4 argumentos contra os “windfall profit taxes” (impostos sobre lucros caídos do céu) – em especial, a aplicação ao setor energético

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • 29 Abril 2022

Não atribuímos qualquer vantagem digna de realce à criação de qualquer modalidade de “windfall profit tax”, em especial no atual contexto de incerteza.

O que são os “windfall profit taxes” (impostos sobre lucros caídos do céu)?

As últimas semanas trouxeram para o debate público os designados “windfall profit taxes”, expressão geralmente objeto de tradução por “impostos sobre lucros caídos do céu”.

Em termos históricos, está em causa uma categoria que remonta à década de 80 do Século XX, quando foi criado o designado “crude oil windfall profit tax”, nos EUA, como parte de um compromisso entre a Administração Carter e o Congresso relativamente ao aumento significativo dos preços do petróleo.

Sem prejuízo do (muito) discutível sucesso que a referida medida obteve neste contexto histórico, parece-nos seguro que a sua réplica para o atual momento representaria um exercício tecnicamente impreciso, senão mesmo incorreto.

Mais recentemente, o relevo público dos “windfall profit taxes” foi sobretudo suscitado pela alusão, na Comunicação da Comissão Europeia subordinada ao “REPowerEU”, do passado dia 8 de março, ao facto de os Estados-Membros poderem “ponderar a adoção de medidas fiscais temporárias sobre lucros inesperados” que “visem captar algumas receitas de certos produtores de eletricidade”.

É claro que Comissão Europeia não está a impor a adoção de medidas deste perfil. Pelo contrário, a Comissão Europeia está apenas a abrir a possibilidade, aos Estados-Membros, para que estes procedam à respetiva implementação, numa base temporária, mitigando os efeitos da subida de preço no gás ao nível dos custos suportados pelos clientes finais (de eletricidade).

Pelas sérias dúvidas que soluções deste género nos suscitam, em especial no contexto atual, seguem-se 4 argumentos que, de alguma forma, entendemos poderem justificar a rejeição dos “windfall profit taxes”, com particular ênfase no setor energético.

I. Os “windfall profit taxes” não são tributos sobre lucros excessivos

O primeiro argumento que gostaríamos de invocar relaciona-se com a própria natureza dos “windfall profit taxes”, sobretudo salientando alguma confusão suscitada pela contraposição entre esta última figura e uma outra, a dos “excess profits tax”.

Ao passo que neste último caso, o dos “excess profits tax”, estaria em causa a criação de uma modalidade de tributação – quase sempre sobre a forma de adicional ou adicionamento – sobre lucros considerados como “excessivos”, no caso dos “windfall profit taxes” está em causa uma modalidade de tributação autónoma sobre lucros, paralela à dos impostos gerais sobre lucros, vocacionada para “capturar” putativas rendas geradas por efeito de um determinado contexto de crise.

Todavia, dificilmente se conseguirá afirmar que os putativos incrementos de lucros gerados no contexto da atual crise não deve a sua explicação ao funcionamento dos fluxos de oferta e procura, em especial a uma reconfiguração do fluxo de oferta – tendo por base que, tanto no caso do caso do gás natural com da própria eletricidade, a procura é geralmente inelástica (ou seja, em termos simples, as alterações percentuais nas quantidades procuradas, tanto aumento como diminuição, são sempre proporcionalmente inferiores às alterações percentuais de preço).

II. Os “windfall profit taxes” não são um sucedâneo dos modelos de tributação geral do lucro

O segundo argumento que gostaríamos igualmente de invocar em desfavor dos “windfall profit taxes” associa-se diretamente ao funcionamento da tributação geral dos lucros nos modernos sistemas fiscais – em especial, aqueles que seguem o standard da OCDE, como é o caso de Portugal.

Neste tipo de sistemas fiscais, a tributação dos lucros empresariais ocorre essencialmente com base em três princípios estruturantes, qualquer um dos quais permite justificar de que forma os “windfall profit taxes” não são um sucedâneo dos modelos de tributação geral do lucro:

(i) Em primeiro lugar, as empresas são tributadas com base no seu lucro de base mundial (“worldwide income principle”), de tal forma que todo e qualquer incremento marginal de lucro, qualquer que seja o Estado em que ocorra, terá reflexo, em princípio, num aumento de tributação efetiva ao nível da carga fiscal global suportada por cada cada entidade.

(ii) Em segundo lugar, as empresas são tributadas com base numa conceção de rendimento à luz da qual todo e qualquer incremento de lucro é incluído no cômputo de tributação. Como tal, não é de todo correto afirmar que, mesmo num contexto de crise energética, existiria uma qualquer ausência de tributação associada a putativos ganhos adicionais, em especial no setor do gás natural.

(iii) Em terceiro lugar – pelo menos, na esmagadora maioria dos casos – os impostos sobre os lucros das empresas têm uma base proporcional (“flat”), de tal forma que a receita (líquida) arrecadada será (quase) proporcional ao aumento de lucro proveniente da atividade.

III. Os “windfall profit taxes” não têm qualquer efeito estrutural positivo no fluxo de oferta

Em terceiro lugar, um outro aspeto que justifica as nossas reservas em relação a este tipo de soluções repousa sobre os efeitos económicos associados aos “windfall profit taxes”.

Na realidade, e este tipo de tributo, assim implementado, acaba por estabelecer uma indução (ainda mais expressiva) para restrições setoriais e temporárias na oferta, a que acrescem motivos de segurança jurídica e estabilidade de sistema não menos relevantes, que podem atingir o próprio segmento do armazenamento.

Nessa medida, não é expectável que a imposição de “windfall profit taxes” tenha qualquer efeito positivo na escala e fluxo da oferta, antevendo-se, ao invés, que o resultado seja precisamente o oposto, com expressões mais ou menos acentuadas consoante o perfil de um tributo desta natureza.

IV. Os “windfall profit taxes” não alteram significativamente a elasticidade-preço da procura de gás natural

Em quarto e último lugar, justifica-se aludir novamente ao facto de estar em causa uma procura com valores de elasticidade-preço muito reduzido, tanto em relação ao gás natural como à eletricidade.

Ora, até ao momento, não existe evidência empírica suficientemente clara em relação aos efeitos dos “windfall profit taxes” na elasticidade-preço da procura de gás natural, nomeadamente no que concerne ao mercado dos fatores, onde se expressa a sua relevância para a produção elétrica.

Na realidade, o comportamento da procura por gás natural está diretamente relacionado, de entre outros, com as necessidades de produção/consumo e com o próprio preço de mercado, variável que seria afetada com a imposição de uma modalidade de tributação deste género.

Nesse sentido, pese embora não seja a solução ideal, a imposição de preços máximos no mercado dos fatores é, ainda assim, mais objetiva e eficaz – para além de evitar um ónus acrescido ao Estado, na “reciclagem” que lhe seria exigível face à receita fiscal dos “windfall profit taxes” em benefícios dos consumidores finais.

Conclusões

Face ao conjunto de argumentos expostos, torna-se fácil concluir que não atribuímos qualquer vantagem digna de realce à criação de qualquer modalidade de “windfall profit tax”, em especial no atual contexto de incerteza, em especial no que concerne aos mercados de gás natural.

Pelo contrário, o atual contexto de instabilidade nos mercados de fatores e produtos e a consequente alteração de portfólios por parte dos Estados, recomenda uma particular prudência ao nível das respetivas opções de política fiscal.

Nunca, como porventura no momento atual, se justificou uma atenção tão cuidada aos efeitos que a tentação do legislador fiscal poderá ter para o bem-estar dos consumidores – que é, em última instância, a disponibilidade de um recurso escasso em condições de segurança no acesso, no abastecimento e, em última instância, no consumo.

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e counsel na Vieira de Almeida

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