Há eleições, fechem as fronteiras

A crescente abstenção dos portugueses nas eleições é por causa dos jogos de futebol. Quem diz? O governo, que, por isso, quer proibir o futebol em dia de eleições.

O governo decidiu proibir a realização de jogos de futebol em dia de atos eleitorais porque, nas últimas três eleições, houve jogos e a abstenção dos eleitores foi elevada. A decisão, sem efeitos nestas autárquicas, não é só abstrusa por tornar os dois factos ‘causa e consequência’, é sobretudo a confirmação de que, para o governo, os portugueses são crianças sem a clareza de espírito necessária para decidirem em consciência o que consideram adequado.

Portugal tem mesmo um problema de abstenção nas eleições. Nas últimas legislativas, em 2015, atingiram os 43% e, de facto, esse foi um domingo de futebol. Mas será possível que o governo – quem terá tido esta ideia genial? – acredita mesmo que a crescente desconfiança e ausência de participação eleitoral dos portugueses se deve ao futebol?

Não será a abstenção resultado de um problema mais fundo, que começa precisamente na forma como os políticos exercem o poder? Como é que os portugueses podem confiar nos políticos, e participar, quando vêm um ex-primeiro-ministro sob suspeita como está José Sócrates? Como é que os portugueses podem confiar nos políticos, e participar, quando as distritais dos partidos são antros de cumplicidades e interesses? Como é que os portugueses podem confiar nos políticos, e participar, quando nenhum eleitor conhece os deputados que elege e, quando conhece, preferia não conhecer?

O sistema político precisa de levar uma volta, por várias razões, mas também por causa da participação política nos atos eleitorais. Mas o caminho agora anunciado pelo governo, e que o DN revelou esta quinta-feira, é apenas paternalista e revela a forma como o governo avalia a capacidade de decisão dos eleitores. O Estado tem de tomar conta dos portugueses, por isso, é até de estranhar que o governo não alargue o princípio. O povo precisa de ser educado, senão, não vai lá.

O domingo, como se sabe, é dia de missa, passem-na para o sábado, as sessões de cinema poderiam também ser suspensas, as televisões deveriam ser obrigadas a passar a pior das programações possível, e por aí adiante. Feche-se mesmo o país, as fronteiras e os aeroportos, para garantir que ninguém foge.

A decisão resultou de uma reflexão precipitada, e de uma reação à notícia conhecida há dias de que haverá um Sporting-Porto no dia 1 de outubro. Talvez fosse sensato anunciar já que esta é apenas uma ideia, entre muitas, e que nada está decidido. Para matar um assunto que nunca deveria ter nascido.

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