A ofensiva da ‘alt-right’ contra George Soros
Não é surpreendente que a extrema-direita esteja a mobilizar-se contra George Soros, a maior ameaça ao seu domínio global.
Quando confrontado com a hipótese de ter fugido ao Fisco, Donald Trump afirmou: “Claro que sim, tal como Warren Buffett, tal como George Soros e tal como muitas outras pessoas das quais Hillary está a receber dinheiro.”
O ZeroHedge, um site influente de análise financeira, alega que George Soros “criou sozinho a crise de refugiados da Europa”; o jornaleco xenofóbico Breitbart afirma que o financiamento por parte de Soros da Black Lives Matter fazia parte de um programa para influenciar as eleições presidenciais dos Estados Unidos; e o excêntrico favorito de Donald Trump, Alex Jones, afirma que “Soros está por detrás da ocupação islâmica do Ocidente”.
Em agosto, hackers que se crê estarem ligados ao Governo russo apropriaram-se de milhares de documentos dos servidores da fundação de Soros e publicaram-nos on-line, colocando em risco muitos dos indivíduos corajosos que a fundação financia.
Numa altura em que o mundo gira no sentido da direita dura, surge um homem como imagem do ódio para os nacionalistas renascidos no mundo inteiro: Soros tornou-se no principal alvo da alt-right – uma figura central para teorias da conspiração insensatas – porque os nacionalistas querem a todo o custo destruir a ideia de que os valores democráticos ou liberais podem ser promovidos ou incentivados.
Não era suposto ser assim. Estava previsto que a queda do Muro de Berlim, que celebra este mês 27 anos, anunciasse uma nova era de liberdade no mundo.
Após a queda, Soros aplicou o seu dinheiro investindo na liberdade. Alguns anos após o declínio do comunismo, prometera um bilião de dólares para reconstruir a sociedade civil. Concedeu um subsídio inédito de 250 milhões de dólares para transformar o modo de ensino das humanidades liberais na Rússia (os manuais comunistas tiveram de ser reescritos do zero para explicar o funcionamento da democracia) e outros 250 milhões de dólares para construir uma nova universidade em Budapeste. Deu pessoalmente 50 milhões de dólares em prol da Bósnia e 100 milhões de dólares para manter cientistas russos no país, de modo a evitar uma fuga de cérebros para o Ocidente.
Desde então, estima-se que tenha doado 11 mil milhões de dólares a causas progressistas, incluindo a promoção da democracia, ativismo da comunidade LGBT, apoio aos refugiados e migrantes e defesa dos direitos humanos. Estamos a falar do maior doador individual na história da humanidade para a defesa e reforço da democracia. Foi a sua infância pungente aqui na Europa que o levou a doar a sua riqueza desta forma.
Soros escapou ao Holocausto, mas por pouco. Em criança, foi instruído pelas autoridades a distribuir folhas de papel a dizer para os seus companheiros judeus contactarem o seu rabino às 9:00 da manhã seguinte.
O pai de Soros compreendeu instantaneamente que as autoridades estavam a referir judeus locais para deportação. Assim, disse ao jovem Soros para dizer a todos os judeus a quem apresentasse o papel para não seguirem as instruções.
Tal como Soros escreveu na sua biografia: “Há um homem que não esquecerei. Levei-lhe o papel e disse-lhe o que o meu pai dissera. Ele disse: ‘Diga ao seu pai que sou um cidadão cumpridor da lei, que sempre fui um cidadão cumpridor da lei e que não é agora que vou começar a infringi-la.’ E isto ficou comigo para sempre.”
Os horrores do Holocausto incutiram em Soros a necessidade de combater o racismo e a xenofobia patentes na sociedade europeia. Após a dissolução da URSS, redobrou os seus esforços para promover a democracia além da Cortina de Ferro, afirmando: “A criação começou na Hungria. O seu objetivo consistia em ajudar a criar um país do qual eu não quisesse emigrar.”
O que Soros financia é precisamente o que a nova geração de políticos da extrema-direita populista receia. Soros apoia quem confirma os factos a invocar as alegações enganosas dos populistas. Um estudo dos métodos do manual de Putin afirma: “Não se preocupem minimamente em fornecer ou apresentar informações incompletas ou erróneas”.
O ex-analista de segurança do Governo norte-americano, Aaron Azlant, refere que os assessores de Trump podem ter aprendido as suas políticas pós-verdade ao cooperarem estreitamente com agentes do Kremlin na Ucrânia. Quem confirma os factos subverte estas mentiras.
Soros também faz doações a grupos que ajudam migrantes e refugiados. Para os novos nacionalistas que acreditam na restrição da diversidade na Europa e nos Estados Unidos – essencialmente para manter ambos o mais brancos possível – o apoio de Soros aos migrantes destina-se a “inundar a Europa com multidões de muçulmanos do terceiro mundo” porque o seu objetivo é “fundamentalmente destruir as fronteiras nacionais”.
A acusação diz muito sobre a compreensão do mundo nacionalista. Estamos de facto numa situação lamentável se ajudar os refugiados for agora um ato político. O que irrita realmente a direita de Trump e Putin é o trabalho que Soros faz para apoiar democratas e ativistas dos direitos humanos.
A nova direita autocrática, tal como a esquerda isolacionista, acredita em pessoas e nações isoladas. A propagação da democracia é tóxica: deve-se deixar que Putin governe a Rússia como um déspota e que Trump governe os Estados Unidos.
Os direitos humanos universais, que existem para proteger a liberdade individual contra estes déspotas, são particularmente suspeitos nesta compreensão do mundo. Nos próximos anos, é expectável que Breitbart, os teóricos da conspiração e os seus idiotas online interessados critiquem raivosamente o “estabelecimento” dos direitos humanos.
Já tivemos casos de chamadas para a presidência de Trump adotar a lei dos “agentes estrangeiros” de Vladimir Putin, o que dificulta a operação de grupos de direitos dos homossexuais e outros grupos dos direitos humanos na Rússia.
O alvo desta legislação é previsível: George Soros.
Declaro-me parte interessada: sim, muitas das campanhas em que trabalhei anteriormente contavam com o financiamento parcial de Soros, incluindo campanhas para reforçar a livre expressão no Reino Unido. Mas os ataques a Soros e à sua visão do mundo são um ataque a todas as pessoas que se preocupam com o futuro da liberdade.
Não nos devemos simplesmente revoltar perante o antissemitismo das teorias da conspiração sobre ele (falando concretamente: Soros, na qualidade de judeu, quer destruir a raça branca através do multiculturalismo), mas sim compreender por que é criticado.
Existem muito poucos governos ou doadores ricos no mundo a financiar cidadãos corajosos que lutam diariamente pelos direitos humanos. É menos entusiasmante e mais político do que a vacinação ou a luta contra o cancro.
Com a luz da liberdade a escurecer à medida que as democracias do mundo se voltam para a extrema-direita populista, é expectável que os ataques a Soros se intensifiquem.
Mike Harris é diretor executivo da 89up e editor da Little Atoms
Este artigo escrito por Mike Harris foi publicado originalmente no jornal londrino “The Independent”
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