
A Cinderela da IFRS 17
Nuno Oliveira Matos em elogio à Contabilidade Analítica e a recomendar que se aproveite, sem atalhos, as explicações que o reporte segundo as normas IFRS 17 traz às seguradoras.
Durante demasiado tempo, a contabilidade analítica foi a Cinderela das finanças nas empresas de seguros; ignorada, secundarizada, por vezes até menosprezada. Mas como na história, também aqui o tempo da metamorfose chegou. E a carruagem é a IFRS 17.
Se a contabilidade geral nos diz “quanto” ganhamos ou gastamos, a contabilidade analítica revela “com quê”, “com quem”, “porquê”, “onde” e “para quê”. Essa granularidade deixou de ser um luxo intelectual; tornou-se uma exigência regulatória, uma ferramenta de gestão e uma vantagem competitiva.
A IFRS 17 não se limita a mudar a forma como as empresas de seguros reconhecem proveitos e custos; a norma exige uma nova disciplina. Uma das exigências mais subtis, mas com implicações vastas, é a granularidade da separação dos proveitos e custos técnicos e não técnicos, desde logo impondo a identificação entre custos diretamente atribuíveis aos grupos de contratos e outros custos operacionais. Esta divisão obriga as empresas de seguros a olhar para os seus números com outros olhos. E, aqui, entramos no território da contabilidade analítica, ou da sua ausência.
Investir na contabilidade analítica não é só cumprir a IFRS 17. É permitir à administração ver onde se ganha dinheiro e onde se perde, com um nível de detalhe que permite agir e não apenas reagir
A pergunta é simples, mas desconcertante: que custos são, de facto, diretamente atribuíveis a um grupo de contratos? Comissão de intermediação? Claro. Gastos com IT? Depende. Custos com a função atuarial? Talvez. Serviços partilhados? Só com um modelo robusto.
Responder com rigor exige sistemas de custeio refinados, modelos de alocação bem desenhados e, acima de tudo, uma cultura financeira que valorize o detalhe e o nexo causal.
Mas há mais. Quando a alocação dos custos se torna mais precisa, os resultados por grupo de contratos também o são. Isso tem consequências práticas: segmentação comercial, renegociação com os canais, análise de rentabilidade por produto, decisões de pricing, e, em última instância, estratégia de subscrição.
Algumas empresas de seguros tentam “sobreviver” à IFRS 17 com atalhos. Aplicam alocações simplistas, com chaves de repartição genéricas ou regras fixas que não refletem a realidade operacional nem a económica. Fazem-no por falta de meios, de tempo ou de visão. Mas o preço é alto: números que parecem certos, mas contam uma história errada.
A IFRS 17 não é apenas uma norma contabilística, é um convite à transparência económica. E isso só se atinge com uma contabilidade analítica madura, integrada e estratégica.
Investir na contabilidade analítica não é só cumprir a IFRS 17. É preparar a empresa para gerir melhor. É dar às direções técnicas e comerciais instrumentos para agir com base em dados reais. É permitir à administração ver onde se ganha dinheiro e onde se perde, com um nível de detalhe que permite agir e não apenas reagir. É transformar a função financeira de uma função de relato para uma função de decisão.
A verdade é esta: não se pode implementar a IFRS 17 a sério sem contabilidade analítica. Pode-se cumprir o mínimo, sim. Mas não se pode extrair o valor completo da norma. E quem não o fizer ficará para trás na rentabilidade, na agilidade e, no limite, na solvência.
É tempo de tirar a contabilidade analítica da cave e de lhe dar o lugar que merece, no centro da gestão. Porque numa altura em que se exige mais das empresas de seguros, ignorar esta dimensão é um luxo que o setor já não pode pagar.
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