A China assustou a inteligência em Wall Street

Não foi preciso 'seek' fundo para encontrar um calcanhar de Aquiles em Wall Street em 2025. Foi a simples constatação de que os EUA podem não vencer todas as batalhas na guerra 'tech'.

Foi precisamente uma semana após a tomada de posse em que o novo presidente dos EUA colocou CEO de gigantes ‘tech’ na linha da frente da cerimónia. Foram meros seis dias depois do pomposo (vejam só o nome, Stargate…) anúncio por Donald Trump de um investimento de até 500 mil milhões de dólares em inteligência artificial (IA), com direito a ciumeira deliciosa do first buddy Elon Musk.

A segunda semana da nova administração na Casa Branca começou com fortes quedas em Wall Street, com foco no índice tecnológico Nasdaq, que desceu 3,07%. A toda poderosa fabricante de chips Nvidia, uma das ‘7 magníficas’ tecnológicas americanas (mais um termo pomposo), perdeu 17%, ou 589 mil milhões de dólares, a maior desvalorização, em termos absolutos, de sempre de um título nas praças do país.

De onde veio este repentino murro no estômago do touro que levantou Wall Street para recordes no ano passado, alimentado pela febre da IA? Da China, na forma de um ratinho desconhecido chamado DeepSeek, um aplicativo de IA do género ChatGPT criado em 2023 com menos de seis milhões de euros e um uso super-eficiente de chips da… Nvidia. Lançado na App Store a 10 de janeiro, este assistente de AI subiu rapidamente nos rankings, tornando-se esta segunda-feira na aplicação gratuita mais descarregada nessa plataforma, ultrapassando o ChatGPT.

Não se sabe quanto crescerá o DeepSeek, se alguma vez irá sequer ameaçar soluções como o ChatGPT ou o Copilot. A ameaça é, por ora, simbólica, mas isso não a torna menos importante, antes pelo contrário, por várias razões.

Em primeiro lugar, a chegada do aplicativo chinês ao topo do ranking da App Store derrubou a noção de primazia dos EUA na IA. Nas guerras tecnológicas pós-guerra fria, os EUA têm demonstrado alguma soberba, convencidos de que a combinação de criatividade, inovação, marketing e capacidade de produzir em vários pontos do globo resulta em hegemonia. Mas não resultou. Foram igualados ou até suplantados pelo Japão, e depois pela China. Não sabemos para onde vai a IA chinesa, mas há um par de décadas não sabíamos para onde ia a Huawei e de repente era uma ameaça séria e global com direito a pressões americanas a aliados como Portugal. Também não sabemos para onde vão os carros elétricos chineses, mas que estão a fazer caminho, estão, especialmente numa altura em que os americanos querem sair dessa importante estrada.

Segundo, uma guerra geopolítica tecnológica tem a ver com software, mas também com componentes. Os EUA, sob Biden, tentaram controlar as exportações de chips avançados necessários para desenvolver a IA. A informação, ainda não confirmada, que o DeepSeek usou produtos menos avançados, ou seja, chips que não estavam proibidos de serem exportados dos EUA, pode ser ainda mais importante, de forma dupla — dá opções aos concorrentes e reduz a importância de empresas como a Nvidia (daí a queda forte das ações).

Em terceiro, as correções em Wall Street não surpreendem. Há meses que as avaliações das ações estão ‘esticadas’, em rácios recorde de cotações face a resultados. Os ganhos têm estado muito concentrados nessas magnificas sete e algumas associadas, o que quer dizer que os riscos negativos também têm de estar.

Os analistas dizem que as subidas nas bolsas americanas deverão continuar, mas pontuadas com períodos em que a imprevisibilidade de Trump ou algum acontecimento negativo inesperado crie volatilidade.

Tão específico, repentino e simbólico, o DeepSeek foi claramente o primeiro.

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