Concurso de credores e o crédito de indemnização

  • Vasco Baptista
  • 28 Junho 2020

Vasco Baptista alerta para a profusão do designado liability insurance e dos clausulados estrangeiros, traduzidos para português sem cuidado e os efeitos que pode ter nas indemnizações a pagar.

Um dos problemas frequentemente estudados em Direito dos Seguros é o de quando o capital contratado é insuficiente para pagar todas as indemnizações. Isto ocorre por diversas razões:

  • Ou porque os lesados são vários e as indemnizações severas;
  • O capital coberto contratado desadequado ao risco a segurar;
  • Ou a apólice não foi corretamente desenhada para separar e delimitar sub-capitais em função das coberturas.

Na primeira situação, a solução legal é pacífica, os lesados (por vezes também designados de sinistrados, ou reclamantes) são indemnizados na proporção, pro rata, pelo dano sofrido face ao capital coberto. Distanciámo-nos assim doutras soluções como 1st to Claim, 1st to Settle, etc.
Claro está, esta solução legal é imperativa, apesar de omissa na lei, uma vez que a sua imperatividade se funda diretamente no princípio da igualdade, o que proíbe o tratamento discriminatório também dos reclamantes ou beneficiários.

A questão que se colocaria em seguida é se todos os sinistrados ou lesados têm a mesma posição. É nesta parte que importa distinguir os chamados lesados-reclamantes (ou sinistrados, também 3rd party claimants) dos segurados-reclamantes (também designados de 1st party claimants). Daqueles que são homogéneos, ainda assim seriam interessante discutir se são todos iguais, ou se não deveria haver uma ordenação preferencial de créditos indemnizatórios, p. ex: entre um lesado de danos corporais e um lesado exclusivo de danos materiais, do mesmo sinistro, claro está.
Relativamente a credores heterogéneos (lesado vs. Segurado) o que importa analisar é o crédito indemnizatório.

O Crédito de Indemnização, por vezes frequentemente ignorado, é uma garantia legal de que o lesado ou beneficiário da prestação da seguradora, a recebe efetivamente. Inicialmente concebido para proteção dos lesados da situação de insolvência do Segurado, relativamente aos demais credores, cedo se percebeu que outras situações jurídicas poderiam perigar a possibilidade de os lesados serem ressarcidos.
Obviamente, este privilégio creditório, é imperativo e não pode ser afastado pelos clausulados das apólices.
A minha conclusão é a de que estes têm ignorado, não raras vezes esta realidade, particularmente em Seguros Multirriscos, em que várias coberturas concorrem para um mesmo capital coberto.

Esta realidade reflete-se num problema jurídico premente nos seguros de responsabilidade civil, particularmente os Profissionais e os dos administradores e directores (D&O Insurance). Estes, como exemplo paradigmático, preveem coberturas de gastos ou custos de defesa, despesas judiciais, etc. que mais não são do que coberturas complementares ou acessórias de Proteção Jurídica. Estas coberturas são contratadas no interesse do próprio Segurado (ou Tomador se houver a confusão na mesma pessoa), em inglês 1st Party Coverage.

Na prática, com a profusão do designado liability insurance e da intrusão dos clausulados estrangeiros, traduzidos para português sem prévia tradução cuidada, revelou numa debilidade dos chamados costs inclusive, contribuem para uma erosão da prestação indemnizatória que o terceiro possa vir a beneficiar. Claro está que nos países de origem estas soluções contratuais fazem sentido – caso de Espanha que são expressas na Lei. Em Portugal, tratando-se este de um contrato a favor de terceiro, obviamente esta solução é inadmissível à luz do nosso quadro legal, correndo o risco de a seguradora ter de pagar acima do limite de indemnização contratual estabelecido.

  • Vasco Baptista
  • Jurista/Gestor de Sinistros na AIG.

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