É urgente uma boa negociação do próximo pacote de fundos comunitários para Portugal

  • Sérgio Oliveira
  • 29 Janeiro 2020

Ainda que discriminando positivamente todas as PME independentemente da sua localização, deve ser acautelada uma fórmula que não impeça liminarmente o acesso das grandes empresas aos fundos de coesão.

O Governo português aprovou recentemente apoios fiscais para operações de investimento de grande envergadura, o que, em si mesmo, é uma excelente notícia para a economia portuguesa. Em 2019, foram contratualizados 80 investimentos que visam criar mais de 7.200 postos de trabalho e manter outros 20 mil, representando mais de 1.000 milhões de euros de investimento. Este cenário, no entanto, dificilmente será possível no próximo quadro comunitário para o período de 2021 a 2027, tendo por base as propostas conhecidas até ao momento. Assim, as empresas não PME (as chamadas grandes empresas) deverão, à partida, ficar excluídas de qualquer investimento que possa ser objeto de cofinanciamento público, mesmo que tal ocorra em indústrias de ponta, inovação ou desenvolvimento tecnológico, áreas fundamentais para a convergência com a Europa desenvolvida. O Governo português tem, por isso, de acautelar uma negociação cuidada de forma a diminuir os efeitos de um corte abrupto nos fundos de coesão que, quer queiramos quer não, são uma alavanca indispensável para os novos investimentos que Portugal tanto necessita.

Os investimentos de grande envergadura sempre foram realizados pelas grandes empresas e, ao longo dos vários quadros comunitários, têm existido mecanismos de apoio a estes investimentos. De facto, sem o apoio proporcionado pelo cofinanciamento público via fundos de coesão e desenvolvimento regional, muitos dos chamados investimentos estruturantes da economia portuguesa, com fortes impactos na criação de emprego qualificado e com externalidades para a coesão regional, simplesmente não teriam sido concretizados.

Contudo, o panorama europeu está em significativa transformação e os novos desafios são enormes. Por outro lado, assistimos à diminuição dos fundos disponíveis por via da saída de um dos principais contribuintes líquidos da União Europeia (UE), o Reino Unido (e esperemos que tal não seja cumulativo com um corte adicional para Portugal, se não for atingida a globalidade dos níveis de execução do Portugal 2020, agora que a sua finalização está ao virar da esquina). E as áreas de aplicação dos recursos financeiros são vastas: alterações climáticas e descarbonização da economia, sustentabilidade e economia azul, movimentos migratórios, defesa europeia, entre outras. Todos concordamos que são áreas críticas onde deve ser feito um esforço de política europeia, mas tal não deve ser feito à custa da coesão regional. A necessidade de cofinanciar a redução das disparidades regionais no seio da UE deveria prevalecer por via do aumento ou manutenção dos fundos de coesão e de desenvolvimento regional. Não devemos esquecer que a convergência de todas as regiões (e sobretudo das menos desenvolvidas) é um dos pilares da construção europeia, continuando a ser particularmente relevante para um país como Portugal.

Neste contexto urge negociar difíceis equilíbrios, com a consciência que não é possível agradar a todos os lados da barricada. Só uma política de cedências inteligentes e ponderadas permitirá alcançar resultados positivos para Portugal. É quase certo que iremos receber menos no próximo quadro comunitário, pelo que é importante conduzir negociações tendo em vista o reconhecimento de maiores disparidades regionais em Portugal, negociando melhores condições para as regiões menos desenvolvidas, nomeadamente Norte, Centro e Alentejo. Além disso, é necessário reconhecer também a heterogeneidade das regiões de Lisboa e Algarve, para que parte das mesmas possa ser integrada
no redesenho das regiões Centro e Alentejo.

Ainda que discriminando positivamente todas as PME independentemente da sua localização regional, deve ser acautelada uma fórmula que não impeça liminarmente o acesso das grandes empresas aos fundos de coesão. Uma proposta interessante seria subdividir as empresas não PME em grupos distintos — menos de 750 e mais de 750 trabalhadores, por exemplo –, bem como incentivar consórcios entre estas empresas, PME e outras entidades do sistema científico e tecnológico nacional. Às grandes empresas aplicar-se-iam taxas máximas diferenciadas, ainda que mais baixas do que as atualmente aplicáveis a investimentos em inovação produtiva ou em investigação industrial e desenvolvimento
experimental, mas não deveria ser vedado o seu acesso a quaisquer apoios públicos.

Os efeitos virtuosos dos fundos de coesão e de desenvolvimento regional para a economia portuguesa devem ser potenciados, o que significa continuar a assegurar incentivos financeiros e fiscais para todas as empresas que queiram investir e criar valor em Portugal.

  • Sérgio Oliveira
  • Partner da Deloitte

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