Depois do FMI, que tal começar a pagar os empréstimos europeus?
Portugal tem bastante a ganhar se pagar antecipadamente a fatia do empréstimo do FEEF que vence em 2025. Não pela poupança de juros, mas para alisar o calendário de pagamentos de dívida.
Sete anos e meio depois da chegada da troika a Lisboa, e do primeiro cheque, o Governo anunciou que Portugal vai saldar a dívida que tem com um dos credores. Mais precisamente com o mais caro, o FMI. Será agora o momento ideal para dar mais um passo e antecipar também o pagamento dos empréstimos europeus?
Tal como aquando da saída do programa, Portugal replica mais uma vez a estratégia seguida pela Irlanda, que anunciou também praticamente há um ano que iria saldar antecipadamente toda a sua dívida ao FMI. Ainda assim, não deixa de ser notável que Portugal tenha conseguido melhorar a sua credibilidade no mercado ao ponto de ter condições bastante mais vantajosas do que as oferecidas pelos senhores de Washington. A redução das taxas de juro não seguiu um caminho linear e dependeu não só de fatores externos, mas também internos.
Em grande medida, o BCE foi o grande responsável pela descida das taxas de juro, logo em 2012/13, mas principalmente depois de 2015 com o programa de compra de dívida soberana. Ainda assim, é bom lembrar que Portugal apenas pode beneficiar desta benesse por ter mantido uma politica orçamental minimamente responsável, tendo reduzido o défice (praticamente para 0) e estando já a reduzir a divida em percentagem do PIB.
Taxas de juro de obrigações soberanas em mercado secundário (10 anos, em %)
Fonte: Banco Central Europeu
No verão de 2013, as taxas subiram durante a “crise do irrevogável “e voltaram a fazê-lo em 2016 depois da apresentação do primeiro orçamento da geringonça e do choque com a Comissão Europeia que levou igualmente a uma maior desconfiança do mercado. No entanto, desde o primeiro trimestre de 2017, em que se tornou mais visível a estabilização do setor financeiro e a apresentação dos primeiros bons resultados orçamentais por Mário Centeno, que as taxas de juro voltaram a descer para valores mínimos, rondando agora os 2% no prazo de 10 anos, menos de 1% a 5 anos. O mesmo comportamento é válido para o diferencial face ás taxas alemãs, que se encontra próximo dos valores mais baixos dos últimos 10 anos em praticamente todos os prazos.
Mais recentemente, o bom momento de crescimento comportamento orçamental, pelo menos no que ao valor do défice diz respeito, tem sido tal que as taxas de juro portuguesas tem vindo a cair não só face a Itália (sendo já inferiores) mas até face à Espanha. (talvez o senhor Pedro Sanchez tenha algo a aprender com António Costa). Já face à Irlanda, o diferencial tem vindo a descer, mas ainda assim mantém-se bastante elevado, com o robusto crescimento irlandês e solidez das finanças publicas a levarem o seu custo de financiamento a 10 anos para menos de 1%.
E o que fazer agora? Faz sentido continuar a seguir o exemplo da Irlanda (que até tem taxas de juro bem mais baixas) e não pagar ainda antecipadamente os empréstimos europeus? Ou será melhor fazer o mesmo que tem sido feito pela Espanha já desde 2014 e começar já a pagar alguns desses empréstimos?
A resposta a esta pergunta não é fácil nem imediata, mas diria que faz todo o sentido pelo menos ponderar pagar antecipadamente parte dos empréstimos europeus, sem alterar a atual almofada de liquidez que continua a proteger Portugal de eventuais choques externos. E faz sentido não necessariamente apenas por uma questão financeira, mas principalmente para garantir um “alisamento” das necessidades de financiamento do estado e assim garantir uma melhor gestão dívida pública.
Vamos por partes. Ao contrário de Espanha, que foi totalmente financiada pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), Portugal e a Irlanda foram não só financiados pelo MEE (ou mais concretamente pelo seu antecessor o FEEF), mas também pelo MEEF que é um instrumento da comissão europeia (da União Europeia a 28). No caso português, o empréstimo divide-se praticamente em três partes iguais de 26 mil milhões de euros de cada uma das instituições.
O FEEF financia-se em mercado a prazos distintos dos seus empréstimos e faz a sua própria gestão de risco de crédito e de liquidez, pelo que é mais simples pagar antecipadamente ou alterar as maturidades, do que no caso do MEEF, já que o financiamento deste é feito à medida dos empréstimos que faz (‘back to back’) pelo que, para os pagar antecipadamente, o MEEF também teria de ter o acordo dos seus múltiplos investidores em serem refinanciados antecipadamente, algo mais difícil de assegurar.
Custo e maturidade dos empréstimos da ‘Troika’
Fonte: IGCP (Boletim Mensal de Novembro de 2018) e cálculos do autor
Restam, portanto, os 26 mil milhões emprestados pelo FEEF. Atualmente, e de acordo com os dados do IGCP incluídos na tabela 1, este empréstimo tem uma taxa de juro de 1.8% e uma maturidade de 14 anos e meio. Tendo em conta o elevado montante deste empréstimo e que a taxa está abaixo de da taxa de mercado para a mesma maturidade (cerca de 2.3%), à primeira vista não parece fazer sentido sequer ponderar o pagamento antecipado. No entanto há que ter em conta dois fatores:
- Apesar da maturidade residual de 14.5 anos, uma fatia não negligenciável deste empréstimo (cerca de três mil milhões de euros) vence daqui pouco mais de seis anos, e neste caso, Portugal até tem alguma vantagem financeira em antecipar o pagamento e substitui-lo por dívida de mercado com a mesma maturidade já que se pode financiar por cerca de 0.8%, ou seja, menos 1% do que o custo do FEEF.
- No entanto, a maior vantagem não advirá estritamente de uma poupança de juros (que poderia atingir cerca de 30 milhões de euros por ano). 2025 é um ano em que as necessidades de financiamento do Estado se afiguram particularmente elevadas, atingindo perto de 18 mil milhões de euros. Tendo em conta que estas necessidades se reduzem substancialmente nos anos seguintes, faz todo o sentido substituir este empréstimo por nova dívida de mercado de maior maturidade (cerca de 10 anos), mesmo que com uma taxa de juro semelhante à do FEEF (1.8%). O mercado (e as agências de rating) certamente que aprovariam esta escolha já que melhoraria substancialmente o perfil de financiamento da Republica.
Ambos os fatores são bem visíveis neste gráfico:
Calendário de amortizações (mil milhões de euros)
Já no caso da Irlanda, as vantagens são menos claras, já que o primeiro vencimento da dívida do FEEF ocorre apenas em 2029, estando o grosso dos restantes vencimentos concentrados até 2034, pelo que ainda que tenha vantagem financeira já que as taxas a 10 anos estão bastante mais baixas do que as portuguesas, não terá a mesma vantagem do ponto de vista de gestão de liquidez.
Vencimentos da dívida irlandesa ao FEEF (milhões de euros)
Fonte: Mecanismo Europeu de Estabilidade
Concluindo: ainda que não seja tão evidente como no caso da dívida ao FMI, Portugal tem bastante a ganhar se pagar antecipadamente a fatia do empréstimo do FEEF que vence em 2025. Não necessariamente para poupar algumas dezenas de euros por ano, mas principalmente para continuar a alisar as suas necessidades de financiamento futuras. Com uma dívida pública tão elevada, Portugal deve optar por uma gestão prudente e por um perfil o mais “certo” possível. Substituir a dívida ao FEEF por dívida de mercado com um prazo mais longo daria um bom contributo para essa gestão.
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