‘Happy washing’? O bem-estar autêntico não mora aqui

  • Tiago Pimentel
  • 14:00

Qual é, afinal, o verdadeiro propósito dos programas de promoção de bem-estar organizacional? Estaremos a cuidar genuinamente das pessoas ou a procurar mascarar problemas estruturais com cosmética?

No contexto atual das organizações, caracterizado pela rápida evolução tecnológica, pressões por produtividade e crescente complexidade nas relações de trabalho, os programas de promoção de bem-estar organizacional têm emergido como uma resposta estratégica e necessária às exigências humanas e sociais dentro do ambiente corporativo.

Tem sido evidente a disseminação de um fenómeno que designa práticas empresariais que, sob o pretexto de promoverem o bem-estar dos colaboradores, não passam de ações esporádicas, superficiais ou simbólicas, por vezes, desfasadas das reais necessidades dos colaboradores, que em nada contribuem para a cultura da empresa e que dificilmente produzem benefícios a longo prazo, o designado Happy washing.

O famoso Happy washing produz o efeito de penso rápido. Surge da necessidade de acompanhar tendências, de dar resposta a pressões externas de mercado, da opinião pública ou a metas de responsabilidade social, e traduz-se na adoção de medidas isoladas e estéticas pensadas para contribuir para a criação de uma imagem positiva e não para produzir real impacto ou mudanças.

Vamos a exemplos. Certamente já se terá deparado com empresas que instalam mesas de ping-pong, distribuem ocasionalmente brindes ou adotam eventos motivacionais que, tendo o seu valor, podem não resultar como desejado e não promover alterações positivas nas condições estruturais de trabalho, nos modelos de gestão ou nas relações humanas que se estabelecem dentro da organização. Muitas são hoje as organizações que promovem estas práticas, apresentando-as como um conjunto de benefícios, em teoria, muito apreciados por todos.

Esta tendência, cada vez mais disseminada, deve fazer-nos colocar a questão central: qual é, afinal, o verdadeiro propósito dos programas de promoção de bem-estar organizacional? Estaremos a cuidar genuinamente das pessoas ou a procurar mascarar problemas estruturais com ações cosméticas?

Um programa de bem-estar autêntico distingue-se precisamente pela sua profundidade, coerência e consistência. Vai muito além do marketing interno ou de respostas reativas. O seu propósito não é apenas gerar momentos de felicidade efémera, mas criar condições sustentáveis para que os colaboradores possam desenvolver-se plenamente — física, mental, emocional e socialmente — no contexto profissional.

Falamos de um compromisso com o bem-estar autêntico, que exige uma abordagem integrada e estratégica, que começa no reconhecimento das reais necessidades das pessoas. Pressupõe escuta ativa, diagnóstico rigoroso, envolvimento das lideranças e políticas consistentes que promovam equilíbrio, saúde mental, inclusão, diversidade, respeito e desenvolvimento humano.

O genuíno bem-estar organizacional tem de ser indissociável da cultura e dos valores da empresa. Não vive de ações isoladas, mas constrói-se a partir de uma base sólida que une o discurso e a prática. E sim, os colaboradores reconhecem estas diferenças. O bem-estar organizacional revela-se na forma como se gere o tempo, na política de flexibilidade, na autonomia concedida aos colaboradores, nas oportunidades de crescimento existentes, no reconhecimento, na equidade salarial, na gestão de conflitos e na promoção de um ambiente psicológico seguro. Ignorar estes aspetos estruturais é perpetuar o Happy washing e os seus riscos — a longo prazo, fragiliza a confiança interna, aumenta o cinismo organizacional e contribui para a desmotivação e a descredibilização das lideranças.

Por outro lado, quando as organizações que investem verdadeiramente em programas de bem-estar autêntico, colhem benefícios sustentáveis: maior retenção de talento, aumento do compromisso e do sentido de pertença, melhoria do clima organizacional e reforço da reputação externa enquanto marca empregadora.

Importa sublinhar que o bem-estar no trabalho, para ser autêntico e verdadeiramente reconhecido pelas equipas, não pode ser encarado como um custo, mas como um investimento estratégico e ético. É um fator diferenciador no presente e um elemento essencial para garantir a sustentabilidade futura. Organizações saudáveis são as que cuidam das suas pessoas ao longo de toda a jornada e não apenas quando é necessário ou conveniente.

A principal diferença entre Happy washing e bem-estar autêntico reside, pois, na intenção, na profundidade e na coerência das práticas adotadas. O futuro do trabalho pertence às organizações que compreendem que cuidar das pessoas não passa apenas por discursos inspiradores ou ações isoladas, mas pelo assumir de compromisso genuíno, políticas estruturadas e uma cultura verdadeiramente humana.

  • Tiago Pimentel
  • Psicólogo e diretor de operações do Grupo Integral SM

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