Bruxelas contra o reconhecimento facial

A União Europeia dá mais um passo na luta pelo controlo político da tecnologia e propõe bloquear a utilização de reconhecimento facial em espaços públicos.

Contra o crescimento descontrolado e o abuso de privacidade que significa das tecnologias de reconhecimento facial, foi revelado esta semana que a União Europeia está a ponderar uma moratória sobre o uso da tecnologia de reconhecimento facial nos espaços públicos em toda a União. A ideia está num documento sobre inteligência artificial e prevê que durante o período da moratória se crie e implemente uma lista de regras para avaliar a segurança e relevância da tecnologia. Isto ocorre num momento em que diversos países estão a lançar sistemas de reconhecimento facial sem o devido debate público ou sequer reflexão política.

Por definição, um mecanismo de reconhecimento facial só será eficaz quando fizer a verificação instantânea e imediata de todas as faces. Isto implica que qualquer país que o implemente se transforma num estado policial, em que as liberdades são vigiadas e os cidadãos escrutinados. É o que acontece na China, com algumas cidades a terem mais de cem câmaras por cada mil habitantes – câmaras essas que estão sempre ligadas a sistemas de reconhecimento facial e que servem para que se exerça um apertado controlo efetivo sobre os cidadãos (e também que se promova o genocídio do povo Uighur).

Criar bases de dados com os dados biométricos de milhões de cidadãos é um risco de segurança em si mesmo, mas isso não tem impedido alguns governos europeus de avançarem com esta solução. Os britânicos já têm perto de 20 milhões de faces nos seus arquivos e a grande maioria desses cidadãos nunca cometeram nenhum crime. Os alemães preparam o lançamento de um sistema piloto a ser utilizado nos terminais de transportes públicos. E os franceses decidiram avançar para um programa global de reconhecimento facial chamado Alicem, contra as recomendações dos próprios organismos públicos de regulação de dados – teoricamente o sistema visa facilitar o acesso dos cidadãos aos serviços públicos mas o potencial de abuso é enorme.

Os sistemas utilizados pelas autoridades para controlar os cidadãos, como bases de dados de ADN e registos de impressão digital, estão sujeitos a fortes limitações. E acesso a atos relacionados com a esfera privada, como informações sobre telecomunicações, só podem ser acedidas pelas autoridades depois de autorização judicial. A utilização de reconhecimento facial goza de um descontrolo que beneficia quem pode abusar do vazio legal em que alguns sistemas operam. E, como de costume, o maior problema com todas estas tecnologias é a forma como todas elas podem ser usadas.

Mesmo que as melhores intenções sejam usadas aquando da sua criação, a partir do momento em que a informação está armazenada há um risco de utilização indevida. Por isso é essencial um entendimento dos riscos e um debate público amplo, coisa que não ocorreu no Reino Unido nem em França e que pode não acontecer noutros países da Europa. Por isso se saúda mais um ato sensato da UE na regulação da tecnologia no espaço europeu, protegendo os seus cidadãos.

Ler mais: A estratégia final sobre inteligência artificial só será conhecida para o mês que vem, mas o documento de junho foi a base para a atual discussão. E basta ler a forma como se enquadram os temas para perceber como a UE continua a liderar o mundo no que toca aos cuidados de cidadania face à ditadura tecnológica.

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