Compensação pelas despesas em teletrabalho: equilíbrio laboral em debate

  • Ricardo Nascimento
  • 4 Outubro 2023

Esta compensação vista sob a ótica do trabalhador pode ser considerada insuficiente. Já pelo prisma do empregador, a legislação pode ser vista como mais um encargo numa realidade económica desafiante.

O advento e crescimento contínuo das tecnologias da informação, em conjunto com as mudanças sociais recentes aceleradas pela pandemia da COVID-19, provocaram uma reconfiguração significativa do ambiente laboral. Em Portugal, como em muitos outros lugares do mundo, o teletrabalho tornou-se uma alternativa, inicialmente circunstancial, que rapidamente ganhou ares de permanência. A Portaria n.º 292-A/2023, publicada a 29 de setembro surge, neste contexto, como uma resposta legislativa a uma realidade que se impôs.

Mas, como ocorre com toda legislação que enfrenta a tarefa de regulamentar novas realidades, surgem questões: A norma equilibra devidamente os direitos e responsabilidades dos trabalhadores e empregadores? Quais as potencialidades e limitações deste novo diploma?

Desde já, é louvável a iniciativa do legislador português em reconhecer, formalmente, os encargos adicionais que o teletrabalho pode gerar para o trabalhador.

A clareza das disposições da Portaria que entrou em vigor a 1 de outubro proporciona segurança jurídica ao trabalhador, que pode reivindicar esses valores de compensação sem temer represálias ou ambiguidades. Trabalhar a partir de casa, embora possa trazer comodidades de evitar deslocações ou de trabalhar num ambiente familiar, traz consigo custos. O gasto de energia elétrica, a necessidade de uma ligação à internet mais robusta ou até a aquisição e manutenção de equipamentos tornam-se realidades inescapáveis. Deste modo, ao estabelecer compensações como os 0,10 euros pelo consumo de eletricidade, os 0,40 euros para o uso da internet ou 0,50 euros para uso de computador ou equipamento informático equivalente pertencente ao trabalhador, a referida Portaria avança ao dar visibilidade a estes encargos e ao tentar garantir que não recaiam exclusivamente sobre o trabalhador.

Acontece que, esta compensação, vista sob a ótica do trabalhador, pode ser considerada insuficiente: E, convenhamos, tais valores isentos de tributação são muito baixos. Se somarmos os valores estipulados, chegamos a um montante que ronda o 1 euro por dia, traduzindo-se, na prática, a cerca de 22 euros mensais. Ainda que possa existir uma majoração de 50% prevista em contratação coletiva (para 33 euros), a questão que se impõe é: este valor cobre efetivamente os gastos adicionais gerados pelo teletrabalho? Para muitos trabalhadores, a resposta poderá ser negativa, especialmente se considerarmos que o consumo energético de uma habitação pode aumentar consideravelmente com a permanência contínua e o uso constante de equipamentos eletrónicos.

Já pelo prisma do empregador, a legislação pode ser vista como mais um encargo numa realidade económica já desafiadora. Muitas empresas enfrentaram e enfrentam dificuldades derivadas das restrições pandémicas e da necessidade de adaptação rápida a novos modos de operação. Assim, a imposição de compensações adicionais pode ser percebida como mais um peso no orçamento empresarial. Adicionalmente, poderá argumentar-se que a flexibilidade e a possibilidade de continuação de atividades proporcionadas pelo teletrabalho já são, em si, benefícios para o trabalhador que melhoram a sua qualidade de vida.

Um ponto fulcral da Portaria é que ela apenas se aplica quando os bens ou serviços em questão não são fornecidos pelo empregador. Tal diploma oferece a opção de fornecer equipamentos e serviços diretamente ao trabalhador, permitindo maior controlo sobre as ferramentas e tecnologias utilizadas.

Em resumo, a Portaria n.º 292-A/2023 reflete uma tentativa legítima de atualizar o quadro jurídico-laboral português a uma realidade que se consolidou rapidamente. Contudo, como toda legislação pioneira, traz em si desafios e questões. O equilíbrio entre direitos e deveres, no âmbito laboral, é um caminho sinuoso, que demandará constante revisão e adaptação. A discussão aqui apresentada não esgota o tema, mas pretende fomentar o debate sobre como tornar o teletrabalho uma prática justa e equilibrada para todas as partes envolvidas.

O importante, contudo, é que a regulamentação mostra a capacidade de adaptação do sistema jurídico português à realidade laboral em constante evolução, pavimentando o caminho para futuras discussões e aprimoramentos na busca incessante pelo equilíbrio entre direitos e deveres no âmbito laboral.

  • Ricardo Nascimento
  • Sócio da PRAGMA

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