Editorial

Dez anos de troika, cinco lições

José Sócrates pediu ajuda externa há precisamente dez anos. Aprendemos algumas coisas, mas muito menos do que deveríamos.

Faz hoje dez anos que José Sócrates anunciou ao país o pedido de assistência financeira apresentado à Comissão Europeia — ironicamente na semana em que se saberá se o antigo primeiro-ministro vai ou não ser acusado de corrupção e mais uns quantos crimes na Operação Marquês — e nos levou para um acordo com a troika, severo, doloroso, com excessos e erros, mas necessário nos fins e que nos tirou da bancarrota. Se o soubéssemos aproveitar…

A história de 2009, 2010 e 2011 está feita, as responsabilidades externas, mas sobretudo as internas, os desequilíbrios da balança externa durante os dez anos anteriores, uma dívida pública a disparar, e uma estagnação económica e de produtividade. Em cima da crise, deveríamos ter seguido um caminho, seguimos o outro, a política orçamental expansionista que, rapidamente, nos expôs perante os investidores e os mercados, aqueles que financiavam, e financiam, os nossos défice e dívida. Mas se a história está feita, a tentativa de revisão histórica daqueles anos até 2011, independentemente do que se fez a seguir, é o primeiro sinal de que não aprendemos muito. A desresponsabilização em relação às políticas seguidas naqueles anos tem o risco, que se vê, aliás, de diluir o nível de exigência a que estamos sujeitos. A ideia de que foi o subprime e os mercados a levarem o país para a bancarrota é enganadora e serve sobretudo para convencer os portugueses de que está tudo bem, e que aquele esforço e aquele ajustamento era dispensável. Não era, poderia ter sido feito de outra forma, mas os objetivos finais eram os mesmos. E sobretudo, que a transformação estava feita em 2014, quando a troika foi embora.

Como afirma Laura Papi, a responsável do FMI por Portugal, em entrevista ao jornalista Tiago Varzim, aqui no ECO, fazer um ajustamento de uma economia que vive numa união monetária é mais difícil do que parece. E foi.

  • “Na ausência de uma política monetária ao nível nacional, as reformas dos mercados de trabalho e de produtos foram vistas como essenciais para restaurar a competitividade nos países em crise. A mudança da lei das rendas é um bom exemplo de uma reforma do mercado de produtos com um efeito positivo do lado da oferta. Houve reformas laborais importantes que foram levadas a cabo. Todavia, a regulação do trabalho ainda exibe alguma rigidez que pode afetar a adaptabilidade e a competitividade das empresas, tendo como resultado a segmentação do mercado de trabalho. Reforçar a flexibilidade do mercado de trabalho tornando os contratos permanentes mais flexíveis iria ajudar Portugal a ajustar-se a choques adversos, apoiando a realocação de recursos e, por sua vez, o crescimento da produtividade”.

Afinal, o que aprendemos? É justo dizer que houve uma certa interiorização de que um Estado tem de ter as contas equilibradas, e talvez tenha sido esse a principal lição da crise (e a primeira delas). Mas o que se fez nos últimos cinco anos foi uma repressão da despesa pública, as cativações e o corte de investimento. As reformas, da organização do Estado, as reformas económicas, a competitividade e produtividade do país ficaram em 2014, quando o FMI, o BCE e a Comissão Europeia deixaram de nos visitar a cada três meses.

Desde essa altura, o setor empresarial privado, particularmente o industrial, virou-se para o mundo, e esta é outra consequência positiva daquele período (a segunda lição). Há ainda muito por fazer, as empresas precisam de crescer, e de mais capital, mas fizeram este caminho à sua conta e risco, porque as políticas públicas não serviram para isso. Ou serviram de forma negativa, porque como refere aquela responsável do FMI, as reformas dos mercados de trabalho e de produto ficaram pelo caminho.

Serviu-nos, nestes anos, o BCE, que aprendeu mesmo a lição (a terceira), ultrapassando o que se admitiria possível e fixado nos tratados europeus, com riscos, é certo. Tanto que, agora, na sequência da pandemia, até já está prevista a emissão de dívida pública europeia, coisa que em 2011 era impensável. A política expansionista do BCE e a descida história dos juros permitiu distribuir o que verdadeiramente não se tinha criado, com a ilusão de que o país tinha mudado. Mudou pouco, muito menos do que deveria.

Ainda assim, ficou dos tempos da crise uma quarta lição: Os bancos não fazem hoje o que faziam há dez anos, são mais exigentes na concessão de crédito, são também muito mais escrutinados (pelo BCE, não exatamente pelo Banco de Portugal) e também pelos seus próprios acionistas. O financiamento aos grupos amigos já não é possível, ou pelo menos já não passa sem um escrutínio reforçado, interno e externo. Os bancos têm outra solidez, mais capital, mas também aqui, estão a gerir uma transição de forma lenta e sobretudo a tentar fechar a porta da concorrência quando esta concorrência lhes está a entrar pela janela.

A quinta e última lição, aquela que ainda não aprendemos, é que não poderemos continuar a viver do que os outros fazem por nós e da conjuntura que serve para navegarmos em águas calmas. Da Comissão Europeia e dos fundos comunitários, agora do PRR, do BCE e dos juros baixos. Na verdade, estamos a viver outra vez da assistência financeira, ou monetária, com uma dívida pública claramente superior a 130%. É um programa de assistência europeu, não tem as mesmas características que tinha o programa da troika, o tempo político europeu é outro, mas não há almoços grátis, tudo vai ter de ser pago, agora com mais impostos ou com dívida pública e impostos futuros. E esta fatura será tanto maior quanto mais tempo os decisores políticos demorarem a dar continuidade o que foi interrompido em 2015. Vivemos seis anos de fantasia, agora está a regressar a realidade, que será ainda mais evidente quando a pandemia for ultrapassada.

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