A ética e a regulação na tecnologia

As indústrias não precisam de ser éticas, mas precisam de ser reguladas. E a tecnologia não pode estar isenta de escrutínio social nem do controlo legislativo.

Enquanto civilização, tomamos decisões que impactam o nosso presente e futuro. Fazemo-lo para manter uma lógica humanista na evolução, mas estamos em risco de abdicar desse direito e oferecê-lo a quem manda nos gigantes tecnológicos. E isso deve-se à ignorância, à burocracia e ao medo de mexer nas leis do mercado.

É difícil pensar em algo menos ético – ou mais amoral – que a indústria do armamento, mas decidimos aceitar a sua existência, com limites: a criação de armas químicas ou o comércio de armas nucleares. É isto que tem de ser feito, à escala global, com as indústrias tecnológicas. Se não permitimos que se vendam armas a regimes déspotas que chacinam os seus cidadãos, porque é que havemos de tolerar que a Google colabore com o governo chinês para censurar e controlar toda a sua população? Se subordinamos a manipulação genética a princípios éticos, porque é que não fazemos o mesmo aos algoritmos que já hoje mexem com a vida e a morte de milhões de seres humanos?

É difícil compreender esta liberdade dada a uma indústria que demonstra repetidamente não ter qualquer consideração pela humanidade a não ser a insistência em espalhar os seus produtos pelo planeta todo, atropelando princípios básicos da dignidade para o fazer. Há questões éticas que precisam de ser ponderadas antes de se concretizarem.

Estes problemas não são suficientemente discutidos nem compreendidos por quem tem de legislar sobre eles. O desfasamento tecnológico das gerações políticas no ativo tem um preço caro, que é o de dar autonomia total a indústrias motivadas apenas pelo lucro dos seus acionistas. E a velocidade com que a tecnologia está a progredir só agudiza o problema. Para mais, com o mundo nas mãos de Silicon Valley, é certo que não ficaremos melhor servidos. A lógica proto-monopolista do capitalismo americano deu mau resultado com a indústria financeira há dez anos e está a caminhar para o mesmo com a liberdade absoluta concedida a quem trabalha em tecnologia.

Não é por acaso que se diz que os dados são o novo petróleo – a analogia não é lisonjeira para a indústria tecnológica. Foi precisamente por se ter dado completa liberdade à gananciosa indústria petrolífera que hoje o planeta está como está. Devemos olhar para o escândalo do Facebook/Cambridge Analytica como as primeiras catástrofes naturais provocadas pelo derramamento de combustível na natureza. E temos de perceber que, como a informação é o novo petróleo, a democracia fica posta em causa da mesma forma que o clima hoje está arruinado pela nossa incapacidade em limitar a poluição.

Um bom princípio seria conseguir que a indústria tecnológica adotasse a mesma lógica de base da medicina: “Não fazer o mal”. Já era um avanço tremendo face ao que existe hoje, que é nada. Ao mesmo tempo, seria bom pensar em novas instituições capazes de responder aos desafios que se colocam, porque as que temos limitam-se ao silêncio.

Ler mais: Douglas Rushkoff é dos pensadores mais proeminentes no que toca ao impacto da tecnologia. No seu livro — Throwing Rocks at the Google Bus — analisa como o fundamentalismo do crescimento se tornou o inimigo da prosperidade, ajudando a explicar porque vivemos num período de crescimento económico que não é sentido pela larga maioria da população. O mesmo autor vai lançar em janeiro um novo livro, chamado Team Human, onde defende que as tecnologias e instituições do século XXI contêm uma agenda contra a humanidade e que é necessário combatê-las.

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