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As centrais a gás e a segurança do abastecimento
com os atuais objetivos pouco ambiciosos para a flexibilidade não fóssil, Portugal poderá ver-se na situação de ter de pagar em excesso pela disponibilidade das centrais a gás.
O Relatório de Monitorização da Segurança de Abastecimento do Sistema Elétrico Nacional 2025-2040 (RMSA2024), publicado pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), sublinha a relevância das centrais a gás natural para a estabilidade do abastecimento energético em Portugal. Entre estas, a central de ciclo combinado da Tapada do Outeiro é destacada como um ativo crítico para a segurança do Sistema Elétrico Nacional (SEN).
Embora se preveja uma redução nas taxas de utilização das centrais a gás natural nos próximos 10 a 15 anos, o RMSA2024 conclui que estas continuarão a desempenhar um papel fundamental para garantir o abastecimento elétrico nacional, não podendo ser desativadas sem alternativas adequadas. No entanto, essa menor utilização pode comprometer a rentabilidade económica destas centrais, exigindo a implementação de um mecanismo de remuneração por capacidade para garantir a sua disponibilidade quando necessário. Apesar do papel marginal na produção total de eletricidade, a sua disponibilidade é essencial para a segurança e estabilidade do SEN.
A necessidade de manter as centrais de ciclo combinado operacionais através de um mecanismo remuneração de capacidade está diretamente relacionada com o indicador Loss of Load Expectation (LOLE), que mede o número esperado de horas por ano em que a procura pode exceder a oferta. O RMSA2024 destaca que a presença de centrais como a Tapada do Outeiro é crucial para manter o LOLE dentro de limites aceitáveis, evitando riscos para a continuidade e estabilidade do fornecimento elétrico.
No entanto, é importante ter em conta que o que importa nas centrais a gás não é o facto de serem a gás, mas serem despacháveis e prestarem um serviço de determinada natureza e com determinado valor para o sistema. E o serviço prestado pelas centrais a gás é, essencialmente, um serviço de flexibilidade, o qual pode ser assegurado por outras soluções e tecnologias. O que importa é o contributo de uma determinada tecnologia ou solução para manter o sistema dentro dos limites aceitáveis de segurança.
A revisão do regulamento do mercado de eletricidade da União Europeia, que entrou em vigor em 2024, obriga os Estados-Membros a identificarem as necessidades nacionais de flexibilidade para os cinco a dez anos seguintes. Essa análise deve levar em conta a segurança e fiabilidade do abastecimento, a descarbonização da rede elétrica e a integração de fontes renováveis variáveis, bem como a interligação do mercado e a disponibilidade potencial de flexibilidade transfronteiriça. Com base nessa análise, os Estados-Membros devem definir um objetivo nacional indicativo para a flexibilidade não fóssil, incluindo contribuições específicas da resposta da procura e do armazenamento de energia.
As centrais a gás, incluindo a Tapada do Outeiro, serão necessárias para a segurança do abastecimento apenas se as necessidades de flexibilidade do sistema não forem supridas por alternativas não fósseis. Se o Governo estabelecer metas ambiciosas para a flexibilidade não fóssil, incluindo investimentos na resposta da procura, bombagem hídrica e armazenamento em baterias, a necessidade de mecanismos de remuneração por capacidade das centrais a gás será reduzida, podendo até tornar-se dispensável. Se é ou não, é algo que só saberemos através de um mecanismo concorrencial, centrado nos serviços prestados e não na natureza da tecnologia. Por essa razão, a determinação da necessidade e da extensão da dependência das centrais a gás deve resultar de um processo concorrencial, aberto a todas as alternativas capazes de satisfazer as necessidades de flexibilidade do sistema elétrico. É por isso fundamental que o Governo clarifique, o mais rapidamente possível, os seus planos para o desenvolvimento da bombagem hídrica, atualmente limitada a apenas 300 MW adicionais no Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC2030), que foi recentemente chumbado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), bem como para o armazenamento de energia via baterias.
Uma coisa é certa: com os atuais objetivos pouco ambiciosos para a flexibilidade não fóssil, especialmente na bombagem hídrica, Portugal poderá ver-se na situação de ter de pagar em excesso pela disponibilidade das centrais a gás. Em excesso porque não otimiza todo o potencial de flexibilidade não fóssil existente. Como a remuneração por capacidade depende de prévia aprovação da Comissão Europeia, em sede de Auxílios de Estado, e do estudo nacional de avaliação de recursos, seguindo a metodologia usada pela ENTSO-E e aprovada pela Agência para a Cooperação dos Reguladores de Energia (ACER), a pouca ambição e clareza em matéria de flexibilidade não fóssil, torna mais difícil a aprovação da proposta nacional.
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