A triste imagem da Europa a tentar escamotear a goleada de Trump

Trump fez o que faz sempre: ameaçar com um castigo pesado, reduzir essa ameaça e conseguir o que queria, deixando ainda o adversário com uma sensação de alívio apesar de continuar a ser castigado.

Maroš Šefčovič parecia um treinador cuja equipa acabara de sofrer uma goleada imposta por um ‘tubarão’ de uma liga superior. Na flash interview no rescaldo do confronto tarifário entre os Estados Unidos e a União Europeia, o comissário responsável pelo Comércio e Segurança Económica tentava escamotear o resultado. A maioria dos bens europeus exportados para os EUA vai estar sujeita a uma taxa alfandegária de 15% a partir de 1 de agosto? É um mal menor, explicou o eslovaco, face aos 30% que estavam na base inicial da negociação. Ou seja, a hecatombe até poderia ter sido maior.

O segundo argumento do comissário que zela pela segurança da economia do bloco de 27 países consistia na ideia de que foi evitada a insegurança que resultaria de uma guerra comercial. Pelo menos agora sabemos em que patamar estamos, como costumam dizer os treinadores.

As respostas de Šefčovič eram, vamos convir, as possíveis dada a situação. Aliás, refletiam a resignação demonstrada por vários líderes europeus. Enquanto para o presidente húngaro Viktor Órban foi Donald Trump que “comeu Ursula von der Leyen ao pequeno-almoço”, para a alemã que lidera a Comissão Europeia o acordo foi o melhor possível, esforçando-se para salientar os pontos positivos como a continuação do acesso ao mercado americano e a baixa das tarifas em alguns casos em que eram superiores a 15%. Em Espanha, Pedro Sanchéz manifestou apoio, mas sem entusiasmo. António Costa aplaudiu o acordo, mas pareceu mais interessado em dar uma palmada nas costas à alemã e ao eslovaco, do género “perderam, mas lutaram bem”.

A tarefa da equipa da Comissão Europeia não era, de facto, de todo fácil. O mercado americano é importante demais para a UE arriscar um prolongado conflito comercial. E isto perante um Trump que neste momento – à parte do tema das ligações a Jeffrey Epstein que teima em não largar o presidente americano – tem todas as cartas na mão em quase todos os assuntos que aborda. Nas tarifas fez o que faz sempre, ameaçar com um castigo pesado, reduzir essa ameaça e conseguir o que queria, deixando ainda o adversário com uma sensação de alívio apesar de continuar a ser castigado.

Mas mesmo com essas atenuantes, o resultado não deixa de ser uma derrota para a UE, que por falta de competitividade, força e união política não conseguiu obter um acordo de 10% como o do Reino Unido ou alargar o acordo de tarifas mútuas ‘zero-zero’ a mais de uma mão cheia de bens.

A defesa dos méritos da clareza e previsibilidade ficou, no entanto, também fragilizada sobre o que vai acontecer com bens que ficaram fora do acordo e que ficaram “numa outra página”, casos do aço e alumínio e dos vinhos, ambos de importância enorme para, por exemplo, Portugal. Essas negociações irão prosseguir, mas por enquanto não sabemos se serão mais tentos consentidos pela Europa.

Outro tema que ficou opaco foi o do investimento europeu nos Estados Unidos. A Europa vai ter de investir 600 mil milhões de dólares, mas não se sabe em que período temporal, por quem (privados, presume-se) e incluindo equipamento militar (algo que levanta sérias questões sobre o plano de aumento de investimento da defesa europeu, aparentemente desenhado para reforçar a capacidade industrial).

Da mesma forma, a promessa de comprar 750 mil milhões de dólares em energia americana, para eliminar a dependência do gás russo, também carece de informação, sendo já vista por analistas como impraticável e capaz de criar uma nova dependência, agora a Oeste.

É difícil, portanto, discordar com o primeiro-ministro francês, François Bayrou, que disse que foi “um dia sombrio” para uma Europa que “se resigna à submissão”.

Mas a pior das várias tentativas de controlo de danos foi a de atirar areia para os nossos olhos, com Šefčovič a falar de um “caminho para a colaboração estratégica” em que o arco transatlântico vai aprofundar-se. Será realista acreditar que o errático e imprevisível Trump, que tem como principal objetivo tornar a América great de novo, quererá alguma vez colaborar de forma estratégica com a Europa a não ser que isso envolva marcar mais golos? Para a Europa, na ressaca de uma goleada, dourar a pílula parece ser, portanto, uma estratégia perigosa.

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