Conselhos Europeus
Se a Europa não está preparada para controlar a direita radical, estará a Europa preparada para enfrentar a direita revolucionária?
Vamos para além das “celebrações” nacionais pela escolha de um político português para Presidente do Conselho Europeu. Agora somos uma República com dois Presidentes. Vamos sobretudo para além do sectarismo vazio que enaltece os nossos e desvanece os outros. Somos uma cultura política periférica que se deslumbra quando se surpreende a si mesma – É Portugal a gostar de Portugal pelo facto de ser Portugal.
Convém salientar que não vamos enviar um santo para Bruxelas nem um salvador para a Europa. Mas a política portuguesa sofre de um peculiar sebastianismo em que anda sempre a salvar o Mundo. Na maravilha fatal da nossa idade, só falta mesmo salvar Portugal. Mas para salvar o país temos tempo, sobretudo agora quando o Presidente do Conselho Europeu é português. Alguém lembra o “efeito moderador” do novo homem de Bruxelas, que é o velho homem de São Bento, na política nacional.
Em Portugal haverá moderação, orçamento aprovado, estabilidade governativa, um Presidente em Belém feliz pelo prestígio internacional e contente pelo progresso nacional. Todos parecem esquecidos de que Bruxelas é uma cidade austera, rodeada de florestas, com um frio seco e uma realidade política complexa. Bruxelas é a Babel da Europa. Bruxelas é a capital da “Zooropa”. Bruxelas é o símbolo de um projecto político continental, o lugar de todos os corredores e gabinetes da burocracia, o cérebro da Europa das directivas, o ponto de irradiação do centralismo institucional, dos lobbies ambiciosos, dos jogos de poder. O que os políticos portugueses querem ver é o glamour da Europa e no centro do glamour um português. O português que como Presidente do Conselho Europeu será o imperador dos consensos. Ponto final para a alegria nacional.
Nestes dias ocupados à mesa das negociações entre famílias europeias sai um eixo político que une Tallinn, Berlim e Lisboa. Uma linha recta pode ser traçada no mapa da Europa ligando a Estónia, a Alemanha e Portugal. É a visão da nova Europa do Báltico ao Atlântico, passando pelo epicentro da Alemanha fundadora e raiz e matriz do projecto europeu. Neste novo equilíbrio político temos três momentos da história da Europa – a “Hora Zero” da Alemanha, o alargamento ao Sul da Europa, a integração do Leste da Europa.
Neste velho equilíbrio político temos as três grandes famílias da Europa – democratas-cristãos, socialistas, liberais. A geografia é nova, mas o arranjo político é um clássico europeu. Existe uma certa perplexidade neste eixo político que exclui a Itália. A Itália que representa uma nova tendência na Europa que é a ascensão da direita radical e de uma outra ideia de Europa. A Europa de Georgia Meloni representa um projecto pós-fascista que coloca no centro da questão europeia a importância das soberanias em cenário pós-nacionalismo. A direita radical na Europa é a versão pós-moderna das ideias radicais à direita anteriores à criação do projecto europeu. Não é possível hoje conceber a Europa sem estas forças políticas que pensam e sonham com outra filiação europeia. O eixo linear Tallinn, Berlim, Lisboa, ignora uma realidade social e política que não pode ser ignorada. E a ser ignorada incorpora na Europa os riscos da desintegração interna em tempos de guerra no Velho Continente.
Outro aspecto preocupante neste eixo de poder é o facto da linha política passar pelo território da França sem uma pequena pausa para reflexão. A grande questão europeia está hoje centrada no papel da França na nova ordem europeia a construir. É impossível imaginar a Europa sem a França. É impossível imaginar a Europa com o actual pensamento político da direita radical de Le Pen. A França na ironia de uma cultura política soberanista, estatista, centralista, poderá injectar dois efeitos políticos numa Europa em transição.
Por um lado, esta cultura política contraria uma visão da política e das políticas públicas como o “domínio dos especialistas” e o “território das elites”, com a desvantagem e a exclusão dos “cidadãos normais”. Nesta leitura os “cidadãos normais” são meros espectadores submissos e passivos do processo político. A nova direita radical é a voz insubmissa de todos os cidadãos excluídos – esta é a fonte e a origem do “populismo”.
Por outro lado, esta cultura política afirma e defende que a passividade e a paciência dos cidadãos não são infinitas e têm os limites inerentes à exclusão de toda uma população. Esta exclusão do processo político pode no limite próximo interpretar as acções do poder político como o exercício ilegítimo de uma “agência externa”. Esta interpretação política típica do Rassemblement National justifica o uso da violência contra um poder observado como coercivo e opressor – esta é a razão e o argumento em que a direita radical se transforma em direita revolucionária.
A Europa será uma coisa com a França e será outra coisa com a França. Tudo depende de quem domine politicamente a França. Se a Europa não está preparada para controlar a direita radical, estará a Europa preparada para enfrentar a direita revolucionária?
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