

Canalizador precisa-se! E de um eletricista, e de um carpinteiro…
Promover o equilíbrio entre a educação académica e as profissões tradicionais é crucial para manter um mercado de trabalho saudável, que cumpra assim a sua função basilar de suporte da sociedade.
Entre as estatísticas mais reveladoras do desenvolvimento de Portugal nas últimas décadas, encontra-se o crescimento do número de licenciados, facto que a todos deve orgulhar. Não obstante, importa agora refletir para lá dos números imediatos, e perceber que dinâmicas ou impactos menos positivos esconde esta realidade. E aí encontramos à cabeça o setor das ditas profissões tradicionais, o qual tem vindo a lidar com uma escassez de mão-de-obra que deve merecer máxima preocupação e rápida intervenção. Outrora consideradas fundamentais, estas profissões mais técnicas são hoje estigmatizadas por uma sociedade que ainda sobrevaloriza o grau académico.
Em 2011, 13,9% da população nacional era licenciada, percentagem que terá em dez anos subido para 19,8% de acordo com os dados do Censos de 2021. Entre estes cerca de 1,8 milhões de licenciados, as Ciências Empresariais, Administração e Direito revelaram-se como áreas preferenciais, a que se seguia a Saúde e a Proteção Social. Reconhecendo o lado positivo dos números, importa também assumir a cada vez maior dificuldade dos licenciados em encontrarem espaço nas suas áreas de especialização, bem como salários correspondentes à sua formação, pois enfrentam um mercado de trabalho saturado e altamente competitivo. Este fenómeno tem tido consequências visíveis na frustração dos jovens e agravamento das desigualdades sociais, constituindo-se assim como um dos principais catalisadores da emigração jovem e correspondente impacto na nossa já muito debilitada pirâmide demográfica.
Por outro lado, o mesmo mercado de trabalho evidencia a falta de adesão das novas gerações às profissões tradicionais, ainda que estas ofereçam garantias de empregabilidade e de retorno financeiro muitas vezes mais atrativas que o Ensino Superior. Se nos reportarmos por um instante à lei da oferta e da procura, é fácil compreender que a escassez na oferta de profissionais – com a qual a maioria de nós já terá convivido – tem como efeito direto o aumento generalizado do preço dos serviços, em justo benefício económico de quem os presta.
No passado, carpinteiros, canalizadores, eletricistas, entre outros, na estabilidade dos seus empregos, foram suporte de crescimento das economias locais. Desempenharam um papel vital na construção e manutenção das nossas comunidades, e tiveram um contributo fundamental na história da civilização. Hoje, contudo, a realidade é bem diferente: a Associação dos Industriais e da Construção Civil e Obras Públicas estima faltarem no setor cerca de 80 mil trabalhadores. No exemplo concreto da Construção Civil, este problema tem em Portugal, como em outros países da Europa e América do Norte, encontrado a solução possível na comunidade imigrante. Entre nós, mulheres e homens naturais de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, como Angola ou Brasil, mas também da Índia ou do Nepal, habitualmente mais disponíveis e sem a sombra do estigma social, têm colmatado esse vazio.
No entanto, essa disponibilidade nem sempre vem acompanhada das qualificações necessárias. Nalguns casos, a necessidade obriga a que estas pessoas se aventurem em áreas que não dominam completamente, muitas vezes resultando em serviços de qualidade inferior, a que se associam os decorrentes riscos nas dimensões de custo e de segurança. Este foi já um alerta deixado pelo próprio Sindicato da Construção Civil, que pediu ao Ministério do Trabalho para reabrir os centros de formação profissional que foram encerrados e, consequentemente, prevenir o número de acidentes de trabalho que tem aumentado. Se queremos beneficiar da imigração enquanto solução para a escassez de mão-de-obra, é essencial que se coordenem os esforços necessários para formar e melhor qualificar esses trabalhadores, garantindo a desejada qualidade do produto final.
Perante isto, é urgente que o Estado atue em simultâneo em duas verticais, distintas mas complementares:
- Refrescar a Lei de Bases do Sistema Educativo e suas decorrentes diretivas, e garantir que aqueles que cheguem ao ensino secundário revejam na via dos cursos profissionais uma solução realmente válida como alternativa ao Ensino Superior. Para além da óbvia qualificação técnica nas áreas específicas, devem estes cursos dotar os jovens dos conhecimentos transversais elementares, com módulos de gestão, sistemas de informação, direito relevante, entre outros. Se solidamente estruturados, os cursos profissionais virão com sucesso formar excelentes profissionais, mulheres e homens de carácter, e ainda dinamizar o empreendedorismo sustentável;
- Reforçar a oferta adequada de formação a profissionais no ativo. Ação mais rápida de implementar, e que trará assim também resultados em mais curto prazo. Importa travar a tendência crescente do número de acidentes de trabalho, e melhorar na globalidade a qualidade dos serviços. No caso dos imigrantes decorre ainda como benefício não menor o facto de a sua melhor qualificação resultar num reconhecimento da indústria e a jusante numa mais fácil integração nas respetivas comunidades de acolhimento.
As linhas de ação acima devem ser acompanhadas por uma estrutura de fiscalização eficaz, que motive os empresários contratantes a apostar mais na qualificação e menos na mão-de-obra barata, bem como por um trabalho de evolução social de combate ao estigma vigente.
Por fim, importa registar que numa era cada vez mais digital, também estas profissões tradicionais se têm aliado à tecnologia, existindo hoje no mercado várias plataformas digitais de serviços para a casa, como aquela que gerimos. Sendo uma forma de responder a uma necessidade quotidiana de todos nós, estas plataformas tentam também atrair uma nova geração de profissionais, que já nasceu no mundo digital, buscando a transição de uma indústria ainda muito assente no espaço “offline” para o mercado “online”, na expectativa de assim a tornar mais cativante e atual.
O mercado de trabalho é um ecossistema complexo, que prospera na diversidade de habilidades e conhecimentos. Para funcionar de forma eficaz, a sociedade precisa de profissionais em todas as áreas, desde engenheiros e médicos, até pedreiros e pintores: uns não existem sem os outros. Promover o equilíbrio entre a educação académica e as profissões tradicionais é crucial para manter um mercado de trabalho saudável, que possa assim cumprir a sua função basilar de suporte da sociedade.
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