Fundos comunitários e empresas (algumas notas soltas…)

  • Franquelim Alves
  • 4 Janeiro 2017

A maximização do efeito dos fundos implica opções de política pública - em parte determinadas por Bruxelas - no que respeita ao mix de incentivos e aos critérios de seleção das candidaturas.

Até finais de novembro foram registadas mais de 23.500 candidaturas a fundos comunitários para apoio a projetos empresariais. No total, representam intenções de investimento superiores a 14 mil milhões de euros. Curiosamente, apenas 33% desses projetos obtiveram aprovação o que revela a elevada procura por apoios financeiros desta natureza, mesmo que muitos não cumpram os requisitos estabelecidos nas regras de acesso.

Muito se tem teorizado sobre a temática dos apoios financeiros (em forma de subsídio ou de outra natureza) a projetos empresariais e da sua real eficácia. Não pretendo discutir essa matéria neste artigo, mas o que é um facto é que a União Europeia coloca esses fundos à disposição dos vários países comunitários, com particular enfoque nas chamadas regiões de convergência, e compete aos poderes públicos criar as condições adequadas à maximização do efeito destes fundos.

A maximização do efeito dos fundos implica opções de política pública – ainda que, em parte, à partida determinadas por Bruxelas – no que respeita ao mix de incentivos e aos critérios de seleção das candidaturas, mas também depende da criação de condições otimizadas no acesso e utilização desses fundos por parte das empresas.

Ainda e sempre o tema da burocracia

Um tema sempre muito falado é o do combate à burocracia e a necessidade de simplificar os mecanismos de acesso das empresas aos fundos europeus. Ora, esta é uma área em que muito se pode fazer ainda, revolucionando, a meu ver um modelo que nos últimos quadros não se alterou apesar das enormes transformações ao nível dos processos de digitalização tecnológica da informação.

Existem vertentes em que seria possível, a meu ver, induzir transformações significativas nos atuais processos de acesso. São elas os seguintes:

  • Eliminação dos mecanismos de concurso e implementação de sistema de acesso contínuo aos fundos;
  • Introdução de grelhas de seleção mais simplificados reduzindo fatores de subjetividade quantificação do mérito do projeto;

O acesso continuo a fundos, sem recurso a mecanismos de concurso, garantiria uma sintonia perfeita entre o timing da decisão de investimento e o acesso a fundos. Doutra forma, os empresários são condicionados nas suas decisões pelos estabelecimento de um calendário de decisão imposto de forma abstrata e burocrática.

Os argumentos contra a adoção deste mecanismo têm muito a ver com os temas de gestão das dotações de fundos disponíveis e de eventuais distorções nas decisões em função da entrada das candidaturas. O primeiro argumento só se suporta na dimensão do calculismo político de manter uma oferta de fundos até ao fim do período comunitário. Ora sucede que, na lógica da economia e admitindo que todos os projetos elegíveis geram valor para o país, o princípio deveria ser o de aplicar com a maior rapidez possível o dinheiro disponível na economia, de modo a antecipar e acelerar o efeito multiplicador de valor dos projetos geradores de inovação financiados.

Já no que respeito ao risco de preterição de projetos no processo contínuo, o mesmo pode ser eliminado pela implementação de mecanismos de controlo à entrada e de follow-up, reportando todas as situações anómalas nos processos de avaliação e listando as red-flags dos casos em atraso injustificado. Com sistemas informáticos modernos tal é possível sem grande dificuldade.

Um outro tema que justificaria enorme mudança prende-se com as complexas grelhas de classificação e com a existência de critérios de avaliação qualitativos de enorme subjetividade. Trata-se de uma área em que esses critérios de avaliação qualitativos são de difícil accountability, deixando nas mãos de cada avaliar uma enorme dose de discricionariedade. Faria, por isso muito mais sentido, que certos critérios qualitativos fossem objeto de apreciação apenas em termos de avaliação binária: o projeto cumpre o critério, passa, não cumpre é rejeitado.

Espera-se também que a validação dos investimentos e da chamada despesa realizada passe a ser feita cada vez mais de forma automática através de mecanismos de processamento direto de faturas eletrónicas. Eliminar por completo os velhos métodos de digitalização e “carimbagem” das faturas em papel permitirá acelerar os processo de processamento dos pagamentos a favor das empresas e libertará os recursos humanos dos organismos públicos para a verificação e acompanhamento da execução dos projetos na realidade e, muito menos, no papel.

Igualmente importa inverter o mecanismo de fiscalização e de penalização: substituir milhares de normas e regulamentos por regras mais simplificados e objetivas menos sujeitas a interpretações de implementação e adoção de fortes fatores de penalização das entidades que não cumprirem as obrigações a que se comprometeram.

Não se trata tanto de desvios na exceção que, naturalmente devem ser tratados no quadro das evoluções macroeconómicas gerais que muitas vezes são imprevisíveis e que não são controladas.

A penalização exemplar de casos de violação das regras é indispensável para a separar o trigo do joio e para desincentivar violações das regras existentes.

Acompanhamento da execução e apoio às empresas

Em resultado da enorme carga burocrática e do afunilamento provocado pelo regime concursal, com milhares de projetos a darem entrada em simultâneo para acesso aos concursos, os serviços públicos dedicam-se fundamentalmente a trabalho de gabinete. Avaliar e verificar projetos e depois acompanhar a chamada “execução” através da validação dos documentos (faturas principalmente) justificativos do investimento (chamado de despesa) já realizado. Pouco tempo resta para verificar no terreno, i.e. junto das empresas, a realidade dos projetos e as dificuldades da sua implementação.

A adoção dos princípios que enunciei anteriormente permitiria, a meu ver, libertar muito mais recursos para esse processo de acompanhamento. Essa libertação de recursos permitiria que os organismos se dedicassem a duas atividades de serviço público fundamentais: monitoring dos projetos e apoio empresarial.

Esse monitoring é a única via para uma apreciação efetiva do impacto dos projetos e para a avaliação real da verdadeira execução dos mesmos. As equipas dos organismos públicos têm de estar mais tempo no terreno pois só assim será possível assimilar os verdadeiros impactos dos apoios públicos aos projetos de investimento. Tal como se tornará mais fácil detetar situações de não-observação das regras e compromissos assumidos.

Por outro lado, importa dar mais importância ao apoio à gestão das empresas na utilização dos recursos financeiros públicos que lhes são disponibilizadas. Essa presença no terreno poderá constituir uma importante ajuda. Um caso evidente da necessidade é ao nível da utilização dos fundos associados aos chamados instrumentos financeiros cuja gestão está a cargo da IFD.

O desafio da utilização dos fundos associados a instrumentos financeiros

A experiência do quadro anterior evidenciou como, mercê das enormes condicionantes impostas por Bruxelas, é difícil encontrar projetos suficientes para esgotar as verbas comunitárias associadas a estes eixos de apoio. No atual quadro atual, isso é ainda mais relevante, já que as verbas disponíveis aumentaram cinco vezes.

Para encontrar projetos válidos há que realizar todo um trabalho pedagógico no terreno com o objetivo de resolver os problemas de subcapitalização das empresas. Ora o problema de subcapitalização das empresas é também em muitos casos um problema de sub-dimensão. Na vertente do acesso a dívida de médio e longo prazo com apoio público, nomeadamente via a utilização da garantia mútua, os apoios encontram-se muito estabilizados e são de fácil compreensão. Porém ao nível do reforço de capitais próprios (equity e quasi-equity) as soluções são mais complexas e há todo um trabalho de persuasão dos empresários no sentido de aceitarem soluções que, salvando muitas vezes as suas empresas e assegurando condições para um crescimento, podem significar partilhar e gestão e de partenariado.

Nesse campo a IFD tem uma enorme responsabilidade pedagógica por forma a assegurar a plena utilização dos fundos disponíveis, concretizando o reforço dos capitais próprios das empresas portuguesas e criando condições para a sua consolidação empresarial.

  • Franquelim Alves

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