A nova agenda concorrencial da UE
A disputa por trabalhadores é agora erigida em fator competitivo e o bem-estar do consumidor é abandonado em favor do bem-estar dos trabalhadores enquanto parâmetro analítico.
Acertados que parecem estar os nomes para liderar os principais órgãos da UE, segue-se a luta pelos nomes e pastas dos Comissários Europeus. O pelouro da Concorrência sempre foi considerado um primus inter pares. Desta vez, no entanto, l’esprit du temps indica que as mãos do próximo Comissário da Concorrência estarão algo manietadas.
A proibição da fusão entre a Siemens e a Alstom em 2019 pela Comissária Vestager indispôs seriamente aqueles que em França e na Alemanha advogam a tese dos “campeões europeus”, dando gás aos partidários do regresso a uma política industrial desenhada a regra e esquadro pelos poderes públicos. Estas teses exigem o abandono da premissa do equilíbrio do mercado como resultado da mera disputa concorrencial entre as empresas e menorizam a supervisão dos grandes conglomerados empresariais em nome do consumidor. Justificação: a China e, no pós-Covid, também os EUA fazem chover subsídios sobre as suas empresas, logo os europeus não podem ser os totós da globalização.
Na próxima Comissão o pelouro da Concorrência vai, pois, perder algo da sua proeminência e será previsivelmente secundarizado face ao da estratégia industrial no plano intraeuropeu e ao do comércio internacional no plano global.
Seguirá seguramente o combate contra as grandes plataformas em linha com recurso às novas ferramentas de regulação ex ante previstos no Digital Markets Act. Mas é expectável uma suavização na aplicação das regras do controlo de concentração de empresas (para contentamento dos grandes grupos europeus de aviação, por exemplo) e uma refrigeração, senão mesmo um congelamento, das regras sobre auxílios de Estado (encorajando saneamentos financeiros como aquele de que beneficiou a CP em Portugal).
Que sobra então para a nova agenda concorrencial da UE?
No plano global, assistiremos ao acentuar da concorrência entre blocos económicos (mais do que entre empresas) e à aplicação dos instrumentos com que finalmente a UE se equipou para enfrentar a concorrência desleal dos subsídios públicos (o Foreign Subsidy Regulation) e as ameaças à segurança (o Foreign Direct Investment Regulation) provindas de fora da UE, em combinação com instrumentos mais tradicionais como os direitos antidumping que ainda muito recentemente foram aplicados aos automóveis elétricos produzidos na China. A sombra do protecionismo é quase palpável.
No plano intraeuropeu, ganham visibilidade novas bandeiras. Desde logo, o “Pacto Verde” que neste momento, aliás, se prefigura como condição fundamental para a designação de von der Leyen pelo Parlamento Europeu como Presidente da Comissão. A Autoridade da Concorrência portuguesa, por exemplo, colocou recentemente em consulta pública um “Guia de Boas Práticas sobre Acordos de Sustentabilidade”.
Tema recente é também o dos “mercados” laborais, área com a qual as autoridades da concorrência europeias nunca se haviam preocupado substancialmente. A disputa por trabalhadores é agora erigida em fator competitivo e o bem-estar do consumidor é abandonado em favor do bem-estar dos trabalhadores enquanto parâmetro analítico. Esta mutação fornece uma poderosa bandeira política e acompanha a visão daqueles que pugnam pela inclusão de objetivos de índole social na política da concorrência, por vezes considerada demasiado economicista.
O que ainda falta saber – por algumas semanas – é quem emergirá para dar a cara por esta nova agenda.
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