Com amigos destes, Costa foi o seu próprio pior inimigo

Manter os amigos por perto e os inimigos mais perto ainda. O problema de Costa foi a primeira parte do conselho do fictício Michael Corleone - manteve perto os amigos, mas foram os errados.

Em oito anos de governação, António Costa nunca enfrentou uma oposição realmente forte. No primeiro mandato teve pela frente um Pedro Passos Coelho ferido pela perda do poder e depois um Rui Rio que não conseguia convencer o centro. No segundo mandato, o líder socialista foi ‘rasteirado’ pelos antigos amigos da geringonça, mas reergueu-se para ganhar uma maioria absoluta. No terceiro, com essa garantia de estabilidade, não tinha de se preocupar muito com a oposição, nem com aliados.

A possibilidade da saída de Costa do Governo antes de 2026 era falada, primeiro com pouca convicção e, segundo, em relação a uma eventual origem num convite para um alto cargo europeu ou numa ‘trapalhada’ interna que levasse o Presidente da República a dissolver o Parlamento. Não foram escassas essas situações, com mais de uma dúzia de demissões de governantes e a manutenção de um ministro polémico que até pediu para ir embora.

Acabou por ser uma situação mais grave a levar o primeiro-ministro à porta de saída, alvo de investigação num processo autónomo do Supremo Tribunal de Justiça sobre os negócios de lítio e hidrogénio, numa investigação que também envolve um gigante data center e que levou às detenções do chefe de gabinete Vítor Escária, do “melhor amigo” Diogo Lacerda Machado e à constituição como arguido do ministro das Infraestruturas, João Galamba.

Costa e os outros investigados têm claro, a presunção da inocência. O (ainda) primeiro-ministro pode até ser ilibado de qualquer irregularidade, mas de uma falha grave não é inocente – de se rodear de pessoas que levaram à sua queda.

Comecemos por Diogo Lacerda Machado. Todos temos um “melhor amigo”, mas quem está no cargo de liderança governativa tem ainda mais obrigação que qualquer um de nós de o manter à parte dos negócios. O envolvimento informal de Lacerda Machado para desbloquear os casos dos lesados do BES, de Isabel dos Santos e do BPI, e especialmente da renacionalização da TAP, causou muito desconforto na geringonça e mesmo dentro do PS. Contrariados, o PM e o seu BFF lá tiveram de fazer um contrato de consultor.

Agora surge o caso do Start Campus, que envolve o alegado tráfico de influências e corrupção passiva e ativa que permitiu obter autorizações ambientais decisivas. A comprovarem-se os factos que constam na leitura (muito incómoda) do despacho, ficará também a conclusão que funcionava como agente livre do Governo para matérias importantes, mas com ganho próprio, o que é grave.

Em segundo, João Galamba. De deputado vocal e aguerrido foi para secretário de Estado da Energia, onde segundo vários atores do setor fez um excelente trabalho. A promoção a ministro não correu bem, com as cenas de ameaças e de pancadaria que envolveram o assessor Frederico Pinheiro a levarem Galamba a pedir a demissão. Mas António Costa, metido numa guerra de nervos com Marcelo, decidiu não aceitar. Galamba foi protegido da queda, mas não conseguiu proteger o primeiro-ministro de uma investigação judicial. Ora, é claro que quando Costa decidiu manter o ministro em funções não sabia dessa investigação, mas infelizmente quando esta surgiu a associação do PM ao Galamba já era difícil de ignorar.

Por fim, Vítor Escária, o chefe de gabinete, a porta de acesso ao primeiro-ministro. Foi ‘repescado’ por Costa para o cargo depois da demissão no caso ‘Galpgate’, com vários quadrantes do PS a torcerem o nariz devido à longa ligação a José Sócrates como assessor económico. Mas a proximidade também com Costa falou mais alto. Acabou por ser essa mesma proximidade que, a meu ver, dita a demissão do primeiro-ministro. Quando um chefe de gabinete cai no meio de uma investigação, é difícil o dono do gabinete manter-se em pé.

Após a declaração de Marcelo Rebelo de Sousa esta quinta-feira sobre a dissolução da Assembleia da República, António Costa disse que o país não merecia novas eleições no atual contexto. De acordo, não merecia, mas se as vai ter a culpa não é do Presidente, é de Costa e a sua falta de cuidado na escolha dos mais próximos.

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