Direitos de autor: acabou o circo

Sem os histerismos dos últimos meses nem o dinheiro dos lóbis digitais, talvez já se possa ter uma conversa séria sobre a reforma. Essa conversa é essencial para transpor bem a diretiva.

Esta conversa séria implica que terminem as demagogias sobre “o fim da internet como a conhecemos” ou a “máquina de censura da União”, como se ouviu durante os últimos meses. Muita gente fez disto uma bandeira política para ganhar votos dos jovens e dos youtubers, mas agora acabou o circo. É o momento de discutir as coisas importantes. Ao contrário do que afirmou a Comissão, este voto não garante ainda o equilíbrio justo entre os utilizadores e criadores. Isso teria acontecido se o projeto tivesse a forma de um regulamento, mas com a diretiva é preciso verter o seu conteúdo para as leis nacionais. Isso vai dar trabalho e implica opções sérias que tenham em conta os direitos dos cidadãos e os deveres das plataformas comerciais.

Há pontos muito positivos na diretiva que devem ser transpostos de forma eficiente. Será inteligente concertar ações ao nível de um grupo alargado de países de forma a definir de forma clara o conceito de “remuneração justa” e do “link tax”, de forma a facilitar negociações com as grandes plataformas. Aliás, a única forma séria de garantir que esta diretiva tenha algum efeito para os editores passa precisamente por uma negociação transnacional.

Quanto à responsabilização das plataformas, é importante notar que elas podem optar simplesmente por contratar revisores que validem o conteúdo, em vez de usar as temidas máquinas de filtragem automática. O risco aqui não é para os criadores, é para as plataformas e para a rapidez com que estas conseguem ter o conteúdo validado e disponível. Convenhamos que é difícil levar a sério acusações de que uma proposta destas leve a censura quando hoje são as grandes plataformas que decidem que conteúdos são permitidos – e por isso não há no Facebook fotografias de mulheres a dar de mamar, embora existam milhares de conteúdos racistas. Portanto, vão existir regras que levam a que o Facebook e o YouTube se tenham de preocupar mais com os direitos de autor do que com os mamilos alheios. É difícil questionar a sensatez de uma proposta destas.

No limite, esta dificuldade acrescida para a inclusão de conteúdo levará ao surgimento de novas plataformas onde artistas novos e consagrados tenham maior liberdade para criar. E isso é bom para todo o espectro criativo europeu – especialmente porque ajuda a quebrar o paradigma dominante da economia do clique que baixa o nível dos conteúdos mais promovidos.

E é ainda essencial assegurar com clareza as exceções no que toca à sátira, ao humor e à recolha de dados para investigação científica. Importa também assegurar que a entrada de obras no domínio público seja protegido de forma tão consistente quanto possível em todo o espaço da EU, algo que está longe de ser certo. E isto será uma vantagem enorme para todos os cidadãos, precisamente ao contrário do que a demagogia espalhou. Sim, os memes estão protegidos – e, mesmo em países que não permitiam de forma explícita a sátira, esta terá de ser protegida, o que é uma clara vitória para a liberdade de expressão.

Esta diretiva, acoplada ao GDPR, permite finalmente que a União comece a equilibrar a balança na relação com os gigantes digitais. Provavelmente ainda será necessário fazer passar mais um regulamento, este a responsabilizar monetariamente as plataformas pelos conteúdos falsos que nelas circulam – exatamente como fez a Alemanha no ano passado, com resultados muito positivos. Este equilíbrio é fundamental para assegurar os direitos dos cidadãos face ao atual panorama tecnológico, mas muito há ainda a fazer para regular o que aí vem. A próxima Comissão Europeia terá trabalho a dobrar neste tema.

Ler mais: nada como ler o texto original da diretiva de revisão dos direitos de autor para se perceber verdadeiramente o que está em causa. O texto é denso, mas em termos jurídicos está longe de ser dos piores. E uma leitura imparcial certamente ajudará a formar opinião sobre o que realmente está em causa.

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