A qualidade da gestão. O que falta fazer

A qualidade da gestão em Portugal há muito que é apontada como uma lacuna nacional. Não é o nosso maior problema, mas há, claro, espaço para melhoria na gestão empresarial.

Esta semana, 5ª feira dia 22/11, terá início a terceira edição da iniciativa “A Economia e o Futuro”, uma parceria entre a Ordem dos Economistas (OE) e a Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP-UP), com o apoio do Banco Carregosa. Trata-se de uma iniciativa que, anualmente, inclui a análise de um grande tema, um conjunto de seminários alusivos ao grande tema, e um concurso de ensaios entre os alunos da FEP-UP inspirados nos seminários temáticos.

O programa decorre ao longo do ano escolar e habitualmente termina no dia da FEP-UP no final de Maio. A metodologia seguida nos seminários procura combinar, em cada subtema, a visão do académico com a visão do praticante. Em anos anteriores, discutiu-se o capital humano (2016/2017) e o investimento transformacional (2017/2018); este ano (2018/2019) discutiremos a qualidade da gestão. E, como ponto de partida, arrancaremos na 5ª feira, na FEP-UP, com o primeiro seminário da edição deste ano, no qual participarão Alberto de Castro (Universidade Católica) e Mário Ferreira (Douro Azul). Eu moderarei a sessão de perguntas e respostas em representação da Ordem dos Economistas.

A qualidade da gestão em Portugal há muito que é apontada como uma lacuna nacional. Não seria surpreendente; afinal, num país, como o nosso, onde o nível geral de instrução é baixo, seria estranho que os empresários exibissem um nível de instrução significativamente distinto do resto da população. Obviamente, afirmar isto é diferente de afirmar que “os empresários portugueses são burros”, como ainda há dias se ouviu dizer na convenção do Bloco de Esquerda.

É claro que a esquerda caviar nunca reconhecerá o mérito dos nossos empresários, por uma simples razão: O sentimento de superioridade intelectual que assola a esquerda caviar impede que a mesma reconheça mérito a gente alegadamente inferior do ponto de vista da cultura. Mas, na realidade, o verdadeiro conhecimento é feito de saberes práticos, e não apenas de saberes culturais, lúdicos ou afins. O verdadeiro conhecimento é aquele que, podendo beneficiar de formação educativa, produz e cria valor. Que contribui para produzir bens e serviços que possam ser adquiridos ou consumidos por terceiros. E é aqui que os empresários portugueses, com maior ou menor instrução, continuam a surpreender os pseudointelectuais.

É expectável que a formação académica e profissional leve a maior qualidade de gestão. Mas, regressando a um parágrafo anterior, a ideia de que os gestores (e empresários) portugueses têm um défice de qualificação é errónea. Na verdade, o estudo “Assimetrias e Convergência Regional”, publicado recentemente por uma equipa de académicos liderados pelo Professor Fernando Alexandre da Universidade do Minho, evidencia que em 2016 a percentagem de gestores diplomados em Portugal era de 47% do total de gestores, face a uma percentagem de trabalhadores diplomados inferior a 20% do total de trabalhadores (slides 19 e 20, vide publicação disponível no site da Associação Comercial do Porto). Ou seja, o nível de instrução entre os gestores (e empresários) portugueses é francamente superior ao nível de instrução evidenciado entre o conjunto de trabalhadores subordinados.

É evidente que 47% de gestores diplomados revela uma situação ainda deficitária face ao universo de gestores de outros países mais avançados, mas a realidade do país é o que é e não muda de um dia para o outro. Mais preocupante é, a meu ver, o facto de algumas das nossas regiões com maior intensidade exportadora e mais competitivas internacionalmente, continuarem a exibir um nível de instrução muito baixo entre os seus trabalhadores. Dito de outra forma, o problema maior pode estar na base da pirâmide e não no topo.

Mas, sem prejuízo da especialização internacional de Portugal em sectores “low/medium tech”, há naturalmente espaço de melhoria no domínio da gestão empresarial. Da minha experiência, observo que muitas empresas continuam a desconsiderar a função financeira e que continua a existir um enorme fosso nas estruturas hierárquicas das empresas.

Em parte, isto tem a ver com a tipologia das empresas; a esmagadora maioria em Portugal são de micro dimensão e são empresas de patrão. Nestas não há estruturas intermédias; o poder de decisão é completamente centralizado no dono. Não há controlo de gestão; há quanto muito, sem desprimor, um contabilista certificado que frequentemente recebe os papéis tarde e a más horas.

Mas há uma outra dimensão, esta sim mais relacionada com a qualidade da gestão, que também não ajuda: a falta de delegação de tarefas e, frequentemente, uma justaposição de tarefas entre várias pessoas, mal concebidas e mal organizadas no seio das empresas. Algo que varia entre a trapalhada e o voluntarismo. Ambos acabam por funcionar mal.

A isto acrescem ainda os problemas crónicos de falta de planeamento, a que se junta a persistente incapacidade de se cumprirem prazos em Portugal – uma incapacidade que é revelada em primeiro lugar ao nível do Estado, onde encontramos os piores exemplos, nesta matéria e em tantas outras como o absentismo –, sem esquecer uma cultura de trabalho que continua a privilegiar a senioridade em alternativa à produtividade.

A questão da medição da produtividade é, de resto, a área mais relevante. Aquilo que não é medido não pode ser avaliado. A questão é saber medir o que realmente interessa medir (algo que nem sempre acontece). Em geral, os empresários têm uma boa noção das suas receitas e dos seus custos. Todavia, frequentemente, estes mesmos empresários não sabem se estão a ganhar ou a perder dinheiro. Pode parecer paradoxal que um empresário conheça os seus proveitos e os seus custos, e que não saiba se está a perder ou a ganhar dinheiro. Porém, não é invulgar. Uma empresa cria valor se a rentabilidade operacional dos capitais investidos for superior ao custo médio ponderado do capital. Na gíria das finanças empresariais, chama-se a isto “Economic Value Added”.

Ademais, no longo prazo, o valor de uma empresa resulta do valor actual dos seus fluxos de caixa futuros. Mas sucede que, em muitas empresas, a gestão do ciclo de caixa é negligenciada e, mais ainda, que não existe qualquer preocupação com a rentabilidade operacional.

Para terminar, uma palavra sobre a inovação e sobre o facto de a inovação ser a origem dos ganhos de produtividade. Ora, neste particular, o mais usual é encontrarmos empresas sem actividade de inovação. Mas mesmo naquelas onde encontramos inovação, a maioria até tem produtos inovadores, mas que não tem processos de inovação. Aqui, para além da qualidade de gestão, importaria trazer para as empresas portuguesa uma qualidade de colaboração. Em associação, desde logo em esforços comerciais, as empresas seriam mais fortes e mais inovadoras. Nesta equação tudo entraria: gestão, colaboração e adaptação. Em suma, na qualidade da gestão, há muito por onde avançar. Assim haja vontade e perspectiva.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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