A oportunidade das legislativas

Se a construção europeia se tem feito com um modelo intergovernamental, então é a quem pretende formar um governo nacional que devemos pedir posições sobre os assuntos que moldam a União Europeia.

Não terá havido ninguém surpreendido com a vitória da abstenção nas passadas eleições europeias. Não surpreende porque há já algum tempo que, em sucessivos actos eleitorais, é ela a força política com maior adesão. Sim, chamei-lhe força política. Porque, certamente, muitas das pessoas que não votam fazem-no como opção consciente. Não é que apenas não se revejam nos partidos que se submeteram a escrutínio. É o próprio regime que elas rejeitam e, portanto, não participam nas eleições, porque fazê-lo seria, no seu entender, uma forma de legitimação. Um entendimento contrário ao dos partidos anti-europeus que concorreram ao Parlamento Europeu, o que parece uma incoerência a quem não é adepto da estratégia do cavalo de Troia.

Naturalmente, o corpo de abstencionistas faz-se de situações muito diversas; querer apresentá-lo como um grupo homogéneo de gente que gosta demasiado de praia é um disparate. Haverá certamente pessoas que não têm na participação eleitoral uma prioridade, que estão alheadas do seu direito (e é um direito, que eu não quero confundir com obrigação!) de fazer escolhas políticas.

Mas há também as pessoas que, querendo participar, têm dificuldade em fazê-lo porque, no dia das eleições, não estão perto da única mesa onde podem depositar o seu boletim. Sabendo dessa circunstância atempadamente, podem exercer o voto antecipado, o que implica abdicar de parte da campanha eleitoral (que presumivelmente seria uma importante fonte de informação para ajudar a decidir) e receber mensagens políticas no dia anterior ao plebiscito antecipado (bom, quem vota na data normal também é confrontado com cartazes no dia da reflexão).

Diz que a experiência-piloto de urna electrónica feita no distrito de Évora correu bem. Creio que as quatro anteriores, que começaram em 1997, também não deram problemas. Mas vinte e dois anos depois, no século XXI, continuamos sem voto electrónico. E continuamos com gente que está há anos na urna a povoar os cadernos eleitorais. Apesar de, numa perspectiva keynesiana, no longo prazo estarmos todos mortos, eu, de facto, preferia que pessoas que já faleceram não votassem; fico mais tranquila por elas engrossarem os números da abstenção.

De resto, sejamos francos sobre o Parlamento Europeu. Embora a sua página sobre poderes mencione o legislativo, uma pessoa vai ver o detalhe e descobre que a Comissão tem o monopólio da iniciativa nesse domínio. Na melhor das hipóteses, o Parlamento Europeu é um co-decisor em igualdade com o Conselho, estando-lhe reservado um estatuto meramente consultivo para certas matérias e decisões.

Como explica Nuno Sampaio, no seu ensaio para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que esteve em debate a semana passada na Feira do Livro, o Parlamento Europeu é a instituição que representa a visão supranacionalista da construção europeia. Só que a União Europeia não é um Estado e, por isso, a perspectiva intergovernamental tem levado a melhor, como, de resto, ficou bem patente na crise das dívidas soberanas. De modo que, não sendo irrelevante na arquitectura institucional da União Europeia – até porque lhe cabe a escolha de quem preside a Comissão Europeia –, o Parlamento Europeu também não é um órgão a que reconheçamos grandes competências.

Ainda assim, eu gostava que as eleições europeias tivessem servido para debater o projecto europeu. Quando há umas semanas regressei à minha alma mater, a Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa, para participar no Economics Research Fest (um evento que juntou economistas e jornalistas com o propósito de promover a divulgação do conhecimento que se produz naquela instituição), assisti à apresentação de um artigo de Márcia Pereira que me fez pensar que aquilo era o tipo de discussão que gostaria de ver na campanha.

Na sua tese de mestrado, orientada por José Tavares, Márcia Pereira determinou qual o peso dos Estados-Membro da área do euro (a doze) na definição da política monetária do Banco Central Europeu. Nesse exercício, estimou qual teria sido o comportamento da taxa de juro sem moeda única, para o que assumiu que a política monetária seria conduzida como na fase pré-adesão. E depois comparou com a evolução verificada sob uma autoridade monetária única.

Uma das conclusões é a de que os maiores pesos pertencem à Alemanha e ao Luxemburgo, sendo os menores os da Grécia e da Irlanda. Por outro lado, os pesos não estão correlacionados nem com a dimensão populacional de cada Estado nem com a sua importância económica na eurozona, mas sim com a ocorrência de choques simétricos aos da economia alemã. Resultados que nos remetem para uma reflexão sobre a necessidade de aprofundar o processo de convergência real e de, face a estruturas económicas que não são tão semelhantes entre si quanto se teria desejado, dispor de instrumentos que permitam lidar com choques assimétricos.

Questões que já não vêm a tempo das eleições europeias. A boa notícia é que o estão das legislativas. Porque, se a construção europeia se tem feito assente na concepção intergovernamentalista, então é a quem pretende formar um governo nacional que devemos pedir posições sobre os assuntos que moldam a União Europeia. Fica a sugestão.

Nota: A autora escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.

Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.

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