Como preparar e gerir crises, e tirar proveito delas

Os melhores gestores estão a transformar pequenos problemas em crises para ter a certeza de que a organização está alerta, mobilizada e preparada para quando as crises sérias surgirem.

Uma crise acontece quando um episódio inesperado vem perturbar o normal funcionamento de uma empresa – familiar ou não.

As crises podem ser grandes e ter repercussões sobre milhares de empresas –- quando o mega cargueiro Evergreen se ficou entalado durante semanas no canal do Suez impediu o tráfego de dezenas de navios com cargas esperadas por milhares de empresas, criando uma das maiores crises logísticas mundiais de sempre. Ou há planos de contingência pensados para um evento assim ou não há nada a fazer – as unidades param e esperam.

Mas as crises podem ter a escala duma única empresa como um recente acidente com um empilhador que resultou numa vítima mortal. O que fazer? As emoções comandam a razão e há um milhão de pensamentos a correr pela cabeça do responsável “O que devo dizer ao chefe? Como vou lidar com a comunicação interna? E para fora?” Esta é uma situação real que de facto aconteceu num centro logístico. Apesar da falta de controlo inicial, a organização conseguiu gerir adequadamente a comunicação da crise e reforçar a credibilidade do novo Chief Security Officer (CSO), melhorando as competências da equipa de liderança de topo em situações de crise e investindo na recuperação emocional e mental pós-incidente junto dos colaboradores impactados.

E no seu caso, como se comporta quando ocorre uma crise? Perde o controlo e reage à situação de forma exagerada colocando-se em modo de luta ou fuga? Esta é infelizmente a resposta de muitas organizações que se veem a braços com a necessidade de combater uma crise. No entanto, as organizações bem-sucedidas em vez de ficarem sobrecarregadas com a situação não só resolvem a crise como tiram benefícios dela

1. Como se deve preparar uma organização para a gestão de crises?

Muito do que se apresenta aqui ao leitor ou já é do seu conhecimento ou vai parecer demasiado óbvia. No entanto, conhecemos mais casos que não seguem estes princípios do que os que seguem e quando a crise acontece os efeitos podem ser devastadores.

i. Mudar a mentalidade é o primeiro grande passo

Uma crise pode ser assustadora, mas é provável que venha a acabar por acontecer. Uma resposta natural é fugir ou ignorá-la, mas isso obviamente não é solução e só vai piorar a situação. A solução está de facto numa mudança de mentalidade. A incerteza deve ser abraçada como um facto natural e as crises e a sua preparação um contributo importante para fortalecer a organização tornando-a mais resiliente e permitindo-lhe enfrentar melhor a incerteza no futuro.

ii. É essencial preparar a possibilidade de crise com antecedência…

Primeiro, a empresa deve constituir formalmente um modelo de gestão de crises com papéis e responsabilidades claros através de toda a organização. Segundo, deve preparar planos para diferentes cenários de crise que a empresa e a organização possam enfrentar, o que ajudará a aliviar o “stress” quando uma crise de facto aconteça e a gerir da melhor forma a o desafio que surja.

Em 2012, as lojas de um retalhista do Sul dos EUA foram atingidas pelo furacão Sandy. Como a organização sabia da chegada da tempestade e já tinham passado por vários furacões antes, já tinham preparado com antecedência um plano específico e detalhado para furacões e uma estrutura de gestão de crise para o executar. Esta medida foi crucial para garantir a segurança dos funcionários e a capacidade de recuperar a empresa, permitindo-lhe sair da crise à frente dos seus concorrentes, reabrindo as suas lojas muito antes dos outros retalhistas.

iii. …e ter planos de gestão de crises rigorosos e atualizados.

Um grande erro que muitas organizações cometem é ver a criação de planos de gestão de crises como um exercício de “check the box” e não como parte de uma estratégia global de resiliência – e quando uma crise acontece, ninguém sabe realmente como lidar com a situação porque não há familiarização de ninguém com o plano e este nunca foi praticado em nenhum exercício de crise.

Para ter de facto uma organização bem preparada para a gestão de crises, é preciso encontrar áreas onde os planos de gestão de crise carecem de melhoria. Ter exercícios de rotina e partilhar formalmente os resultados é decisivo para encontrar pontos fracos nos planos de combate na empresa e não deve ser subvalorizado.

Depois de concluir os exercícios e analisar os resultados, devem ser estabelecidas e implementadas as melhorias que a empresa deve introduzir nos seus planos. Este mecanismo de revisão deve ser permanente, rodando periodicamente de plano para plano atendendo à natural evolução das tipologias das crises a que cada um diz respeito.

iv. Aprender com a experiência de empresas que enfrentaram crises similares

Como em qualquer tema de gestão, o benchmarking tem um valor enorme e a gestão de crises não é exceção. Olhar para outras organizações do mesmo setor que passaram por crises semelhantes, como lidaram com elas e que resultados tiveram permite que aos líderes identificar e obter insights das melhores práticas, evitar erros comuns e desenvolver um modelo de gestão de crises ainda mais eficaz.

2. Quais as ações críticas a executar durante uma crise?

i. Assegurar que a resolução da crise é a sua maior e mais urgente prioridade

A última coisa que se quer fazer numa crise é adiar a sua resolução ou minimizar a situação. Quando ocorre uma crise é essencial agir imediatamente e confiar nos planos que a sua organização preparou implementando-os.

Quando o derrame de petróleo da Deepwater Horizon aconteceu em 2010, a BP deixou que o derrame no Golfo se estendesse durante semanas antes de fazer quaisquer “tentativas” para o limitar. Além disso, a forma como a empresa respondeu publicamente ao incidente mostrou que a BP não parecia ver que o tempo era essencial ou levar a sério o futuro da Costa do Golfo. Como resultado, a resposta da BP causou enormes danos reputacionais e financeiros à empresa, exigindo um esforço significativo para finalmente resolver a crise.

ii. Controlar a narrativa

Aprender a controlar a narrativa numa crise significa agir sobre a narrativa para reduzir os seus efeitos negativos ou optar por dar mais ênfase na narrativa a uma determinada parte da história da crise.

Em fevereiro deste ano, a queda de um andaime na fábrica da Repsol em Sines fez dois mortos. A Repsol rapidamente fez sair um comunicado referindo a instauração de um inquérito para conhecer as causas do acidente. Notável neste caso foi a rapidez e o detalhe da comunicação e um toque de particular elegância – em todas as notícias é a Repsol que surge como o alvo do acidente e por inerência o seu responsável, mas numa discreta linha do comunicado entende-se que se tratava de um subempreiteiro – que a Repsol não identifica. A Repsol arca com a flak do acidente e protege um pequeno fornecedor.

No outro extremo surge o caso da morte de uma operária fabril numa fábrica de loiça sanitária na Anadia, em 2009. Em vez de transportar as razões do incidente para a instauração de um inquérito, a empresa reagiu de forma algo precipitada referindo que o acidente poderia ter resultado de um descuido durante as tarefas laborais ou doença súbita. Referir para o exterior que a causa pode ter sido incúria da falecida foi no mínimo deselegante e manchou a imagem da empresa.

iii. Utilizar a crise para reforçar os recursos afetos

Durante uma crise, as fraquezas organizacionais tornam-se aparentes, proporcionando uma oportunidade crucial para os líderes identificarem áreas que necessitam de melhorias ou correções. Estas áreas podem ter sido anteriormente alvo de melhorias, mas devido a várias razões, as iniciativas podem ter encontrado resistência e não foram adequadamente executadas.

Suponhamos que um líder de gestão de crises faça um pedido de financiamento adicional para melhorar a capacidade de notificação de emergência, mas esse pedido seja negado. Quando ocorre um incidente infeliz, como uma situação de um atirador ativo dentro da organização, surge uma oportunidade para garantir o financiamento necessário. O pedido de notificações de emergência reforçadas é novamente apresentado e acaba por ser aprovado.

Noutra dimensão, um acidente que tenha efeitos no funcionamento regular das empresas ou uma crise externa como uma súbita instabilidade num mercado importante podem ser oportunidades para solicitar financiamento a fundo perdido de caráter extraordinário ao Estado.

Em suma, deve prestar-se atenção a cada crise que possa ocorrer, desde que não seja um “cisne negro” praticamente impossível de prever, para que se possa responder da melhor forma caso ocorra de facto.

3. A melhor forma de preparar a gestão de crises é… provocá-las!

Está na natureza de qualquer gestor ver uma crise como um acontecimento com repercussões inevitavelmente negativas para a sua empresa. Mas podemos ver crises numa perspetiva muito diferente – porque quando acontece há uma mobilização suplementar de esforços para a ultrapassar: A organização une-se, as pessoas têm de pensar mais depressa e executar mudanças mais depressa. Como resultado, o que não nos mata torna-nos mais fortes – e a organização sai mais fortalecida do combate.

Mas… e se não houver nenhum problema grande? Haverá uma forma de ter este impacto positivo de aceleração da mudança? Ficamos simplesmente à espera que aconteça?

Muitos especialistas mundiais em reestruturação e gestão de crises defendem a ideia de não esperar por crises mas de as provocar – pegar em pequenos problemas e fazê-los parecer maiores para ganhar a atenção da organização e ter a tal mobilização superior em estado de crise. Ou seja, algumas empresas criam e usam crises para acelerar a sua transformação e desenvolvimento. Como?

  • Identificando problemas escondidos que não sendo “crises” afetam a produtividade e que expostos são prontamente combatidos
  • Encorajando a ação determinada face a problemas que são expostos, unindo a organização na rapidez da sua resolução
  • Reforçando o espírito de equipa graças ao combate por um objetivo comum

Nesta nova abordagem o líder vai procurar os tais pequenos problemas, explicar que resolvê-los é mais importante do que parece e mobilizar a organização com um sentido de urgência.

Em resumo, cria uma crise que acaba por fortalecer o negócio e aumentar a capacidade de combate às crises sérias. Não, não se trata de inventar falsos problemas – trata-se de encontrar e resolver problemas verdadeiros melhorando a preparação da organização para o combate às crises sérias e estar habituada a lutar por objetivos da forma mais eficaz

Vejamos um exemplo.

Uma cadeia de supermercados sofre de abastecimento errático por parte de um fornecedor, provocando roturas de stock ocasionais em artigos de média rotação. Para a maior parte dos gestores não seria um problema grave, falaria com o fornecedor quando houvesse oportunidade. O gestor preparado para crises, no entanto, faria imediatamente uma reunião com as chefias envolvidas, mostrava a perda provocada e a urgência de resolver o problema e garantia que o fornecedor passava a funcionar bem passado um dia ou dois. Este gestor pegou num pequeno problema, ampliou-o para uma crise e mobilizou tudo e todos para a sua resolução. Quando houver algo similar com fornecedores de artigos indispensáveis, uma verdadeira crise, a organização está pronta a responder.

4. Afinal, o que reter do que fica dito

A gestão de crises é um elemento essencial do modelo de gestão de qualquer empresa. As principais crises passíveis de ocorrer devem ter planos de atuação atualizados, uma organização preparada e uma narrativa de comunicação montada.

Se é verdade que se identificam excelentes casos de gestão de crise que servem de exemplo a outras organizações, identificamos outros onde a falta de preparação leva a respostas precipitadas ou demasiado lentas – ambas com maus resultados.

A complacência e a impreparação são de facto os principais inimigos de um bom modelo de gestão de crises. Por isso, há um movimento crescente no qual a gestão de topo transforma internamente problemas geríveis em crises para ter a certeza que a organização está alerta, mobilizada e preparada para quando as crises sérias surgirem.

No fim, todos os casos de crises sérias, bem ou mal geridas, têm uma série de pontos comuns – a importância de uma resposta rápida, de comunicação transparente e relevante, de responsabilidade e da tomada de medidas proativas que respondam às preocupações dos stakeholders, estudando estes exemplos de superior gestão de crises, podem capturar-seleções valiosas para aumentar a eficácia das estratégias de gestão de crises duma empresa.

A capacidade de navegar situações desafiantes com integridade, transparência e uma abordagem centrada no consumidor é hoje crucial na esfera empresarial. E nunca deve ser esquecido que por trás de uma crise bem gerida surgem muitas vezes oportunidades de crescimento e de melhoria.

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