Editorial

Governo afasta chineses do 5G… da pior forma

O Governo decidiu ser o mais agressivo dos governos europeus a afastar os chineses do 5G. Isto tem tudo para correr mal.

O Estado português decidiu excluir a Huawei das redes de telecomunicações portuguesas, não só do 5G, mas das infraestruturas ‘core’ e ‘não core’ já instaladas, uma notícia que tem passado despercebida, mas com impactos empresariais (para os operadores de telecomunicações) e geopolíticos relevantes. E a justificar explicações que, pelos vistos, o Governo não quer prestar. O ECO fez um Descodificador para perceber o que está em causa.

Estava escrito nas estrelas que, no quadro geopolítico internacional, a União Europeia acabaria por alinhar com os EUA no confronto com os chineses, processo que começou com Donald Trump e que se acentuou até com Biden. A invasão da Ucrânia e a posição dúbia dos chineses só serviu para acelerar a posição ocidental, suportada nas informações de que a entrada de empresas chineses em setores ditos estratégicos, como os que têm a ver com as infraestruturas de um país e, indiretamente, de uma organização, por exemplo a Nato, põem em causa a segurança e confidencialidade de dados sensíveis que, por lei, podem ser vistos e usados pelo Estado chinês.

Sendo isto de elementar bom senso, havia várias formas de chegar aos resultados pretendidos e o que se sabe da decisão do Governo português — que está a fazer de conta que foi uma decisão técnica de um gabinete mais ou menos obscuro de cibersegurança que depende do primeiro-ministro — é que foi escolhido o pior caminho. Sem discussão com os operadores, sem transparência público e a enganar as próprias autoridades chinesas pelo meio. Isto tem tudo para correr mal a vários níveis, sendo Portugal dos países mais expostos ao investimento chinês, que captamos quando mais ninguém investia, no período da troika.

A China, obviamente, viu na fragilidade de Portugal uma oportunidade para pôr um pé na porta dentro da União Europeia. Os tempos eram outros e por isso foram autorizados a comprar a EDP, a REN, o BCP ou a Fidelidade, para citar os casos mais evidentes. E para ganharem concursos e mercado em setores sensíveis como o das telecomunicações. No contexto atual, não é possível estar a meio da ponte, e Portugal não tem a força económica ou política para divergir do que está a ser decidido em Bruxelas e imposto pelos EUA (que continuam a pagar a Nato e a nossa defesa comum).

É mais difícil perceber que o Estado português tenha ido mais longe do que outros Estados a impor a exclusão de empresas chinesas nas redes de telecomunicações. Mas pode haver uma explicação (vai ter de ler este texto até ao fim). A decisão é suportado num documento da Comissão Europeia que dá pelo nome de ‘5G Toolbox’, a caixa de ferramentas legais para a ação dos Estados-membro no desenvolvimento das redes de nova geração.

Há duas ordens de problemas, às quais a deliberação conhecida na semana passada não dá resposta:

  • A deliberação do referido centro de cibersegurança dá três a cinco anos às operadoras em Portugal, a Meo, a Nos e a Vodafone, para mudarem os fornecedores chineses nas redes a construir e nas que já existem, o que tem óbvios impactos financeiros e operacionais. No setor, uma primeira avaliação aponta para um custo da ordem dos mil milhões de euros, distribuído de forma não linear pelos três em função da rede que cada um deles tem e da exposição à Huawei. Quem vai pagar?
  • O vice-presidente da China esteve em Portugal há cerca de duas semanas, reuniu ao mais alto nível, nomeadamente com o primeiro-ministro, e segundo consta, não lhe terá sido comunicada qualquer decisão sobre esta matéria, menos ainda o alcance mais profundo do que aquilo que foi decidido por outros países europeus. Sabe-se que num recente encontro da embaixadora americana com decisores, foi anunciado que a decisão do Governo português já estava tomada, quando os próprios operadores ainda não tinham sido sequer oficialmente notificados.

A China é o que se pode chamar uma “ditadura de mercado”, um regime político autoritário de partido único que sobrevive à custa dos benefícios da economia de mercado que permitiu retirar milhões de chineses da pobreza e criar outros tantos milhões de milionários. É uma economia essencial para as empresas europeias como a alemã ou a francesa, e quando estão em causa interesses do Estado chinês, não há diferenças entre o que é uma empresa pública ou uma empresa privada. É a ‘realpolitik’ na sua máxima expressão.

Era por isso inevitável, neste contexto geopolítico, o afastamento de empresas chinesas de setores-chave, como o 5G. Mas poderia e deveria ter sido feito de outra forma, com outro tempo, na defesa dos interesses portugueses, que nem sempre são coincidentes com os de outros Estados, sejam os EUA ou Estados europeus. Passámos a ser o mais agressivo dos Estados europeus, até agora, a afastar os chineses do 5G, uma decisão que é política, não é técnica, que acabaria por suceder, mas teria de ser feita com tempo e com a diplomacia necessárias.

Qual será então a razão para esta decisão, nestes termos e com este calendário? Será que António Costa está a pôr à frente dos interesses nacionais, e das empresas portuguesas e a operar em Portugal, a sua vontade de chegar a um cargo europeu e o apoio político de algumas das mais importantes capitais da União?

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