Dois anos de guerra. E agora?

Ucrânia e Rússia estão entrincheirados numa guerra de atrito que Kiev parece incapaz de ganhar. A ameaça de Putin cria incerteza na economia europeia, ao mesmo tempo que a NATO arrisca uma fratura.

No dia 24 terão passado dois anos desde que a Rússia invadiu a Ucrânia. Os dois países estão entrincheirados numa guerra de atrito, em que as hipóteses de Kiev levar a melhor parecem remotas, depois de uma ofensiva quase inconsequente e um apoio militar e financeiro a minguar à razão da fadiga da opinião pública, em particular nos EUA.

A economia europeia agoniza, pressionada ainda pelas taxas de juro com que os bancos centrais tentam travar uma inflação que o conflito insuflou. Por outro lado, as sanções impostas a Moscovo não tiveram o impacto paralisante esperado.

Nos países com fronteira com a Rússia cresce o receio de que Putin tenha ambições territoriais ainda mais vastas e fazem-se preparações para a guerra, enquanto Trump diz na campanha que o ditador russo pode “fazer o que diabo quiser” aos países que não cumprem a meta de 2% do PIB em despesa militar, acordado pela NATO.

Podia ser pior. A Ucrânia podia já ter capitulado, no lugar de Zelenskyy (hoje mais fragilizado) estar um fantoche de Putin e muitos milhões de ucranianos deslocados nos países vizinhos da União Europeia. As perspetivas não são, no entanto, animadoras. Com stocks maiores de armamento e munições, a que se somam os envios da Coreia do Norte ou Birmânia, a Rússia consegue aguentar por mais tempo uma guerra de atrito. Já a Ucrânia está dependente do apoio financeiro e fornecimento do ocidente.

A União Europeia aprovou já este ano um mecanismo de 50 mil milhões de euros em empréstimos e garantias até 2027, mas que não se destinam diretamente a gastos militares. O seu papel, igualmente relevante, é de ajudar à sustentabilidade financeira do Estado ucraniano e à reconstrução do país.

Daí a importância do financiamento que continua pendurado no Congresso dos EUA. O Senado já aprovou o pacote de 95 mil milhões de dólares proposto pelos democratas, dos quais 60 mil milhões são para a Ucrânia (um terço para o armamento americano a enviar para o país). Inclui ainda 14,1 mil milhões para apoio militar a Israel e 8 mil milhões para ajudar os aliados no indo-pacífico a conter a ameaça chinesa – uma bazuca financeira para dar poder de fogo à política externa americana. Mesmo assim, as chances de ver a luz do dia são remotas.

Com a nomeação republicana às Presidenciais quase garantida, o ascendente de Donald Trump sobre o partido é ainda maior. Nomeadamente sobre Mike Johnson, o líder da Câmara dos Representantes, a quem cabe decidir que diplomas vão a votos. Com uma magra maioria do Grand Old Party, mesmo que quisesse avançar com a votação, Johnson arriscaria ser destituído pelas franjas mais radicais dentro do Partido Republicano.

Sem novo armamento americano, Zelensky vira-se para os europeus. Só que não basta a vontade ou o dinheiro, é preciso capacidade: a indústria europeia não consegue garantir o fornecimento ao ritmo necessário para manter o poder bélico ucraniano.

A Rússia não deixou apenas a Ucrânia despedaçada, também enfraqueceu a economia europeia. A subida dos preços da energia, provocada pela interrupção do fornecimento de gás natural, provocaram um rombo na indústria alemã e ajudam a explicar a estagnação da maior economia europeia, travando o resto do bloco.

A ameaça de Moscovo tornou-se o elemento definidor da política nos países próximos da Rússia, como a Finlândia, a Suécia, ou a Estónia. Ninguém acredita em Putin quando diz que não pretende ir além da Ucrânia. Tornou-se também definidor para a economia, envenenando-a de incerteza.

A que agora se soma a ameaça velada de Trump de não respeitar o artigo 5.º do tratado da NATO, que consagra o princípio da defesa mútua, para os países que não cumprem com a despesa militar de 2%. É um facto que foi a pressão que exerceu quando estava na Casa Branca que levou a um aumento dos gastos dos países da organização, que a realidade veio a mostrar ser avisado. A invasão russa da Ucrânia foi o incentivo decisivo. O secretário geral da NATO, Jens Stoltenberg, afirmou esta semana que 18 países vão cumprir a fasquia, permanecendo 13 que a violam, entre eles Portugal.

Ninguém garante que o isolacionismo que professa leve Trump, ainda assim, a negar o auxílio dos EUA, mesmo que a única vez que o artigo 5.º foi acionado tenha sido após o 11 de Setembro. A Bloomberg noticiou esta semana que no círculo próximo do provável candidato republicano se considera a possibilidade de o princípio da defesa mútua se aplicar apenas a quem cumpre os 2%.

Uma posição que não é isenta de custos. As dúvidas sobre o compromisso americano com a defesa europeia seriam partilhadas por aliados dos EUA noutras regiões, enfraquecendo a sua posição.

A União Europeia não tem alternativa a não ser construir, tão cedo quanto possível, uma capacidade militar própria, mantendo viva a esperança dos ucranianos e dissuadindo eventuais tentações de Putin. O que exige coordenação política e uma estratégia industrial arrojada para desenvolver o setor da defesa.

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