
A cultura da concorrência
O tribunal europeu de justiça considerou que a troca de informação relevante entre bancos é um obstáculo à concorrência. Mais importante, o pais já tem uma cultura de concorrência?
A Autoridade da Concorrência condenou um conjunto de bancos a operar em Portugal ao pagamento de coimas no valor global de 225 milhões de euros por prática concertada de troca de informação comercial sensível, como os ‘spreads’ de crédito à habitação, durante um período de mais de dez anos, entre 2002 e 2013. Passados mais de dez anos, e recursos judiciais, o tribunal europeu de justiça vem confirmar a existência de uma “restrição à concorrência”. A efetivação de uma coima histórica está, por isso, mais perto, mas há outras ilações a tirar deste processo.
Em bom rigor, é preciso esclarecer que este processo ficou conhecido como o ‘cartel da banca’, mas não é exatamente isso que está, juridicamente, em causa. O tribunal de Santarém, onde vão parar os processos da Concorrência, deu como provada em 2022 a troca de informação sensível. A juíza considerou, aliás, “impressivos” os e–mails que os funcionários dos bancos partilharam entre si, num quadro de reciprocidade e com o conhecimento da hierarquia superior. E destruiu a tese de que era informação pública e disponível… E se fosse, afinal, para que haveria troca de informação entre bancos?
No entanto, a juíza abriu uma porta favorável aos bancos: O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão deu como provado que as instituições financeiras trocaram informação sensível sobre as condições comerciais do crédito, mas tem dúvidas se infringiram as regras da concorrência por não ter ficado provado que essa prática teve impacto nos clientes. Isto é, houve troca de informação, mas era necessário provar que os clientes bancários pagaram mais ou ganharam menos na sequência destas práticas. Foi isso que levou o tribunal a pedir esclarecimentos jurídicos ao tribunal europeu.
O tribunal europeu vem considerar que, nestes casos (o tribunal não se pronuncia sobre o caso em concreto), há restrições à concorrência e devolve o processo para decisão e Santarém, e presumivelmente para ser discutido nos próximos anos em instâncias superiores.
O que fica? Qualquer que venha a ser a decisão final — nestas coisas, o tempo anestesia e é provável um qualquer acordo ou decisão judicial que proteja os bancos daquelas multas históricas, a maior das quais, aliás, a aplicar à CGD –, há uma conclusão óbvia: Não existia uma verdadeira cultura da concorrência em Portugal, e não era só na banca. Há quanto tempo se discutem as barreiras à entrada de todo o tipo de negócio? Veja-se o caso das ordens profissionais (leia-se corporações).
Vamos lá ver: Quando há quadros superiores e gestores bancários a considerarem uma norma prática a troca de informação com a concorrência direta, informação comercial sensível, não pode existir um normal funcionamento do mercado, da incerteza, da competição, logo de boa afetação de recursos, de competitividade. Só pode haver menos concorrência. Hoje, com tudo o que se sabe, e se consideram que não houve qualquer crime, voltariam a trocar aquele tipo de informação? Pois, aí está a resposta…
Os factos remontam a 2002 a 2013, mas a pergunta que nos assalta é se a cultura de concorrência passou a existir no país, na banca, e em todos os setores?
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