Eu prefiro Ana Gomes

Teremos menos “selfies” e abracinhos é um facto, mas teremos Ana Gomes e uma política de verdade. Eu prefiro a verdade.

No conto de Marcelo cai quem quer. Ele que planeou durante anos a sua corrida presidencial enquanto recomendava livros que não lia e mandava, na televisão, beijinhos à Dona Clotilde, de Esposende, que não conhecia de lado nenhum pois a sua vida era entre a Lapa e Cascais, agora tenta semear incertezas a propósito da sua 7.

Marcelo vai recandidatar-se, toda a gente sabe a começar no próprio, e não haveria tantas “selfies” nem declarações para agradar a gregos e troianos se ele não o tivesse planeado desde o primeiro momento em que se sentou em Belém. Já escrevi que aquele palácio precisava que lhe abrissem as janelas, para entrar o ar que não chegava à figura do museu da Madame Tussaud. Marcelo foi essa frescura que limpou o ar bolorento e distante dos portugueses que antes ali morava. Saltou para o país, emocionou-se, aproximou-se, abraçou quem precisava e galgou na popularidade para patamares históricos. Mas nestes tempos isso não basta.

Na paz dos anjos com o Governo e com a condescendência de António Costa, Marcelo já planeou um 2020 viajado para não cansar os concidadãos. Começou em Moçambique, Israel, segue para India, Eslovénia, Bulgária, África do Sul e, como todos sabem, lá fora geram-se menos animosidades e a cobertura mediática dá bons bonecos onde ele é mestre. Diz que só decide a recandidatura no Outono, no entanto, é delicioso ver uma fonte autorizada de Belém, ao Público, a avisar que «será uma campanha muito suave, abrangente e nada polémica». Delicioso, repito, para quem tem tantas dúvidas já ter a estratégia planeada.

Existe algo que pode arruinar este sonho de hegemonia de popularidade de Marcelo. É aparecer alguém de currículo impoluto, competente nas suas funções profissionais e que com um discurso pouco institucional, mas eficaz, congregue o universo da Geringonça, entre no centro-direita e cative um eleitorado que não confia nem vota nos partidos tradicionais e que é seduzido pela acutilância de um paladino contra a podridão do sistema, o nepotismo que vigora por baixo da mesa e que aumente a pressão sobre uma Justiça subserviente perante os poderosos e que não tem punido a corrupção.

Ana Gomes tem essa capacidade, até pela autonomia e independência que manteve perante o PS. Numa terra de paninhos quentes e de um politicamente correcto que é sinónimo de opacidade, a diplomata, que não tem medo de uma guerra justa, pode ser essencial na reconstrução de um sistema político que herdou pouco ou nada de Abril e caiu no lodo a partir das negociatas do cavaquismo que criou os topos-de-gama do comissionismo. Na altura em que o dilecto discípulo de Cavaco Silva, Durão Barroso, dizia com a estultícia que sempre o comandou que «Angola era uma democracia moderna», Ana Gomes era a “louca” que denunciava a cleptocracia de Luanda enquanto as hienas lusas salivavam pelos negócios com a oligarquia de José Eduardo dos Santos.

Ana Gomes reitera que quer estar livre de cargos públicos para poder continuar a denunciar os males do mundo, está no seu direito. Porém, era bom que reflectisse como quer ficar na História. Como um megafone corajoso ou como a primeira mulher a ter sérias hipóteses de ser Presidente da República, silenciando o oportunismo dos populistas e sentindo o povo com ela enquanto as elites medíocres e incultas tremem de medo com a derrocada de um sistema que lhes tapou todas as golpadas enquanto se banqueteavam com os créditos de uma banca da qual agora os portugueses pagam os seus despautérios. Teremos menos “selfies” e abracinhos é um facto, mas teremos Ana Gomes e uma política de verdade. Eu prefiro a verdade.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.

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