Ditaduras digitais à medida

A ditadura chinesa tem na tecnologia a sua melhor arma para garantir o extermínio das liberdades individuais. E hoje já exporta soluções à medida para limitar as liberdades individuais.

Quando a China alargou a sua rede censória sobre Hong-Kong, o mundo começou finalmente a prestar atenção ao monstro tecnológico construído por Pequim. A lei de segurança que entrou em vigor há um mês impôs a Grande Muralha Digital no território que até agora gozava de direitos especiais, limitando efetivamente a liberdade individual dos cidadãos.

Todas as empresas digitais que operam em Hong-Kong estão obrigadas a fornecer os dados privados dos utilizadores, incluindo o conteúdo que consumiram online e as pessoas com que se relacionaram. Os históricos de internet e as relações digitais tornaram-se armas de arremesso do Estado contra os seus cidadãos, graças a algoritmos relacionais que antecipam tendências e limitam riscos sistémicos para manter a ditadura no território.

A única novidade aqui prende-se com o local, porque esta é uma política que Pequim tem aprimorado nos últimos anos com a cumplicidade de empresas ocidentais. Cada milímetro quadrado de Pequim está coberto por câmaras que alimentam o sistema de reconhecimento facial mais avançado do mundo. Os seus cidadãos estão sujeitos a uma vigilância constante que se reflete num sistema de crédito social que efetivamente limita os seus direitos civis. Os estrangeiros estão longe de estar imunes, e sucedem-se os relatos oficiais e oficiosos de quem foi sujeito a espionagem ilegal.

Em Xingiang o cenário é ainda mais brutal: a vigilância e violência sobre a minoria Uigur só tem comparação histórica com o que os nazis fizeram aos judeus. Só não é tão sangrenta por causa da utilização de tecnologia, mas não é isso que faz dela uma política menos genocida.

Esta é uma guerra óbvia contra a liberdade de expressão, exercida pelos Estados autoritários. E a China pode ser o seu maior e melhor representante desta classe, mas está longe de ser a única: Rússia, Filipinas e Arábia Saudita também constam desta lista, bem como algumas nações ainda democráticas como o Brasil.

A grande ironia é que estes sistemas não nasceram na China: foram alimentados por vendas diretas de empresas nascidas em solo europeu e americano e por transferências incrementais de tecnologia. As distopias não foram criadas pelas ditaduras, foram e vendidas pelas democracias ocidentais para destruir ativamente a democracia e o liberalismo pelo mundo todo. Mas hoje são estas mesmas tecnologias que, aplicadas em tão larga escala, dão uma enorme vantagem competitiva à China.

A liderança chinesa em campos como a inteligência artificial, o reconhecimento facial, os algoritmos de monitorização social e a censura de conteúdos é uma realidade incontornável. E isso faz de Pequim um exportador ativo de tecnologia anti-liberdade disponível para quem queira comprar ferramentas que minam os direitos dos seus cidadãos. Se o bloco ocidental acredita na promoção da democracia e dos direitos humanos no mundo, tem de censurar estas atividades chinesas. Talvez a proibição americana visando o TikTok e o WeChat possa ser o primeiro passo neste caminho. Mas para isso, terão de ser visadas empresas como a ZTE, a HikVision, a Megvii, a Iflytech, a Semptian e também a Huawei – e é importante notar que algumas destas empresas colaboram ativamente com gigantes da tecnologia e das comunicações europeus e norte-americanos.

Ler mais: Unfree Speech é o manifesto escrito por um dos líderes da revolta democrática de Hong-Kong. Joshua Wong já se exilou no Reino Unido para fugir à ameaça do estado chinês, mas a sua denúncia da limitação autoritária chinesa não perdeu interesse por isso.

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