A reforma fiscal necessária
É preciso mudar o paradigma do sistema fiscal português, transformando-se num factor de competitividade, de atração de riqueza, de prosperidade e de justiça social, além da sua função clássica.
O nosso país necessita de uma profunda reforma do sistema fiscal. Mais do que uma reforma fiscal, um novo paradigma.
O sistema atual foi configurado há 30 anos, para um país fechado, com fronteiras físicas e fiscais, e moeda própria. A administração fiscal era arcaica, e a política fiscal assumia, então, um papel relativamente secundário na governação macroeconómica, mais centrada nas políticas monetária e cambial.
Esse mundo acabou. Somos agora uma economia aberta, exposta ao espaço económico mais competitivo do mundo, e não temos mais soberania monetária nem cambial.
Os países da UE utilizam hoje o sistema fiscal como instrumento fundamental da governação e de atração de riqueza. E têm-no feito através da diminuição sistemática e continuada das taxas dos impostos sobre os lucros das empresas. Mais do que uma opção ideológica, esse é hoje um fenómeno generalizado.
Na zona euro, a taxa geral média era de 33,5% em 1999 e passou para 24,1% em 2017. Em Portugal passámos de 37,4% para 29,5%.
Significa isto que as empresas pagam, em Portugal, mais 23% de imposto sobre os lucros que na média da zona Euro. Isso não só nos impede de crescer, como expulsa riqueza do nosso país.
Acresce que, segundo dados publicados pela AT, em média, 65% das empresas declaram sistematicamente prejuízos, desde que há IRC, um fenómeno merecedor de meditação, pela sua irracionalidade e persistência. Isso significa que a carga fiscal é suportada por um escasso número de empresas, as que são eficientes e criam riqueza para o país.
Acresce, ainda, a pesada carga burocrática do IRC, que exige uma organização administrativa insensata e uniforme às empresas, grandes e pequenas, cujo custo é quase sempre superior ao do imposto que pagam.
Finalmente, o contencioso gerado pelo IRC, é o maior responsável pelo bloqueio dos tribunais, onde 8 mil milhões de euros de impostos não pagos, continuam a aguardar uma decisão, que apenas se sabe ser demorada (dados do CSTAF).
Provavelmente, a receita fiscal do IRC não compensa os custos que tem para o país no seu todo, e este imposto tornou-se um paradigma de burocracia e ineficiência.
Impõe-se uma revolução coperniciana que transforme o IRC, de maior ónus, em principal fator de competitividade do nosso país na zona euro. Para isso devemos baixar significativamente a taxa, para um nível que a torne atrativa do investimento, de riqueza para a nossa economia, e de prosperidade para os portugueses.
É possível fazer essa reforma sem quebra da atual receita do IRC, desde que todas as empresas paguem, que diminuamos a despesa com benefícios fiscais ineficientes, agravemos a tributação da utilização dos bens das empresas para os fins pessoais, dos dividendos, e que intensifiquemos o combate à evasão fiscal.
No passado, sempre que baixámos a taxa do IRC, a receita subiu de forma pronunciada, e os anos em que a receita atingiu o seu máximo, foram aqueles em que a taxa foi mais baixa. Isso mostra que a atual taxa do IRC está do lado errado da curva de Laffer, aquele em que a subida da taxa produz diminuição da receita. E mostra também que a taxa atual, além de não produzir receita, está a diminuí-la, e a destruir riqueza.
Os países que mais baixaram a tributação dos lucros das empresas são os que tiveram mais sucesso na atração de riqueza para os seus cidadãos e na criação de emprego. E temos um exemplo cá dentro, onde o regime de tributação à taxa zero dos lucros da reabilitação urbana, e o regime dos residentes não habituais, são casos de sucesso no aumento da nossa competitividade, e de atração de riqueza.
Parece que em Portugal ainda não percebemos que é possível, com um sistema fiscal inteligente, atrair riqueza do exterior que nos ajude a pagar a dívida e a crescer. E, talvez por isso, o nosso sistema fiscal é dos menos competitivos da zona Euro, onde só a Alemanha, a França e a Bélgica tributam os lucros das empresas, de forma mais agravada do que nós (excluindo Malta, na prática um paraíso fiscal). É por isso que estamos a ficar para trás.
Os sistemas fiscais são, atualmente, o instrumento mais importante de governação macroeconómica e através deles podemos alcançar os mesmos resultados que antigamente nos eram proporcionados pela desvalorização cambial e pela emissão de moeda. É essa reestruturação global do sistema fiscal, transportando-o de mero instrumento de obtenção de receita para principal fator de competitividade e de atração de riqueza, que temos que empreender com ambição.
É ainda urgente, um choque de simplificação de todo o sistema, criando um regime simplificado de âmbito generalizado e dispensando as empresas dos pesados custos burocráticos que a sociedade da informação tornou inúteis. A simplificação é, por si mesma, um fator de competitividade, e a sofisticação tecnológica da nossa administração fiscal coloca-nos a um passo de a empreendermos.
Devemos também reconfigurar o IRS, o IVA e os impostos sobre o património, para aumentar a produtividade, sempre com a ambição da competitividade, do crescimento e da prosperidade, explorando os nossos pontos fortes, como é, por exemplo, esse sentido de cidadania dos portugueses na exigência de fatura, que é admirado em todo o mundo.
O novo paradigma deve ser o de um sistema fiscal inteligente, próprio da sociedade da informação, que não obrigue os contribuintes a entregar declarações com informação que a administração tributária conhece, o que ocorre em quase todos os casos. Do mesmo, que generalize a retenção na fonte a todos os pagamentos, aproveitando as potencialidades dos pagamentos eletrónicos. E ainda com a criação de defesas do sistema contra a evasão fiscal, o incumprimento, que evite a litigância, a conflitualidade com os contribuintes, e a falta de pagamento.
Esta reforma não pode ser efetuada sem uma forte prioridade social, de reforço da justiça e da capacidade redistributiva do sistema. É que o sistema fiscal é hoje, também, a instância onde se realiza, com maior efetividade, o princípio da igualdade e da solidariedade entre os cidadãos. E os impostos são a maior riqueza comum e o maior instrumento de partilha entre os cidadãos de um país.
Se a diminuição da taxa do IRC é possível sem diminuição da receita, e se aumentarmos a progressividade, diminuindo a carga fiscal sobre os que menos possuem, será possível adotá-la sem clivagens ideológicas. E será possível, e desejável, um entendimento alargado nesta matéria.
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