As zonas cinzentas da inclusão
O país precisa de assegurar que pessoas com deficiência tenham um papel, um lugar e abraçar a convicção que elas podem e devem representar um importante contributo para o desenvolvimento económico.
Dizem algumas fontes que mais de metade das empresas estão a falhar a integração de pessoas com deficiência, após cinco anos da publicação do diploma da lei das quotas que prevê que, pelo menos, 1% dos colaboradores de empresas privadas e 5% das empresas publicas com mais de 75 pessoas tenham deficiência, com grau de incapacidade igual ou superior a 60%.
Paralelamente, o Orçamento de Estado de 2025 continua com um plano cinzento do que poderão ser as revisões da Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência 2021-2025 e da Lei de Bases da Prevenção, Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência.
Estes dois fatores – de certa forma, muito relacionados quando falamos de empregabilidade desta população – não surpreendem a quem está no terreno, como é o caso do Semear, uma organização sem fins lucrativos que trabalha, há 20 anos para pessoas com dificuldade intelectual e do desenvolvimento ao lado de famílias, estudantes, empresas, redes de suporte e saúde, bem como com entidades públicas, com a visão da plena e digna inclusão de jovens e adultos com Dificuldade Intelectual e do Desenvolvimento (DID), acreditando que é possível.
Sim, é possível, mas muito complexa, onerosa e não pode viver apenas de medidas legislativas e de apoios, incentivos e complementos suportados no Estado. Nem tão pouco as empresas podem ser vistas como o “elo mais fraco” e acusadas de inércia, por não apresentar percentagens de inclusão satisfatórias, até porque, são precisamente as empresas um dos principais aliados nesta mudança e muitas delas acreditam no valor que acrescenta a diversidade e inclusão na sua estrutura, bem antes de qualquer lei de quotas e obrigatoriedade.
Contudo, entre estratégias, legislações e políticas de inclusão empresariais, facto é que ainda não se sentem avanços significativos na vida de pessoas com deficiência e das suas famílias, que continuam com um livro a preto e branco, sem a cor que ele merece.
Este ano, precisamente neste mês, celebramos o 10º aniversário da Academia Semear, um programa de formação certificada que conta com uma metodologia pioneira em Portugal, capacitando, formando e promovendo a inclusão socioprofissional destes jovens e adultos. Com o objetivo de combater a elevada taxa de desemprego desta população – seis vezes superior à taxa nacional -, o seu isolamento social e ciclo de pobreza associado, o modelo implementado na Academia Semear já assegurou a inclusão de 65 pessoas no mercado de trabalho, numa rede de 48 empresas parceiras.
No último ano, o número de formandos na Academia Semear aumentou cerca de 10%, o que significa que 106 estudantes estão a participar nos vários cursos certificados da Academia, a receber formação e capacitação rumo ao mercado de trabalho.
A quem não conhece o sistema, estes números podem parecer redutores, mas o que é facto é que esta metodologia regista uma taxa de retenção na ordem dos 90% com os devidos esforços, típicos de uma ONGD. Ou seja, é um modelo que, para ser bem-sucedido, requer tempo – por vezes, até dois e três anos -, equipas técnicas especializadas que apoiam a inclusão e tem associado um investimento ao nível do ensino superior e profissional, com um valor médio de 8.500 euros por ano/por formando.
Mais ainda, importa reforçar que a inclusão socioprofissional de pessoas com DID não é uma atividade de volume, de números ou de iniciativas que ficam bonitas nas notícias, no Excel ou no Power Point. São de pessoas, com casos únicos que não dão tréguas às suas dificuldades, bem como das empresas e estruturas que se preparam para as receber.
No Semear, temos a convicção e sabemos das suas imensas potencialidades, mas apesar do cumprimento de quotas ser muito bem-vindo a um novo despertar de consciências, pode conduzir a outros resultados menos positivos. Por exemplo, o grau de incapacidade igual ou superior a 60% é bastante lato e as empresas, para cumprir esta lei, podem socorrer-se nos seus atuais colaboradores que já tenham este estatuto adquiro por doença, fechando portas a novas oportunidades para pessoas com DID. Por outro – e talvez o pior –, como qualquer um de nós, uma integração errada pode colocar em causa a autoestima, segurança e a valorização do trabalho de uma pessoa com DID.
Mas onde pode estar uma nova cor da inclusão socioprofissional de pessoas com deficiência? Pode estar nestas e outras medidas legislativas, nas medidas corporativas de inclusão, nas instituições como o Semear mas, acima de tudo, numa nova cultura e promoção da mensagem. Sentimos, todos os dias, o pulular de correntes dos mais diversos eixos da inclusão, mas, sem detrimento destas, o país precisa de assegurar que pessoas com deficiência tenham um papel, um lugar e abraçar a convicção que elas podem e devem representar um importante contributo para o desenvolvimento económico do país, nomeadamente quando inúmeros setores enfrentam a escassez de talentos.
Portugal ainda não evoca e respira inclusão de pessoas com deficiência, quando falamos em trabalho e as ONGD não têm o músculo financeiro para erguer esta mensagem. E, talvez culpa nossa, o discurso da inclusão socioprofissional ainda está muito preso à palavra “solidariedade” e “piedade”, quando deveria ser muito mais sobre uma cultura e visão da sociedade civil, que acredita nesta população, sem “compaixão”, mas sim, “Com Paixão”.
Para aproximar a sociedade civil e criar a construção de comunidades mais sustentáveis e inclusivas no país, o Semear criou o conceito “O Melhor Presente é Poder estar Presente”, a mensagem central das nossas iniciativas para fomentar uma cultura de inclusão desta população em Portugal.
Presente na sociedade, presente num trabalho, fazer parte de uma equipa, ter uma rotina e, no final do dia, poder ter uma vida como todos nós. Por outro lado, presente não é só uma oferta: é algo atual, que está a acontecer ou algo que temos – ou devemos – ter presente. E devemos ter presente um fator fundamental: uma sociedade mais justa e plural atua para “dar uma ocupação” a estas pessoas, em vez de apenas “mantê-las ocupadas”. O que é bem diferente.
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