Editorial

Certificados, sim, mas a que preço?

O Governo mudou as regras dos Certificados de Aforro. Conseguiu explicar mal uma decisão que tem racional económico e financeiro.

O Governo mudou as regras e as condições dos Certificados de Aforro e, como tem sido hábito, criou mais um problema a si próprio pela forma desastrosa como a anunciou uma medida que afeta as perspetivas de poupança dos portugueses — uma sexta-feira à noite, com uma nota no site oficial do IGCP, seguido de um comunicado apressado passada uma hora e uma conferência de imprensa improvisada a um sábado — sem cuidar de explicar as razões com tempo e de forma transparente, na defesa de todos os contribuintes, incluindo daqueles que não poupam. Ficou a perceção da cedência à banca, quando a banca não está a fazer o que deveria na remuneração dos depósitos. Era difícil fazer pior numa decisão que, do ponto da vista da política financeira do Estado, é a mais acertada.

O que decidiu o Governo na sexta-feira à noite, de rompante, sem qualquer aviso prévio? Anunciou a suspensão da chamada linha E dos Certificados de Aforro — lançada em 2017 — e que permitia pagar até 3,5% de juros (brutos) acrescido de até um ponto percentual por prémio de permanência. A decisão era expectável tendo em conta duas ordens de razões, que os críticos, uns partidários, outros ideológicos e outros ainda, os que optam pelo incentivo à poupança em face aos custos dessa política pública em impostos.O Ministério das Finanças já tinha aumentado o limite de subscrição de Certificados de Aforro para 16 mil milhões de euros em 2023, tendo em conta as necessidades de financiamento do Estado, e mês após mês continuava a aumentar o volume de depósitos transferidos da banca comercial para este produto financeiro.

O Estado estava a pagar em juros uma taxa acima de mercado, financiada por quem não tem poupanças, e com um impacto orçamental não negligenciável nos próximos dez anos, tendo em conta a evolução da Euribor a três meses.
É certo que este tipo de medida dificilmente poderia ser anunciada com semanas de antecedência, mas poderia e deveria ter sido seguido outro caminho para evitar uma corrida desenfreada, limitando por exemplo o máximo de subscrição, anunciando a mudança com uma semana ou duas de antecedência e com as condições da nova linha.

Depois das declarações de gestores da banca sobre a concorrência dos Certificados de Aforro, a forma como o Governo fez esta mudança cria a perceção de que anda a reboque do setor financeiro. A sugestão de João Moreira Rato, chairman do Banco CTT, ao Governo para suspender a emissão dos atuais certificados só serviu para suportar a narrativa. Mas é fácil de perceber que foi uma recomendação essencialmente técnica, de quem já geriu a dívida pública portuguesa: O Banco CTT é controlado pelos CTT, empresa que mais estava a beneficiar, em comissões, desta corrida à subscrição do produto do Estado…

É preciso dizer que os Certificados de Aforro são, em primeiro lugar, um instrumento de financiamento do Estado, das suas (nossas) necessidades de financiamento, decididas em cada ano no Orçamento do Estado. Como são os Bilhetes de Tesouro ou as Obrigações do Tesouro. E têm custos. Elevados neste contexto, diga-se de passagem.

Os bancos, é óbvio, agradecem a decisão do Governo, porque passam a ter menos concorrência na retenção de depósitos. Daí a considerar que a decisão é um frete à banca só pode ser feita se não forem tidos em conta os outros motivos que justificam a decisão, acertada em termos de política financeira do Estado.

É preciso dizer que os Certificados de Aforro são, em primeiro lugar, um instrumento de financiamento do Estado, das suas (nossas) necessidades de financiamento, decididas em cada ano no Orçamento do Estado. Como são os Bilhetes de Tesouro ou as Obrigações do Tesouro. E têm custos. Elevados neste contexto, diga-se de passagem. Como o ECO escreveu há dias, o preço da dívida pública vai disparar mais de 50% nos próximos dois anos. Segundo as últimas previsões do Governo explanadas no Programa de Estabilidade 2023-2027 (PE 23-27), a fatura dos juros da dívida pública vai passar de 4,7 mil milhões de euros em 2022, cerca de 1,96% do PIB, para 7,4 mil milhões de euros já em 2025 (o equivalente a 2,8% do PIB). Mais dinheiro para juros é menos dinheiro para tudo o resto.

Os certificados são um instrumento de captação de financiamento interno, por contraponto às emissões para investidores internacionais. E também têm outra função, complementar, de incentivo à poupança.

No entanto, no último ano, em função do que se passa com o aumento dos juros e da resistência da banca a aumentar a remuneração dos depósitos, os Certificados de Aforro transformaram-se, a perceção pública passou a ser a de que os certificados são, em primeiro lugar, único até, um produto de poupança concorrente dos depósitos. É uma espécie de pecado original, que o Governo também não tratou de explicar.

Ora, as principais críticas à decisão do Governo — as que são substantivas e não apenas uma oportunidade para a critica político-partidária — apontam precisamente para a cedência ao “cartel” da banca nos juros dos depósitos, como se fosse essa a competência do IGCP, a entidade que gere a dívida pública, o financiamento do Estado e, como é óbvio, os Certificados de Aforro. Mas não é. Se há cartel, a Autoridade da Concorrência e o próprio Banco de Portugal podem e devem atuar. Provavelmente já deveriam tê-lo feito se tivermos em conta a remuneração média dos juros em Portugal face à media da zona euro. Mas o Estado tem outro instrumento para pressionar o mercado e a concorrência: A CGD deveria ser o mais competitivo dos grandes bancos, quer nos juros depósitos, quer nas comissões e no financiamento. E isso poderia ser feito pelo Governo, na qualidade de acionista.

Há por isso uma enorme confusão sobre a natureza dos Certificados de Aforro, que são em primeiro lugar um mecanismo de financiamento do Estado. Se o Estado já tem o financiamento maioritariamente assegurado em produtos de taxa variável — a subscrição de Certificados nos primeiros quatro meses ultrapassou os 11 mil milhões e no total são mais de 30 mil milhões — se pode financiar-se a taxas mais baixas no mercado, se avalia que tem condições para continuar a captar poupança até aos 16 mil milhões definidos com uma taxa mais baixa, deve fazer exatamente o que foi feito, reduzir o esforço que é pedido a todos os contribuintes, incluindo aqueles que não poupam, para pagar os juros dos Certificados de Aforro.

Há um problema com a concorrência da banca na remuneração dos depósitos? Há, mas também é preciso acrescentar que a banca, mesmo tendo perdido depósitos, está confortável do ponto de vista de liquidez, isto é, tem dinheiro que sobra para os empréstimos que pode dar (muito por exigência de risco do BCE) e para os que lhe são pedidos (porque juros mais caros tornam os empréstimos menos apetecíveis). A CGD tem aqui um papel central para pressionar os bancos privados, numa concorrência de mercado.

Há um problema com a concorrência da banca na remuneração dos depósitos? Há, mas também é preciso acrescentar que a banca, mesmo tendo perdido depósitos, está confortável do ponto de vista de liquidez, isto é, tem dinheiro que sobra para os empréstimos que pode dar (muito por exigência de risco do BCE) e para os que lhe são pedidos (porque juros mais caros tornam os empréstimos menos apetecíveis). A CGD tem aqui um papel central para pressionar os bancos privados, numa concorrência de mercado.

E há também um problema de poupança, necessária para financiar o investimento, que escasseia em Portugal (e nem com o PRR lá vai). O Estado pode criar incentivos, onde estão os PPR? Ainda assim, os novos certificados, com novas regras, com uma taxa máxima de 2,5% mais prémios de permanência, mas admitindo a mobilização do capital, continua a ser mais favorável do que a da maior parte dos bancos em produtos comerciais. Ou, no mínimo, competitivos, com o risco Estado, que é obviamente menor do que o de qualquer banco. Por isso, a subscrição de certificados vai continuar a aumentar.

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