A relação dos estafetas com as plataformas digitais

  • Rita Tavares Catarino
  • 30 Dezembro 2024

Este tema já está a ser dirimido em vários Tribunais de norte a sul do país, existindo decisões de Tribunais Superiores com decisões contraditórias.

É inegável a atipicidade inerente à prestação de atividade por parte dos “estafetas”.

O emprego na nova era digital ganha uma nova dimensão, saindo renovadas as interações que se estabelecem entre o prestador da atividade e o respetivo beneficiário, enquanto gestor das plataformas digitais e, bem assim, a forma como o trabalho se desenvolve, verificando-se uma maior liberdade, por exemplo, na escolha do número de horas que se pretende trabalhar e, ainda, a possibilidade do exercício de funções em qualquer lugar.

Todavia, sendo, na maioria das vezes, incontestáveis os poderes de direção e controlo por parte das plataformas digitais, ainda que com contornos diferentes do que sucede nos vínculos de trabalho tradicionais, é discutível que a relação que se estabelece entre uma determinada plataforma digital e os respetivos estafetas esteja dotada de uma real autonomia, uma das características essenciais da prestação de serviços.

Na sua larga maioria, os estafetas não dispõem de uma atividade empresarial própria, estando antes integrados numa organização alheia, que define os parâmetros e dita as regras, sendo as funções exercidas em proveito de outrem, em concreto do beneficiário, enquanto entidade que explora as conhecidas plataformas digitais.

Perante as novas formas de trabalhar, a presunção da existência de um contrato de trabalho prevista no art.12.º do Código do Trabalho mostrava-se, pois, inapta na resposta a dar em termos de uma exata qualificação da relação estabelecida entre as partes, uma vez que alguns dos indícios de laboralidade clássicos, como o local de trabalho, a propriedade dos instrumentos de trabalho e equipamentos, o horário de trabalho e a exclusividade ali não se verificam.

O legislador entendeu, por isso, criar uma nova presunção de laboralidade, agora prevista no art.12.º-A do Código do Trabalho, capaz de determinar corretamente qual o estatuto profissional das pessoas que se registam nas plataformas para aí trabalharem e que nas mesmas veem a sua forma sustento.

A nova presunção constituiu, assim, no plano probatório, um importante instrumento, tornando mais claros e efetivos os verdadeiros casos de trabalho autónomo daqueles outros que assentam em aparências e escondem o trabalho prestado verdadeiramente por conta de outrem, ilicitamente tratado fora do direito do trabalho.

Mas sendo uma presunção ilidível auxilia, também, a que não se distorça a realidade, pois se se tratar de um profissional real e verdadeiramente autónomo continuará a ser desse modo qualificado, independentemente de trabalhar para uma plataforma digital, respeitando-se, nessa medida, o velho princípio da “primazia da realidade”, segundo o qual “os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são”.

Este tema já está a ser dirimido em vários Tribunais de norte a sul do país, existindo decisões de Tribunais Superiores, nomeadamente do Tribunal da Relação de Guimarães e do Tribunal da Relação de Évora com decisões contraditórias.

  • Rita Tavares Catarino
  • Advogada na AFMA no departamento de laboral

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