.
George Bernard Shaw (1903) – Man and superman: a comedy and a philosophy.
Frédéric Bastiat (1850) – La Loi.
Friedrich von Hayek (1944) – O Caminho para a Servidão.
Immanuel Kant (1795) – A Paz Perpétua: Um Projeto Filosófico.
Jean-Jacques Rousseau (1762) – Do Contrato Social.
John Rawls (1971) – A Theory of Justice.
John Stuart Mill (2006) – Sobre a Liberdade.
José Ortega Y Gasset (1971) – A Rebelião das Massas.
Lord Acton (1985) – Essays in the History of Liberty: Selected writings of Lord Acton, vol. I. J. Rufus Fears (ed.)
Michael Sandel (1982) – Liberalism and the Limits of Justice.
Steven Levitsky and Daniel Ziblatt (2018) – How democracies die.
OCDE (2022) – Building Trust to Reinforce Democracy: Briefing Portugal.
Platão (375 AC) – República (πολιτεία)
Thomas Sowell (1999) – The Quest for Cosmic Justice
Thucydides (431 AC) – The History of the Peloponnesian War. The Internet Classics Archive by Daniel C. Stevenson.
Woodrow Wilson (1956) – A Crossroads of Freedom. The 1912 campaign speeches of Woodrow Wilson. John Wells Davidson (ed).
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