A casa de Fernando Medina
O maior aliado contra a podridão e os maledicentes é a transparência. E esta deve ser uma bandeira em todos os minutos da vida de um político. Que ninguém tenha dúvidas ou se esqueça disso.
Ninguém é obrigado a estar na política. Quem escolhe essa via é porque gosta e entende que o seu trabalho pode servir a comunidade, ou então, sejamos realistas, é porque não encontrou melhor caminho para levar a sua vida para diante. Agora, quem por ali anda, tem dois deveres essenciais: rigor e transparência. Nenhum político pode esquecer que qualquer cidadão por uma desatenção, uma vírgula ou mesmo por momentâneas dificuldades passa por uma autêntica via-sacra se não cumpre os seus deveres com o fisco e a segurança social.
Ao comum dos mortais não cabe tratamento de marajás, nem as cumplicidades da máquina do Estado sempre tão servil dos mais poderosos. Por isso mesmo, não pode nenhum político achar-se acima da lei. Tem de a cumprir ao milímetro para que não caia no lodaçal da suspeição infundada e que dá azo a uma razia reputacional da sua imagem e o alargamento da mesma à classe política, já tão degradada, onde inúmeras vezes se misturam os justos e os pecadores.
Esta semana o que marcou a actualidade foi uma pretensa ilegalidade, pela ausência de uma declaração no Tribunal Constitucional, do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, na compra de uma casa. Não ponho em causa a sua honorabilidade, nem tenho dados para isso, mas estamos em campanha eleitoral e é o tempo em que se procuram todas as possíveis notícias negativas para posteriores ganhos de outrem nas urnas. É normal mas não é bonito.
A comunicação social fez o seu trabalho, e bem, aliás, tenho pena que só se lembrem dos assuntos das cidades em época de votos. Porque sou do tempo em que havia vasta informação local, com bons jornalistas, e é tempo dos media voltarem a oferecer o que interessa às pessoas. Passado o parêntesis, registo com agrado que Medina respondeu com transparência às dúvidas adjacentes, libertou troca de mails com a imobiliária envolvida, cedeu documentos da compra, esclareceu a imprensa que destapou o problema e tentou justificar as dúvidas que pudessem subsistir. Tem direito à defesa da sua honra e só ganha junto dos lisboetas com a transparência e com o processo limpo e cristalino se não restarem quaisquer incertezas.
Nenhuma pessoa gosta de ver, qualquer que seja o partido, políticos envolvidos em escândalos. A Justiça deve apurar os factos com independência e exactidão. Não deve olhar a nomes nem fichas partidárias e muito menos cair no justicialismo que marca as redes sociais onde qualquer destempero se torna viral. Não precisamos de paladinos populares nem de juízos de ódio ou preconceitos. Todos os temas merecem racionalidade, tolerância, na análise e posterior decisão.
Sempre que vejo surgirem as trompas do escândalo na classe política lembro-me de um conto do “Pânico no Scala” do Dino Buzzati. Ali, um rei achava muito estranho o cântico dos seus soldados a caminho da batalha. Perguntava ao seu conselheiro qual o motivo da canção ser tão triste, pois havia hinos de guerra tão belos. “É a canção deles”, respondia o conselheiro poupando na discrição das palavras. Sempre que havia mais uma batalha as ruas iam ficando desertas e até a população entoava a mesma balada melancólica. O rei continuava sem compreender que os soldados só entoavam a canção que os conduzia para a morte.
E cada história de ilegalidade ou corrupção é uma pedra tumular na classe política. Medina, que tem a eleição praticamente no bolso, devia ser cuidadoso porque quem escolhe o seu caminho é largamente escrutinado em todos os domínios. O maior aliado contra a podridão e os maledicentes é a transparência. E esta deve ser uma bandeira em todos os minutos da vida de um político. Que ninguém tenha dúvidas ou se esqueça disso.
O autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.
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