Mário Centeno mentiu. Mário Centeno não mentiu.

O que surpreende nesta história, não é o facto de um político ter mentido ou ter maltratado a verdade. É ter feito uma lei à medida de um homem e a pedido de um escritório de advogados privado.

Luís Montenegro: “O ministro das Finanças mentiu”.

António Costa: “O ministro das Finanças não mentiu”.

Quem nos mente, quem nos diz a verdade?

Já diz o ditado popular que a mentira tem perna curta. E a troca de correspondência entre Mário Centeno e António Domingues revelada pelo ECO apenas vem confirmar o tamanho da perna desta mentira. É curta e grossa.

Aliás, desde o início que esta polémica tem sido uma sucessão de mentiras, meias-verdades, meias-mentiras, silêncios, omissões, avanços e recuos. Chegámos ao ridículo de ter visto no mesmo dia Mourinho Félix a dizer de manhã que António Domingues não tinha de publicitar as suas declarações de rendimento e património, para no mesmo dia à tarde vir dizer precisamente o contrário.

Mas o secretário de Estado é uma peça acessória e irrelevante nesta história. Mário Centeno é o protagonista. O ministro das Finanças nunca mentiu. Nunca mentiu, mas também nunca disse a verdade. Sempre esteve convencido de que António Domingues não tinha de entregar a declaração junto do Tribunal Constitucional. E a prová-lo está a resposta que o seu gabinete deu ao jornal Público no dia 25 de Outubro quando confrontado com a exceção criada para os gestores da Caixa: “Não foi um lapso”. Mas também nunca assumiu publicamente e de forma explícita que tinha feito um compromisso com António Domingues sobre este item específico.

Mas a carta revelada pelo ECO deixa pouco espaço para interpretações e para verdades alternativas. António Domingues escreve a Centeno para dizer que está surpreendido com a necessidade de ter de enviar declarações ao Constitucional, já que essa “foi uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD”.

Esta frase compromete e de que maneira Mário Centeno. Agora o ministro tem de vir a público descomprometer-se. Caso contrário teremos de concordar com esta frase que foi dita há uns meses por António Lobo Xavier (o primeiro a alertar para a existência de um compromisso escrito), no programa “Quadratura do Círculo”, na SIC Notícias: “O Governo, com uma enorme falta de solidariedade, uma frieza que eu acho absolutamente chocante e próximo da indignidade, está a deixar passar para os gestores da Caixa o odioso da responsabilidade de coisas que combinou com eles”.

A história vai a meio

Mas nesta história, o que mais surpreende não é o facto de um político ter mentido ou ter maltratado a verdade. Não é nada que já não estejamos habituados. O que choca verdadeiramente nas cartas relevadas pelo ECO é a forma como se fazem leis à medida neste país.

As cartas contam uma história ainda mais surreal. Ficámos a saber que além da Assembleia da República, do Governo, também há uma sociedade de advogados privada que faz e escolhe as leis em Portugal.

Vamos por partes. Primeiro António Domingues faz uma série de sugestões de alterações à lei à sua medida e envia-as para Mário Centeno. Depois o gabinete de Mário Centeno redige várias versões de um decreto-lei e envia-as para o escritório de advogados contratado por António Domingues, — o Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados, — para que possa escolher a que mais lhes convém.

Às páginas tantas, o escritório de advogados responde ao gabinete do ministro: “Das três redações que nos enviou a que julgamos corresponder ao pretendido é a primeira, sem a parte final assinalada a negrito”. Isto é legislação feita à la carte, ao gosto de António Domingues e de um escritório privado de advogados. Isto é normal? Até vou pôr a parte final deste texto assinalada a negrito: Isto é normal?

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