
À espera do 338-A
Desde que foi introduzido no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, o artigo 338.º-A tem gerado confusão, interpretações contraditórias e uma crescente frustração.
Podia ser a espera por uma carreira da Carris. Podia, mas não é. É a espera, urgente e necessária, pela clarificação do artigo 338.º-A do Código do Trabalho e pelo fim da insegurança jurídica gerada por um regime manifestamente inadequado.
Desde que foi introduzido no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, o artigo 338.º-A tem gerado confusão, interpretações contraditórias e uma crescente frustração. O objetivo era claro: reforçar a proteção dos trabalhadores em casos de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, especialmente quando as suas funções são, logo depois, externalizadas. Na prática, porém, a norma tem-se revelado de difícil interpretação e ainda mais difícil aplicação.
Cansado da espera – como eu – em novembro de 2024 o Tribunal da Relação do Porto veio pronunciar-se no sentido da ilicitude de um despedimento por extinção do posto de trabalho, por ter o empregador externalizado as funções anteriormente asseguradas pelo trabalhador despedido. Problema. Essa leitura não resulta, de forma clara, do texto legal. Nem parece compatível com o regime jurídico atualmente em vigor.
É que a estrutura legal dos despedimentos por razões objetivas – como os coletivos ou por extinção do posto de trabalho – assenta num equilíbrio sensível entre dois direitos constitucionais: o direito à segurança no emprego e o direito à livre iniciativa e gestão empresarial. As empresas podem reorganizar-se, desde que o façam com base em motivos económicos válidos e seguindo as formalidades previstas. Externalizar funções, sobretudo as que não fazem parte do “core business” da empresa, tem sido aceite como uma dessas razões, ainda que com algumas reservas da jurisprudência.
O artigo 338.º-A determina que: “Não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho.” Esta proibição acaba por penalizar exatamente aquilo que a empresa utilizou como fundamento para o despedimento: a externalização. O paradoxo é evidente. E contunde com os princípios da liberdade empresarial.
Mas atente-se, que as razões e intenção do legislador são sérias. Trata-se de combater práticas abusivas em que o despedimento servia apenas para transferir custos e responsabilidades para terceiros. Mas, o problema permanece: o artigo 338.º-A, tal como está redigido, não cria uma causa de ilicitude do despedimento; a violação da proibição ali contida constitui contraordenação, sujeita a coima, sem afetar a validade do despedimento em si.
Se o legislador pretendesse que essa conduta implicasse a ilicitude do despedimento, teria de o dizer de forma expressa e necessariamente rever o regime aplicável aos despedimentos por razões objetivas, nomeadamente os fundamentos económicos admissíveis e os limites ao poder de reorganização empresarial. Essa reformulação nunca aconteceu. E enquanto assim for, não é possível – sem violar os princípios da legalidade e da interpretação restritiva das normas sancionatórias – atribuir à norma um efeito que ela não prevê. A casa precisa de arrumação. Mas não podemos, em nome da justiça social ou da proteção do trabalhador, ignorar o texto da lei ou fazer interpretações extensivas ou corretivas que vão contra a sua letra, como creio fez o Acórdão referido. Foi por isso que escrevi. E por isso continuo à espera.
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