Devem os Grupos Familiares abrir o seu capital?

Se um grupo tiver dimensão, a entrada em Bolsa ou o acolhimento de um investidor podem trazer não só capital mas benefícios que fechado o grupo nunca alcançaria sozinho.

Se um grupo tiver dimensão, a entrada em Bolsa e/ou o acolhimento de um investidor externo muitíssimo bem escrutinado podem trazer não só capital mas benefícios que fechado o grupo nunca alcançaria sozinho.

Os Grupos Empresariais de raiz Familiar tendem a preservar a totalidade do seu capital nas mãos da Família . Ainda esta semana o Presidente Executivo da Bial, António Portela, referiu no contexto do centenário do Grupo que abrir o capital da empresa permitiria “acelerar o crescimento”, mas que essa hipótese não é coisa que o faça “perder muito tempo”. Não está em causa a cedência ao exterior da maioria ou do controlo do Grupo, mas apenas de uma participação minoritária no Grupo… ainda assim, a maior parte dos Grupos fecha-se sobre si próprios. Não obstante, cada caso é um caso e temos observado muitos exemplos de relevo em Portugal como noutros países que pensam do modo diferente quanto a uma abertura minoritária do seu capital ao exterior e de várias formas:

  • ou porque o Grupo decide abrir o seu capital em Bolsa;
  • ou porque surge um investidor estratégico que aporta benefícios para a Família e que vê ele próprio, naturalmente, um investimento vantajoso a longo prazo;
  • Ou ambas as situações

Será que o balanço da entrada em bolsa é prejudicial a um Grupo Familiar? E será que a abertura da porta da sala do Conselho a um investidor externo à Família não compensa os riscos potenciais e deve ser evitado? Para enquadrar a reposta a estas questões vale a pena recordar as vantagens competitivas dos Grupos Empresariais de raiz Familiar face aos grupos privados que enunciei num artigo há alguns meses atrás. E avaliar se pode de facto haver uma erosão dessas vantagens com a abertura minoritária de capital.

Os grupos familiares constituem a coluna vertebral de qualquer economia não só porque pesam mais de 50% do PIB ou do emprego mas pura e simplesmente porque têm maior longevidade e um desempenho superior aos grupos não familiares graças a quatro características marcantes.

Primeiro, um foco de longo prazo mais vincado, marcado pela preocupação de reforçar o legado para as próximas gerações sustentando os seus atributos e valores.

Segundo, um compromisso mais forte com o negócio traduzido na união, no sentido de responsabilidade e na maior dedicação dos membros da família ao seu grupo.

Terceiro, maior facilidade e rapidez na tomada de decisão, graças ao envolvimento dos decisores no negócio e à concentração do controlo do capital nas mãos da família.

E, por último, os valores fundamentais distintivos que geram uma cultura empresarial forte e agressiva refletida em vantagens competitivas concretas no seu setor de atuação.

Para além destas quatro características, os grupos familiares tendem a ser mais eficazes na retenção de colaboradores devido à presença de acionistas familiares numa lógica de longo prazo e à partilha do espírito de família com os colaboradores, mais rápidos e flexíveis já que a união da família acionista se reflete numa maior capacidade de adaptação à mudança e de velocidade de execução e com uma superior reputação de mercado e capacidade de preservação de relações duradouras com o cliente – que aprecia o toque pessoal, o acesso direto a acionistas decisores, a cultura de compromisso ou a confiança no apelido.

Quando pensamos na abertura do capital na Bolsa e tendo presente que isso implica uma massa crítica que exclui muitos grupos familiares, rapidamente concluímos que não há qualquer razão para que estas características ou vantagens sofram uma erosão. As obrigações fiduciárias vão obrigar a uma maior formalidade na governação do grupo mas isso não impede a sua flexibilidade de gestão ou de ação no terreno. Pelo contrário, vai aportar em muitos casos um aumento do nível de disciplina, de autoescrutínio e de fortalecimento da Alta Direção com representantes dos maiores acionistas externos que se traduz numa melhoria da qualidade da governação do Grupo.

O Grupo Jerónimo Martins ou o Grupo Mota Engil são apenas dois exemplos da opção pela cotação em bolsa, sem perda do controlo pela Família, e dos benefícios que essa exposição foi trazendo ao longo dos anos. E a estes grupos familiares poderíamos juntar dezenas de estrangeiros como a Inditex, a LVMH, a BMW, a Siemens.

Já quando se considera a entrada de um investidor externo isolado no capital da empresa a situação é muito diferente. Uma coisa é abrir o capital em Bolsa e acolher uma estrutura fragmentada de investidores, outra acolher um único investidor externo com um poder portencial muito maior.

Parece à partida má ideia, mas não é se forem cumpridas algumas condições.

Primeiro, tem de ficar claro que todas as características e vantagens que marcam o grupo e que referimos acima são rigorosamente respeitadas e, mais do que isso, profundamente partilhadas pelo novo acionista.

Segundo, qualquer posição que o novo acionista deseje ter na estrutura de governação tem de acrescentar valor de per se e assegurar uma continuidade virtuosa das qualidades do modelo de gestão do grupo demonstradas pelo seu desempenho histórico.

Terceiro, caso se trate de um investidor industrial do setor, seguramente que a identificação, avaliação e materialização de sinergias operacionais joga no melhor interesse de ambos e haverá bom trabalho a fazer aqui.

No entanto, a interferência do novo acionista na estratégia ou nas operações do negócio do Grupo em que entrou terá de ser levada com o maior cuidado – noutras palavras, ou a sua persuasão e a qualidade das suas ideias arrebatam a Família ou mais vale ao novo acionista estar sossegado e deixar-se levar num barco que já demonstrou as suas capacidades.

A admissão de um investidor externo passa por isso por uma avaliação de “due dilligence” complexa e aturada do seu perfil para que, uma vez dada luz verde, haja um casamento perfeito para muito tempo. Há dois belos exemplos desta situação em Portugal.

  1. O primeiro é a entrada do Grupo Castel na Sumol Compal – o grupo nacional acolhe um parceiro francês muito maior e do mesmo setor mas desde o início que fica claro quais as áreas de sinergia a explorar (Árfrica) e que tudo o resto se mantém sob a direção e controlo da Família Eusébio, exatamente como sempre foi. A parceria está a comemorar dez anos de harmonia em 2014 e o Grupo Castel tem na realidade uma interferência muito limitada no Grupo nacional.
  2. O segundo, maior e já em 2020, é a entrada da grande construtora chinesa CCCC no capital da Mota Engil, que estava há muito cotada em Bolsa. Apesar do objetivo ser mais uma vez explorar sinergias e desenvolver novas fronteiras em conjunto, aqui foi diferente – houve um interesse claro dos chineses estarem mais próximos da governação, ao ponto de haver dois membros da CCCC nomeados como administradores executivos um dos quais a CFO Wang Xiangrong. No entanto, nos anos seguintes e com o aumento de confiança dos chineses esta situação evoluiu e hoje a sua influência executiva é nula e têm apenas 4 dos 13 lugares não executivos do Conselho de Administração.

Manter o capital de um Grupo Empresarial Fechado para o proteger e garantir as melhores condições pra o seu crescimento e preservação é em muitos casos uma falácia e estes dois exemplos ajudam a compreeender essa perspetiva. Se um grupo tiver dimensão, a entrada em Bolsa e/ou o acolhimento de um investidor externo muitíssimo bem escrutinado podem trazer não só capital mas benefícios que fechado o grupo nunca alcançaria sozinho.

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