
As casas não caem do céu: A ilusão habitacional da Esquerda
O direito à habitação não se garante por decreto — quando a ideologia manda, o mercado paralisa e a crise agrava-se.
O debate sobre a crise da habitação em Portugal está a ser tomado por uma lógica perigosamente simplista. O problema é real — e sim, os preços de compra e arrendamento de casa atingiram níveis historicamente elevados, tornando o acesso à habitação cada vez mais difícil para uma parte significativa da população. Mas as soluções propostas, sobretudo por setores à esquerda, são um misto de demagogia, obsessão ideológica e negação da realidade económica. Estamos a assistir à repetição de um erro clássico: identificar o sintoma (preços altos) e propor um remédio que agrava a doença (controlo de rendas, congelamento de preços, mais subsídios à procura). O raciocínio é, claro está, politicamente sedutor: se as casas estão caras, então basta “obrigar” os preços a baixar. Mas esta visão ignora as regras mais básicas da economia — e tem consequências devastadoras.
O mercado da habitação funciona, como qualquer outro, com base em incentivos. Os preços refletem a escassez relativa (!) entre oferta e procura. Quando os preços sobem, não é por maldade dos proprietários ou ganância dos promotores — é porque há mais gente à procura de casas do que casas disponíveis. A resposta racional seria aumentar a oferta: facilitar a construção, simplificar os licenciamentos, mobilizar solo urbanizável, criar condições para que mais pessoas coloquem imóveis no mercado.
Em vez disso, o que se vê é uma tentativa dos setores à esquerda de “corrigir” os preços por decreto, impondo tetos, limites e obrigações que apenas reduzem ainda mais a oferta. O controlo de rendas é o exemplo de medida proposta mais flagrante. Apresentado como uma medida “social” e “justa”, esta tem um histórico comprovado de falhanços. Nova Iorque, Berlim, Estocolmo ou São Francisco são exemplos de cidades onde o controlo de rendas resultou em menos oferta, mais mercado paralelo (com, entre outras, externalidades fiscais negativas), menos mobilidade e degradação do parque habitacional. Quando se impõe um limite artificial ao rendimento dos proprietários, o incentivo para colocarem imóveis no mercado desaparece. E isso não é um desvio de conduta — é uma resposta racional a incentivos económicos. Ninguém participa no mercado da habitação por altruísmo. A médio prazo, o resultado é o oposto do pretendido: mais exclusão, menos acessibilidade e uma pressão crescente sobre o segmento não regulado do mercado.
A ideologia esquerdista intervencionista parte de um erro de diagnóstico: considera que a habitação é um “direito” absoluto. Ora a própria Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 65.º, consagra esse direito de forma relativa e programática: ORIENTA (!) a ação do Estado, sim, MAS NÃO IMPÕE a obrigação de garantir habitação a qualquer custo ou a qualquer cidadão, independentemente das circunstâncias. Ainda assim, insiste-se numa leitura ideológica que defende que o Estado deve assegurar esse direito mesmo que isso implique distorcer o mercado, desincentivar a oferta e criar uma dependência permanente de subsídios. A habitação, tal como a alimentação ou a energia, é um bem essencial cuja acessibilidade depende de mercados a funcionar. Quando o Estado manipula preços e destrói incentivos, está a comprometer a sustentabilidade do próprio sistema.
Esta (falta de) lógica leva também à proliferação de políticas públicas baseadas na subsídio-dependência. Em vez de promover soluções estruturais — como a construção nova, a reabilitação urbana ou o aumento da mobilidade habitacional — os governos (ou autarquias) de esquerda procuram criar programas de apoio à renda que, embora bem-intencionados, acabam por inflacionar ainda mais os preços, ao aumentarem artificialmente a capacidade de pagamento das famílias sem resolver a escassez estrutural de imóveis. Mais grave ainda: estas políticas são desenhadas com base em critérios políticos, e não técnicos. Promove-se a narrativa da “luta contra a especulação” e contra os “interesses privados”, como se o problema da habitação fosse uma conspiração do setor imobiliário, e não o resultado de anos de desinvestimento, burocracia e falta de visão estratégica. O discurso ideológico transforma promotores, proprietários/senhorios em inimigos públicos, esquecendo que são precisamente estes os agentes que podem — se tiverem os incentivos certos — construir mais habitação e colocar mais imóveis no mercado.
A solução para a crise da habitação não está em travar o mercado, mas em libertá-lo. Está em criar condições para que a oferta aumente: previsibilidade regulatória, estabilidade fiscal, celeridade nos licenciamentos, uso mais eficiente do solo urbano e confiança dos investidores. E está também em abandonar a ideia de que o Estado pode e deve controlar tudo — os preços, os contratos, as margens — como se a realidade se moldasse à vontade política. A habitação deve ser uma prioridade, sim. Mas isso não significa dar “carte blanche” a políticas economicamente desastrosas. Significa, pelo contrário, exigir racionalidade (económica também), responsabilidade e foco nos incentivos. Os preços não sobem por acaso — e também não descem por decreto! E chegamos à brilhante conclusão que só mais casas resolvem a falta de casas.
Infelizmente, o debate político continua preso a chavões ideológicos e soluções de curto prazo (aliás como quase tudo no nosso País com falta crónica de estratégias de longo-prazo). Falta coragem para dizer o óbvio: a crise da habitação não se combate com mais controlo, mas com mais liberdade (“it´s the Economy, stupid!”). E enquanto continuarmos a fingir que é possível regular a escassez sem a resolver, estaremos apenas a empurrar o problema para a frente — à custa das gerações (jovens) que mais precisam de respostas reais.
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