O país que tudo fez para reabrir as escolas!
Os governos de países que priorizam a educação procuraram soluções mais ou menos criativas para recuperar o tempo perdido. E em Portugal?
No regresso ao trabalho nas universidades em Copenhaga, tivemos a agradável surpresa de as encontrar ocupadas por um público ainda mais jovem, alegre e barulhento do que os habituais alunos universitários: alunos do ensino secundário de escolas da região, enquanto os universitários estava a ter aulas à distância.
De facto, quando o Governo Dinamarquês decidiu abrir as creches, jardins de infância e ensino básico a 15 de Abril, e mais tarde o preparatório a 10 de Maio, percebeu que nalguns casos as instalações escolares não permitiam o adequado distanciamento social (por exemplo manter carteiras a dois metros de distância). Mas logo arranjou alternativas bastante criativas, o conhecido parque de entretenimento da cidade Tivoli, jardins zoológicos, o Museu Nacional da Dinamarca, ou estádios de futebol, ou as universidades, entre outros, começaram a ser utilizadas como escolas temporárias e creches, onde muitas atividades passaram a ser realizadas ao ar-livre e foram implementados procedimentos adequados de higienização e limpeza.
Por exemplo, para gáudio de muito alunos, a pandemia transformou em “sala de aula” o maior estádio da Dinamarca, a casa do atual campeão dinamarquês do FC Copenhaga com capacidade para 38 mil lugares, onde cerca de 200 alunos passaram a ter aulas. Não admira que a Dinamarca esteja consistentemente entre os países mais felizes do mundo!
Reabrir as escolas, desconfinar as crianças em idade escolar e mandá-las para as suas atividades letivas, mesmo que com muitas adaptações, foi desde cedo uma clara prioridade na Dinamarca. Esta decisão terá sido fundamentada no melhor conhecimento disponível e em linha com o apelo das organizações internacionais, incluindo o próprio Secretario Geral das Nações Unidas que pediu aos governos para priorizarem a educação de todas as crianças, incluindo as mais marginalizadas.
Em Abril, a UNICEF publicou as suas “Recomendações para a reabertura das Escolas” em que alertava que manter as escolas fechadas “apresenta um risco sem precedentes à educação, proteção e bem-estar das crianças.” E explicava “as interrupções no tempo de ensino em sala de aula podem ter grave impacto na capacidade de aprendizado das crianças. Quanto mais tempo as crianças socialmente vulneráveis estiverem fora da escola, menor a sua probabilidade de retornarem”.
Por outro lado, a retoma das atividades escolares parecia acarretar baixos riscos. Por exemplo, o prestigiado British Medical Journal publicou a 5 de Maio um artigo intitulado “As crianças não são ´super-transmissoras´ de COVID-19: é tempo de voltarem à escola” (“Children are not COVID-19 super spreaders: time to go back to school”) em que os autores defendiam que os governos de todo o mundo deveriam mandar as crianças para a escola. O argumento é que as crianças, mesmo assintomáticas, têm uma baixa propensão de transmitir a doença. Portanto são um grupo de baixo risco, e não têm propensão para transmitir a doença a outros. Isto tornou-os ótimos candidatos ao desconfinamento antecipado.
Entretanto, passaram dois meses sobre a primeira fase da abertura das escolas, e tendo já reaberto praticamente tudo o que havia para abrir, existe evidência que permite concluir que a abertura das escolas foi inofensiva no que respeita ao propagar da doença. Hoje a pandemia parece perfeitamente controlada.
Mas se a Dinamarca foi o primeiro país a abrir escola, logo outros se seguiram, e mesmo países severamente afetados, como a França ou o Reino Unido, fizeram recentemente anúncios no mesmo sentido. Alexandre Homem Cristo (que é talvez quem tem escrito de forma mais consistente sobre o devastador impacto de não se abrirem as escolas), notava que o Ministério da Educação francês lançou um conjunto de iniciativas e apoios às famílias a que chamou de “férias de aprendizagem”.
Numa tentativa de recuperar o tempo perdido, foram lançadas escolas abertas, atividades sociais e apoios para a frequência de colónias de férias com o objetivo de envolver um milhão de crianças entre Julho e Agosto,
De facto, os governos de países que priorizam a educação, procuraram soluções mais ou menos criativas para ultrapassar o problema e tentar recuperar o tempo perdido.
E Portugal?
É completamente incompreensível e até criminoso (como sugeriu Luís Aguiar-Conraria no seu certeiro artigo de 6 Junho no Expresso), observar que em Portugal o ensino não retomou (com a exceção do pré-escolar e dos 11º e 12º anos), nem foram anunciadas alternativas credíveis que permitam o retomar da aprendizagem.
Ao mesmo tempo em que o Governo ia decidindo (e bem) reabrir outros sectores da sociedade portuguesa (incluindo o ensino superior) esperava-se mais, muito muito mais do ministro da Educação. Continua aliás a ser urgente que o ministro venha a terreiro explicar porque decidiu comprometer a educação de tantos milhares de crianças e adolescentes, numa idade absolutamente crítica para o seu desenvolvimento.
Não foi certamente por falta de estádios ou nas instalações universitárias disponíveis que se optou por nada fazer. As reações da FENFROP, não diferentes em tempo de pandemia daquilo a que nos foram habituando, dão-nos algumas pistas, sendo fácil imaginar que nenhuma das inovadoras soluções encontradas noutras países seria sequer vagamente aceitável em Portugal.
A comparação entre Portugal e a Dinamarca no que respeita ao ensino não-superior é particularmente surpreendente porque os dois países tiveram um posicionamento muito parecido no combate à pandemia e até uma evolução da curva epidemiológica semelhante. Aliás, ambos os países receberam justos elogios pela forma como geriram a fase inicial crise.
Infelizmente, a partir de 15 de Abril as ações dos respetivos ministérios da educação passaram a ser totalmente diferentes. Se os países já apresentavam à partida níveis educacionais diferentes, é fácil antecipar que a desigualdade vai aumentar prejudicando principalmente os mais pobres, com claro prejuízo para Portugal, comprometendo o futuro dos milhares de jovens e crianças que frequentam os 10 anos de escolaridade e estão há 6 meses em casa. Infelizmente, parece ser assim que Tiago Brandão Rodrigues ficará na história.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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