Anacronismos trumpianos

O mercantilismo trumpriano é apenas uma das facetas do trumpismo. Este, no seu conjunto, é um retrocesso histórico e civilizacional para uma época onde a lei do mais forte imperava.

Donald Trump promove exportações, desencoraja importações e defende medidas protecionistas ao comércio para proteger a economia dos EUA. Por outras palavras, Trump é um mercantilista. Mas a sua convicção no mercantilismo não é de agora. Em 1988, entrevistado por Oprah Winfrey, respondendo ao que faria diferente na política externa dos EUA, Trump disse que faria com que os aliados pagassem “uma quota justa à nação devedora dos EUA, e o que se verificava no mundo não era comércio livre”.

Vou fazer um breve enquadramento para mais à frente expor as dissonâncias das medidas mercantilistas trumpianas. O mercantilismo foi uma teoria e um sistema económico que surgiu na Europa durante o início do período moderno (séculos XVI a XVIII), concebido para maximizar as exportações e minimizar as importações de uma economia, visando a acumulação de recursos dentro do país e a utilização desses recursos para o comércio unilateral. Era, portanto, uma política económica nacionalista que procurava reduzir um eventual défice e/ou atingir um excedente da balança corrente.

As políticas mercantilistas caracterizaram-se pela aplicação de medidas como tarifas e outras barreiras comerciais para proteger o comércio e indústria nacionais, incentivando simultaneamente as exportações. Não surpreendentemente, até como sinais próprios daquele tempo, esta tipologia de medidas teve como consequência a expansão territorial procurando garantir, incluindo pela força, o acesso aos recursos. Os mercantilistas acreditavam que as colónias não existiam para benefício dos colonos, nem dos colonizados, mas antes para a benfeitoria das metrópoles, particularmente como meio de produção de bens em que estas detinham monopólios. E, por fim, é conveniente não esquecer que os mercantilistas também acreditavam que o volume global do comércio era inalterável. O sistema económico era um jogo de soma zero (o lucro de uma das partes implicava a perda da outra). Não admira que o tempo tenha levado ao fim do mercantilismo e ao início do comércio livre. Porém, o mais importante é realçar que não é possível dissociar a política mercantil da Grã-Bretanha da Revolução Americana. Se isto não é uma ironia, não sei o que será.

Já anteriormente referi a fixação de Trump com William McKinley. O que Trump nunca refere são os resultados da política de tarifas de McKinley.

Há mais de 100 anos, o então congressista McKinley, Presidente da Comissão de Recursos e Meios (Ways and Means Committe) da Câmara de Representantes, apresentou uma lei (Tariff Act of 1890) que aumentou as tarifas para uma média de 50%. A lógica subjacente à mesma era básica: se os produtos estrangeiros passassem a ser mais caros, os americanos comprariam mais produtos nacionais. Ao fazê-lo, alimentariam a expansão económica. Estando os EUA, num nível proto-industrial e numa fase de transição económica, o objectivo era proteger a indústria e os trabalhadores da competição externa.

É inegável que esta lei estimulou o crescimento dos sectores protegidos. Contudo, ao desencadear tensões comerciais, provocou a retaliação de outros Estados-nações. Os preços dos bens de consumo aumentaram atingindo duramente a classe média e baixa americana. Resultado? Nas eleições intercalares de 1890, os republicamos sofreram uma derrota brutal. Perderam 83 congressistas, entre os quais McKinley, e a maioria na Câmara dos Representantes. Porém, este não mudou de ideias e assim que foi empossado Presidente dos EUA (4 de março de 1897), convocou uma sessão especial do Congresso para rever os impostos alfandegários. 20 dias depois, sancionou a Tarifa Dingley, a maior tarifa proteccionista da história americana até então.

Penso que há outro aspecto da presidência McKinley que agrada a Trump. Foi com McKinley que os EUA começaram a ser um império. Já em 1890, alguns republicanos sonhavam com a anexação do Canadá, acreditando que a pressão económica seria um meio para esse fim. No entanto, o efeito foi o contrário. Os nacionalistas canadianos não gostaram da coerção e aprofundaram os seus laços com o Império Britânico. Apesar desse “revés”, os EUA anexaram o Havai e, após a vitória na Guerra hispano-americana, através do Tratado de Paris, adquiriram as Filipinas, Guam e Porto Rico, garantindo também influência sobre Cuba.

Em 2025, para além de imitar as políticas tarifárias de McKinley, que diz Trump sobre o Canadá? E sobre o uso de força militar como instrumento para ter o controlo do Canal do Panamá e da Gronelândia? Por muito que possam ser alegadas semelhanças entre as circunstâncias económicas proto-industriais de 1880 e as pós-industriais de 2020, algo é inquestionavelmente distinto e factual no mundo contemporâneo:

  • O colonialismo acabou;
  • O contexto do comércio internacional, baseado em cadeias de abastecimento globais profundamente integradas é diferente e mais complexo;
  • Até o Gold Standart Act, assinado por McKinley em 1900, foi abandonado por Nixon em 1973.

Já há muito tempo que a história comprovou as consequências do mercantilismo. Tal como também o fizeram as ideias de Adam Smith, as vantagens comparativas de Ricardo, a teoria de Heckscher-Ohlin, o teorema de Stolper-Samuelson, a nova teoria do comércio de Krugman. Trump é dos poucos que não aprendeu as lições da história.

O mercantilismo trumpriano é apenas uma das facetas do trumpismo. Este, no seu conjunto, é um retrocesso histórico e civilizacional para uma época onde a lei do mais forte imperava e onde havia mais intervencionismo estatal, menos concorrência e menos liberdade.

Não admira que seja um anacronismo!

Post-Scriptum:

Sempre houve intervencionismo estatal. Isso não é novidade. Mas as decisões de Trump revelam o mesmo tipo de socialismo que ele critica aos seus adversários. E isso é incoerente e incompreensível.

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