
De Paredes ao Efanor, duas realidades num só país
Em setembro, indignamo-nos com a anormal falta de professores e, ato contínuo, somos apanhados de surpresa com as lacunas no setor da saúde. Todos os anos é assim, sem exceção.
Um dos lados bons de Portugal é a sua previsibilidade. Parece que vivemos num loop ininterrupto e eterno. Todos os anos temos os mesmos problemas: nas mesmas alturas levantamos as mesmas preocupações ou desígnios nacionais. O ano começa insistentemente com cheias, que nos chocam a todos. No verão, chegam os inesperados incêndios, que apanham as nossas forças desprevenidas. Em setembro, indignamo-nos com a anormal falta de professores e, ato contínuo, somos apanhados de surpresa com as lacunas no setor da saúde. Todos os anos é assim, sem exceção, e, infelizmente, este texto será atual hoje, para o ano, no seguinte e por aí em diante.
Um destes debates anuais é o da relevância dos rankings das escolas. Todos os anos surge, tanto quem os considere uma alarvidade sem significado, como quem os defenda enquanto alfa e ómega da qualidade do ensino. Como em quase tudo, a sensatez está no meio e, sendo evidentemente importantes, é natural que não nos digam tudo.
A qualidade de uma escola é muito mais do que a avaliação de um dia, é muito mais do que a preparação para um exame. Eu, que tive o privilégio de ter frequentado um destes colégios, que já nos habituaram aos lugares cimeiros deste indicador, o Colégio Efanor, sei, por experiência própria, que lá o conhecimento, o pensamento crítico, a curiosidade e a preparação para circunstâncias diversas eram os elementos centrais. O restante sucesso surgiu naturalmente, ancorado nestes valores. Bem sei, no entanto, que não é assim em todas as escolas e que, com frequência, estes rankings não avaliam com exatidão (nem procuram) a qualidade do ensino.
A relevância desta numeração é outra. Num sistema de acesso onde os exames nacionais contam, pelo menos, 45% da nota de ingresso é evidente que a performance dos alunos, por escola, nos fornece informações importantíssimas para avaliarmos o estado do ensino público e as desigualdades no acesso ao ensino superior.
Quando ainda este ano, no Dia do Estudante, se ouviu gritar pelo fim das propinas tivemos a prova viva de que a cegueira ideológica tomou parte expressiva do movimento estudantil. Foi verdadeiramente confrangedor ver aquelas imagens. É claro para qualquer família que o maior entrave ao acesso, a jusante, é o alojamento. Mas, mais importante do que isso, diria, era discutirmos as inúmeras barreiras que os estudantes mais desfavorecidos enfrentam ao longo da sua escolaridade. Era perguntarmo-nos quantos ficam para trás? É aqui que reside o mérito desta lista.
Quando olhamos para a deste ano, descontando as diferenças entre jornais, há algumas tendências que gostava de destacar. Segundo o Observador, nas primeiras 45 escolas aparece apenas 1 escola pública. Apesar de haver, segundo a DGEEC, 32% de escolas privadas, nas últimas 250 instituições surgem apenas 10 privadas (4%), enquanto a décima melhor escola pública ocupa apenas o 63º lugar. Das 57 escolas com notas médias, em exames, inferiores a 10,0 valores, 55 são públicas. Não há forma de olhar para estes números senão com alarme.
Os rankings não nos dizem que os alunos de colégios privados saem mais bem preparados para o ensino superior, dizem-nos apenas que saem muito mais bem colocados. Isso devia ser suficiente para nos levar a pensar no rumo que estamos a dar ao nosso ensino público. A segregação, neste momento, é próxima da totalidade: quem pode pagar não hesita em colocar os filhos numa escola privada, mesmo que daí resultem sacrifícios financeiros. As famílias, em Portugal, poupam, não com receio do ensino superior, mas para garantir que os seus filhos tenham notas para lá entrar.
Não posso aceitar que a inteligência, o mérito ou a competência dependam do dinheiro ou da cidade onde nascemos. Tornar o sistema justo é dar oportunidades a todos, desde o início. Hoje não acontece, as disparidades são demasiadas. O sistema público, sem as elites, tornou-se um sistema resignado, conformado, destinado aos que não podem fugir. Adorava saber quantos dos nossos governantes têm ou tiveram os filhos em escolas públicas. Não para os condenar, apenas para perceber o quão desconhecem o sistema. Com este texto, não quero, de forma alguma, fazer uma crítica aos professores: andei pelo ensino público 9 anos, o meu irmão 12 e sei que muitos fazem tanto com tão pouco, mas sim àqueles que durante anos, por negligência ou incompetência, deixaram que chegássemos a este ponto.
Muitas foram as vezes em que pensei em quantos dos meus colegas de Paredes, se tivessem tido a mesma bolsa que eu, poderiam ter entrado numa faculdade melhor, mais perto de casa, ou no curso que queriam. Ainda hoje penso em como, da escola primária da minha vila, poucos foram os que chegaram ao ensino superior. Do Efanor, ninguém ficou para trás, e a quantidade de médicos, advogados e engenheiros é notável. Aqui estão as desigualdades, vêm diretamente da nossa origem e só consegue assobiar para o lado quem não faz ideia do que para aqui estive a escrever.
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