Falta de meios do Ministério Público – Facto ou falácia?

"No entanto, no Ministério Público não escasseiam meios e, muito menos, falta poder"

Decorreu mais uma cerimónia solene de abertura do ano judicial. Como sempre, a Procuradora-Geral da República em funções queixou-se da falta de meios para justificar a suposta menor eficiência do Ministério Público, especialmente no combate à mais sofisticada criminalidade económico-financeira.

É louvável o estilo moderado e discreto da atual PGR e penso que o seu discurso abordou temas importantes. No entanto, mudam-se os tempos, mudam-se os representantes do Ministério Público, mudam-se as leis, mas num ponto o discurso desta magistratura não muda: faltam sempre meios.

Mas será assim?

Sou mais dado a letras do que a números. Só que os números e a estatística são úteis para analisarmos a realidade. E os números dizem-nos que a falta de meios do Ministério Público parece ser mais falácia do que facto.

Vejamos alguns exemplos.

Meios humanos: segundo dados de 2016 da European Commission for the Efficiency of Justice (CEPEJ), Portugal tem 14,5 procuradores por 100.000 habitantes. A Alemanha tem 6,7, Espanha 5,3, Itália 3,5 e França 2,92. Com exceção de Espanha, Portugal tem também mais funcionários judiciais por 100.000 habitantes do que os países mencionados.

Meios financeiros: segundo a CEPEJ, em 2016, a despesa do sistema de justiça em % do PIB foi em Portugal de 0,32%. Em França foi de 0,20%, na Grécia 0,26% e em Itália 0,27%. Deste núcleo, só Espanha nos superou um pouco com 0,33%.

Meios tecnológicos: se analisarmos o estudo temático respeitante ao uso de tecnologias de informação nos tribunais europeus da mesma CEPEJ, verificamos que Portugal tem realizado relevantes progressos e não envergonha em termos comparados.

Mas será Portugal um país com tanta criminalidade que faça com que os meios sejam sempre insuficientes? Segundo o Índice Global da Paz (IEP), podemos orgulhar-nos de ser o 3.º país mais pacífico do mundo. Portanto, ao contrário do que alguns tentam fazer crer, não somos o “paraíso do crime”.

Obviamente que, em teoria, faltam sempre meios e podemos sempre exigir mais. No entanto, num país já esmagado por impostos ( e custas judiciais elevadas, diga-se), os meios são finitos e devem ser geridos de forma criteriosa (bem sabemos a falta que fazem também na Educação e Saúde). Portanto, na melhor das hipóteses, o Ministério Público terá razões para pedir melhor organização e gestão dos meios disponíveis para o Sistema de Justiça.

Se os “números” indicam que o Ministério Público (e o Sistema de Justiça, em geral) não tem muitas razões para se queixar de falta de meios humanos, financeiros e tecnológicos, a verdade é que ao longo dos anos o legislador tem vindo também a proporcionar uma série de outros meios com vista a facilitar o trabalho desta magistratura.

Desde logo, o Ministério Público tem um sistema assente na autogestão e autonomia quase total. Criaram-se estruturas especializadas como, por exemplo, o DCIAP. Criou-se um Tribunal de instrução “especial” para servir este DCIAP que, durante muitos anos, foi constituído apenas por um Juiz que, como é público e notório, esteve sempre ao dispor do investigador/acusador.

Alargaram-se as escutas telefónicas, facilitou-se o confisco, eliminaram-se recursos para os arguidos, aumentaram-se prazos de prescrição, aprofundaram-se os mecanismos de cooperação judiciária internacional, fizeram-se leis que tornaram instituições financeiras e outras entidades colaboradores efetivos das autoridades no combate ao branqueamento de capitais.

A própria “digitalização” do mundo tem vindo a facilitar a obtenção de prova. Desenvolveu-se também uma máquina oficial de comunicação da PGR com vista a apresentar resultados e valorizar os seus méritos perante a opinião pública, contribuindo, em simultâneo com a banalizada violação do segredo de justiça, para a permanente e útil pré-condenação sumária de arguidos fora dos Tribunais. De facto, já só falta a tão ambicionada delação premiada “à brasileira” para que o pacote de meios fique completo.

Mas será que haverá alguma coisa que faça com que o Ministério Público deixe de reclamar mais meios? Duvido. Na verdade, com este discurso, repetido vezes sem conta, o Ministério Público arranja uma forma (fácil) de desresponsabilização, transferindo a culpa para os políticos que não têm interesse em conceder mais meios.

No entanto, no Ministério Público não escasseiam meios e, muito menos, falta poder.

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