Eleitoralismo: O PSD a cair na cataplana

O PSD deixou a esquerda apropriar-se, sozinha, da medida mais transversal deste OE: a redução dos passes sociais. A crítica de eleitoralismo faz ricochete e mostra como ainda lhe falta muito caminho

Rui Rio diz que é medida com efeito eleitoralista “brutal”.
Fernando Negrão diz que é eleitoralismo como ele nunca viu, nem há cinco, nem há dez, nem há 20 anos (sic). Marques Mendes diz que é isso mesmo, e em estado puro – o eleitoralismo.

A redução dos preços para os passes sociais já tinha sido lançada há cinco meses, mas agora – com a sua apresentação – o PSD decidiu usá-la para atacar em força o Governo.

Falemos, então, de eleitoralismo. Começando pelo princípio.

eleitoralismo | s. m. Preocupação quase exclusiva com as eleições ou com a angariação de votos.

1.
Se “eleitoralismo” é uma preocupação “quase exclusiva” com a angariação de votos, é bom lembrar as críticas que, nos últimos meses, mais têm sido feitas ao Governo – também pelo PSD: que falta dinheiro no SNS, como na Educação; que o Governo não dá aos professores o que lhes é devido, assim como aos enfermeiros; que faltou investimento público, nomeadamente na ferrovia; que Mário Centeno tem uma obsessão com as cativações – e consequentemente com valor do défice.

Quem, como o PSD, decide criticar o Governo por dar 110 milhões de euros para descontos nos passes sociais, não pode depois reclamar muito mais do orçamento para tudo o resto, certo?

Mas é o que ainda temos visto no PSD: Rui Rio, que se assume como um político diferente dos outros (“não devemos criticar só por criticar”, tem ele repetido), não deve, consequentemente, pedir sol na eira e chuva no nabal. Ou seja, a pedir mais dinheiro ao orçamento e, depois, a dizer que Portugal tem que ambicionar um excedente orçamental. Não sem nos explicar do que é que prescindia.

2.
Chegados aqui, convém dizer que Rui Rio até foi o social-democrata mais prudente quando falou dos passes. O líder do PSD não disse, como Fernando Negrão, que é eleitoralismo como ele nunca viu, “nem há cinco, nem há dez, nem há 20 anos” (caramba, como é que o PSD não se lembra dos aumentos salariais para a função pública, dados por Sócrates em plena crise económica?). O que Rui Rio disse foi que a medida com efeito eleitoralista “brutal”, o que talvez queira só dizer que teme que as pessoas possam votar no PS, afinal, por causa de medidas como esta.

Se assim for, menos mal. Só falta perguntar por que é que, então, o PSD não apoia tranquilamente a medida e deixa Negrão falar de eleitoralismo. Até porque, na verdade, ela faz – na sua essência – todo o sentido. E não é preciso ser de esquerda para o perceber:

  • As viagens de carro representam 67,6% das viagens no Porto e 58,9% dos trajetos efetuados em Lisboa – por ausência de alternativa -, segundo um estudo do INE publicado no ano passado;
  • Os portugueses, de esquerda e de direita, mostram fraca satisfação com os serviços de transportes públicos que têm disponíveis, de acordo com a última sondagem publicada pelo Expresso;
  • Portugal precisa rapidamente de substituir carros por transportes públicos ou partilhados, de forma a atingir as metas do acordo de Paris com que, justamente, se comprometeu;
  • A redução dos passes sociais dá um forte desafogo financeiro a famílias que, precisamente por ganharem muito pouco, não foram tão beneficiadas pela devolução de rendimentos desta legislatura (pela simples razão de que ficaram de fora dos cortes do Governo de Passos – e ainda bem);
  • Por tudo isto, mas também porque há muitos autarcas do PSD que também apoiam esta medida, o que a oposição podia estar a dizer sobre esta ela era algo substancialmente diferente. Era a explicar onde a medida ainda falha e onde deve ser complementada.

Por exemplo, que ela devia contar já com um reforço sério da quantidade e qualidade dos transportes públicos disponíveis; que o programa devia incluir viagens inter-regionais, para beneficiar, por exemplo, quem venha trabalhar de Setúbal para Lisboa – ou de Aveiro para o Porto; que a dotação orçamental prevista devia ser distribuída mais equitativamente (coisa que Rio até fez); ou até, no limite, pôr em causa a sua universalização, que beneficia também quem vive desafogadamente (embora neste caso eu ache que sim, tendo em conta a necessidade de inverter mentalidades e de alinhar o país nas melhores políticas climáticas).

Na verdade, nada impedia que a direita tivesse, ela mesmo, lançado esta a ideia. Ou que, agora implementada, viesse exigir mais ao Governo. Já atacar a medida só porque ela pode ser popular, parece-me um puro contrassenso político, porque o ataque só prejudica quem a critica.

3.
Aqui há cinco meses, aquando apresentação do último orçamento desta legislatura, Costa já tinha anunciado esta ideia dos passes únicos, uma pequena margem para aumentos na função pública, um ligeiro aumento das pensões, uma pequena redução adicional no IRS, uma eventual pequena redução do IVA da eletricidade. A direita lançou logo a crítica do eleitoralismo, a esquerda mostrou-se desiludida com o pouco que se deu. Eu, por aqui no ECO, achei que não era mais do que distribuir “pequenos bombons” por muita gente, sem prejudicar o essencial – que era a perceção de que o Governo dava mais, sem perder a responsabilidade.

Cinco meses depois, Costa continua no mesmo sítio. A esquerda também, porque é simples pedir mais sem ter que efetivamente governar. E o PSD também, sem saber muito bem com que discurso vai para as legislativas: se a pedir mais, ou a exigir contas certas.

Os dados das últimas sondagens só confirmam isto: a esquerda mantém globalmente estáveis as suas intenções de voto; o PSD continua sem conseguir recuperar.

É certo que Rui Rio, depois da crise interna, conseguiu acertar o passo na tática: silenciou os críticos internos, aparece mais, já se ouve a criticar António Costa. Mas não pode ser por tudo e por nada. Não pode ter o partido a falar em dois tons. E não pode continuar sem programa. Na prática, ainda lhe falta a estratégia. Sem ela, cairá inevitavelmente na cataplana de António Costa.

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