A economia portuguesa aguenta salários mais altos?

A economia portuguesa pode suportar os aumentos propostos pelo Governo. No entanto, este aumento tem de ter em conta contexto económico.

Depois do aumento de 95 euros (18%) do salário mínimo na ultima legislatura, o Governo quer ir mais além e aumentar em 150 euros (25%) nos próximos quatro anos, começando já com 35 euros em 2020. Para além disso, quer ainda garantir junto das associações patronais, aumentos dos salários médios, acima da produtividade e inflação. A economia aguenta estes aumentos ou o Governo está apenas a tentar distribuir o que não se produz?

O Governo faz bem em querer aumentar os salários (mais os salários médios do que o mínimo) já que para além de serem baixos, os trabalhadores pagaram de facto uma grande parte dos custos do ajustamento da economia portuguesa. No entanto, faz mal quando assume este compromisso para um prazo alargado de tempo e quando não o complementa com uma redução de impostos sobre o trabalho e com medidas de apoio ao investimento.

A conjuntura económica pode não permitir que as empresas consigam acomodar estes aumentos, e caso estes não sejam acompanhados de medidas que aumentem o crescimento no longo prazo não serão sustentáveis e levarão, mais tarde ou mais cedo a (ainda) menos crescimento e mais desemprego.

O salário mínimo, e os salários em geral, são baixos em Portugal e pouco subiram nas ultimas décadas. Isso reflete-se em todas as estatísticas que colocam Portugal como um dos países da EU com menor poder de compra e nível de vida. É de facto, como tem apontado o Governo, fruto da contenção salarial e do longo período de ajustamento da economia portuguesa, que começou bem antes do programa da troika, o peso dos salários na riqueza produzida tem vindo a diminuir em Portugal, e está já abaixo da média europeia.

No entanto, não são só os salários que são baixos em Portugal. Também a riqueza produzida é das mais baixas da Europa. Os baixos salários e o seu fraco crescimento refletem a realidade de que Portugal é um país pobre e que pouco tem crescido.

Nos gráficos 2 e 3 estão comparados os níveis do salário mínimo e médio, de Portugal e dos outros países da União Europeia, com os respetivo PIB per capita (riqueza). A primeira conclusão é que Portugal acaba por estar numa situação de relativo equilíbrio, ainda que o seja mais no caso do salário mínimo, já que o salário médio está atualmente ligeiramente abaixo do que seria o “normal” para o nível de riqueza nacional.

Ou seja, de facto, para ter salários mais altos teria de ser mais rico. Ou é o contrário como dizem alguns? É aumentando salários que a economia melhora? Olhando para o que aconteceu nos últimos 4 anos, parece que a resposta é positiva. No entanto, é pouco discutível que não é assim. Os salários são o custo de um dos fatores de produção (trabalho) pelo que aumentos acima da produtividade durante muito tempo, como Portugal teve até perto de 2010, levam mais tarde ou mais cedo a menos competitividade externa, menor crescimento e, em ultima análise a menos emprego.

Nos últimos quatro anos de facto foi possível aumentar salários, e principalmente, o salário mínimo, sem que esse aumento se tenha refletido num decréscimo ou até menor crescimento do emprego e dos salários. Entre 2015 e 2019, foram criados 380 mil postos de trabalho, a taxa de desemprego desceu de 12.2% para 6.6% e os salários médios subiram 9%.

Ao mesmo tempo, este aumento de custos não prejudicou a competitividade da economia, já que cresceu acima da media europeia e o peso das exportações no PIB subiu para 44%, o nível mais alto de sempre. Milagre? Ou uma conjugação de fatores dificilmente repetíveis nos próximos 4 anos? Parece mais a segunda hipótese:

  1. O salário mínimo tinha já estado quatro anos congelado (entre 2011 e 2015) e estava até abaixo do nível “de equilíbrio” (como é também visível no gráfico acima).
  2. O nível de desemprego estava anormalmente alto e a economia estava no início de uma expansão pelo que as empresas tinham grande necessidade de mão de obra (principalmente as mais viradas para o mercado interno).
  3. A procura externa cresceu a um ritmo anormalmente elevado, principalmente por via do turismo, o que fez com que a menor competitividade não tenha correspondido a menos exportações.
  4. Um dos sectores com maior percentagem de trabalhadores com o salário mínimo, a restauração, beneficiou de um bónus generoso do governo: a descida do IVA, que na prática não foi transmitida aos consumidores e deu assim uma margem para acomodar os aumentos de salários.

Portanto, e já que nenhum dos fatores referidos acima se irá repetir nos próximos 4 anos, com uma conjuntura económica mais desafiante e o desemprego a dar sinais de já não baixar muito mais dos níveis atuais, porquê apostar em aumentar mais os salários? Existem principalmente argumentos de médio e longo prazo que justificam aumentos salariais mesmo acima da produtividade e inflação – no entanto apenas durante algum tempo e enquanto a economia não desacelerar sustentadamente.

Em linha com a teoria económica, o preço de um bem deve ser igual a sua utilidade marginal. No caso do mercado de trabalho, isso significa que no longo prazo, a evolução dos salários (preço), deve ser igual à evolução da sua produtividade (utilidade marginal). Ora desde 2000 e até 2018, os salários cresceram 41% em termos nominais e apenas pouco mais de 2% em termos reais, já que a inflação somou 39% neste período.

Já a produtividade real do trabalho subiu perto de 10% no mesmo período, acima dos salários. A produtividade total cresceu menos, apenas 5%, já que a produtividade do capital decresceu 5% no mesmo período – ou seja, a culpa da menor produtividade desde a entrada de Portugal na união monetária não é do trabalho, mas sim do capital.

Portanto, tendo em conta que os salários praticamente estagnaram em termos reais desde 2000, e que a produtividade aumentou, existe claramente espaço para aumentos salariais. E este argumento é ainda mais evidente quando se compara a competitividade da economia portuguesa com a da área do euro medida pela evolução dos custos unitários do trabalho, em termos nominais. Desde 2006 que Portugal recuperou substancialmente competitividade face à média da área da moeda única. Entre 2000 e 2006, Portugal perdeu mais de oito pontos (ou seja, os salários evoluíram acima da produtividade). Essa diferença não só desapareceu como se inverteu, e Portugal registou em 2016, um diferencial positivo em quase seis pontos (ficou mais competitivo). Em 2018, a diferença ainda era positiva, mas já praticamente metade do que era em 2016.

Esta deterioração mais recente comprova não só que o bom comportamento das exportações portuguesas ocorreu apesar da perda de competitividade da economia mas também lança um alerta: como vimos com o que ocorreu antes da crise, os salários podem subir mas há um limite, Portugal pode manter esta tendência mas há custos mais tarde ou mais cedo.

Há ainda outra hipótese para aumentar o rendimento das famílias oriundo do trabalho e que passa diretamente pelo Estado: reduzir os impostos sobre o trabalho. Em bom rigor até seria o mais justo já que se o governo declara a intenção de melhorar os rendimentos poderia começar por fazer tudo o que esta ao seu alcance sem desequilibrar o mercado de trabalho. E como se vê pelo gráfico em cima, vemos que o peso dos impostos nos salários brutos (tax wedge) está perto da média da União Europeia, mas os custos salariais estão bem mais abaixo da mesma média. Ou seja, Portugal está no clube dos mais pobres mas tem impostos perto da média.

Portanto, para garantir melhores salários (líquidos), o Governo poderia começar por fazer o seu papel e baixar impostos – no entanto, com um dos rácios de divida publica mais altos do mundo, Portugal tem muito pouca margem para o fazer.

Conclusão

Para aumentar salários, mais do decretar aumentos do salário mínimo sem acordo com as empresas ou tentar impor aumentos na negociação coletiva, Portugal precisa de crescer (parece um lugar comum, mas por vezes não parece assim tão óbvio).

É certo que com melhores salários melhoram os rendimentos das famílias e diminui a pobreza, mas para uma economia como a nossa, pequena, aberta e que faz parte da união monetária, a causalidade é clara – é o crescimento que gera melhores salários e não o contrario.

Ainda assim, a economia portuguesa pode suportar os aumentos propostos pelo Governo. Portugal pode e deve querer melhores salários e depois de quase 10 anos de ajustamento, existe margem económica suficiente para melhorar os rendimentos dos trabalhadores. No entanto, este aumento tem de ter em conta contexto económico.

Se subir o salário mínimo para 750 euros, Portugal tenta ir para o grupo de países mais ricos mas sem ter uma economia do mesmo nível. E o mesmo em relação à intenção do Governo, anunciada na semana passada na concertação social, para os salários médios. Não adianta tentar convencer a concertação social a aumentar salários nos acordos coletivos acima da inflação e da produtividade. Como se viu nos últimos 20 anos, os salários podem aumentar, até acima da produtividade, mas estes aumentos só serão sustentáveis a prazo se a economia crescer.

Aumentar os salários pode ser muito apelativo, agora que o Governo não (parece) ter muito mais para apresentar, mas não resolve nada no longo prazo. Tal como escrevi há algumas semanas, Portugal devia ter três prioridades para crescer: Investimento, investimento e investimento! Só assim terá condições para passar para o clube dos ricos na União Europeia e, conseguir garantir estruturalmente melhores salários.

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