A fiscalidade volúvel

O que verdadeiramente preocupa quem quer investir em Portugal, na área fiscal, é a burocracia, a lentidão da justiça tributária e sobretudo a enorme instabilidade fiscal.

Quando se olha para os inquéritos e surveys internacionais sobre a competitividade de Portugal, o que surge como mais importante? Portugal tem uma posição competitiva baixa face à maioria dos países Europeus. As principais críticas dos investidores estrangeiros são a burocracia, o sistema judicial, a baixa qualificação de parte da nossa mão-de-obra (embora nesse índice temos também mão-de-obra jovem muito qualificada) e o sistema fiscal.

Relativamente ao sistema fiscal, de que se queixam os investidores? Antes de mais, não são particularmente sensíveis às taxas de tributação, embora o aumento dos últimos anos na taxa de IRC (até à descida iniciada em 2014) tenha começado a ter alguma importância.

O que verdadeiramente preocupa quem quer investir em Portugal, na área fiscal, é a burocracia (apesar da qualidade do portal das finanças), que gera custos de contexto, a lentidão da justiça tributária, que torna a relação com a Autoridade Tributária morosa e difícil, e sobretudo a enorme instabilidade fiscal, que gera insegurança e impede um planeamento fiscal de médio prazo em qualquer investimento ou decisão.

Mas em que consiste a instabilidade fiscal? Num estudo que coordenei no ISEG fomos analisar quantas alterações tinham ocorrido, entre 1989 e 2014 (26 anos), nos principais impostos: IRS, IRC, IVA, IMI (antes Autárquica), IMT (antes Sisa), Imposto de Selo e Estatuto dos benefícios fiscais. E nestes 26 anos, houve 492 alterações às leis fiscais, o que perfaz uma média de 19 alterações por ano (praticamente uma alteração a cada 3 semanas, embora a cadencia não seja, naturalmente, regular). Estas 492 alterações produziram alterações em 3.178 artigos.

O imposto mais alterado foi o IVA, com um total de 124 alterações (643 alterações artigos), seguido do IRS, com um total de 114 alterações (965 alterações de artigos) e o IRC com um total de 102 alterações (728 alterações de artigos).

Os impostos sobre o património (IMI, IMT; Selo, Autárquica e Sisa) são mais estáveis: 66 alterações. O Estatuto dos Benefícios fiscais teve 86 alterações. Quem quiser ter mais informações sobre estes números pode consultar dois artigos relativos a este estudo, em: http://julgar.pt/author/joaquim-miranda-sarmento.

O que conduz esta instabilidade fiscal. Num terceiro artigo, ainda a aguardar publicação, usando alguns testes econométricos, foi possível constatar algumas tendências. Anos de eleições legislativas geram menos alterações, dado que a mudança de governo (mesmo que dentro da mesma maioria politica) gera sempre alguma entropia nas decisões. Mas anos a seguir a eleições legislativas geram um aumento de alterações fiscais. Isso significa que quem chega quer, muitas vezes, mudar o que está para trás, impondo novas vontades.

Não deixa de ser democraticamente legítimo, mas tem custos, que abordaremos a seguir. Por outro lado, governos de maioria absoluta tendem a mudar mais a legislação fiscal, mas curiosamente, governos de coligação também (provavelmente por terem de negociar mais).

Olhando para a estrutura de cada imposto, e analisando o IRS, IRC e IVA, verificamos que parte significativa das alterações ocorrem na incidência e no apuramento da matéria coletável. Para quem está menos familiarizado com estes jargões, trata-se do esqueleto de qualquer imposto, no qual recaem os seus princípios fundamentais, e que, por regra, só são alterados com uma aprovação do Parlamento. Isto significa que as mudanças não são, muitas vezes, apenas pequenos ajustes ou atualizações de taxas.

Estamos, de forma repetida, perante alterações significativas, e em alguns casos, diria mesmo estruturais, dos impostos, com uma frequência elevada. E apenas uma pequena parte resulta de diretivas comunitárias, que tenham de ser transpostas para a lei nacional. Veja-se que neste momento, o reporte de prejuízos das empresas tem 4 regimes diferentes quanto ao prazo de reporte.

Nas atualizações de taxas, veja-se por exemplo, no IRS a atualização anual dos escalões: Em 26 anos, os artigos das taxas de IRS foram alterados 49 vezes! Consequências de tudo isto? Uma desconfiança dos investidores face ao quadro legal fiscal, o que naturalmente afasta muitos projetos de serem realizados em Portugal.

Em poucas áreas é tão fundamental haver estabilidade como no sistema fiscal. Aqui de facto, era necessário um pacto de regime, de forma a definirmos um quadro fiscal estável por 10 anos a quem quisesse investir em Portugal.

Um contrato entre o Estado e o investidor, com regras muito bem definidas, e com penalizações para ambos os lados pelo seu incumprimento. Isto é, um investidor ter estabilidade na tributação da sua sociedade, na sua própria tributação enquanto acionista (seja ou não residente em Portugal) e na tributação dos ganhos de capital. Isso, acompanhado por uma redução moderada na tributação das empresas e dos investidores e uma forte desburocratização da máquina fiscal seria um fator de extraordinária importância para a competitividade do país e para a atração do IDE.

Ao contrário do que se julga, não será uma fiscalidade agressiva de baixa ou nula tributação que trará investimento produtivo. Mas se a fiscalidade não é a principal alavanca de atração de investimento, pelo menos não a transformemos numa das principais barreiras.

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