Humanismo, arrojo e sentido de urgência

Os fortes atributos distintivos do líder empresarial português podem ser reforçados, ultrapassando três debilidades prejudiciais marcantes.

Na semana passada dediquei esta coluna a propor uma sistematização de tipos de liderança caracterizando-os e dando alguns exemplos nacionais. Não esperava a reação que recebi – vários quadros superiores queixam-se de que em Portugal a maioria dos empresários tem um estilo autocrático, o estilo predominante da segunda metade do século XX que eu considerava já quase não ter exemplos vivos. Estes comentários, seguramente justos, obrigam-nos hoje a ir um pouco mais fundo e identificar os traços predominantes do líder das grandes e médias empresas nacionais face a outros países, realçando os seus atributos distintivos mas sobretudo as suas limitações, ou seja as oportunidades que os podem elevar a um patamar superior de eficácia no desenvolvimento do seu negócio e da sua equipa.

Por outras palavras, propomo-nos identificar e sistematizar os padrões de liderança do empresário tipo das grandes e médias empresas nacionais e compará-los com as melhores práticas a nível internacional, salientando assim o que nos distingue de bom e de menos bom. Não obstante a inevitável subjetividade inerente a um trabalho desta natureza, a nossa experiência na convivência com centenas de empresários ao longo de décadas, os resultados do Estudo ARBORIS junto de quase cem empresários e o limite natural do universo derivado da dimensão de Portugal coloca-nos numa posição privilegiada para o fazer.

Como primeiro resultado ressalta um vasto conjunto de atributos de grande valor do empresário português, alguns dos quais tão distintivos que estão na origem de vantagens competitivas próprias das empresas num contexto concorrencial internacional:

  • O sentido de responsabilidade, a entrega e o empenho
  • A flexibilidade face a alterações de contexto
  • A persistência quando acredita numa opção
  • A criatividade e vontade de inovar, de fazer diferente e melhor do que os outros
  • A consciência da importância de explorar mercados fora
  • Ou a famosa capacidade de improvisação – um misto muito próprio de flexibilidade, criatividade e persistência

São sem dúvida argumentos de peso mas há infelizmente o outro lado da moeda, que nos leva ao segundo resultado – verifica-se que a generalidade dos empresários portugueses apresentam três debilidades importantes que se assumem como as maiores limitações à eficácia da sua liderança: Humanismo, Arrojo e Sentido de Urgência. De facto, temos testemunhado a ausência de um ou mais destes atributos na maior parte dos líderes nacionais e por isso isso é tão importante perceber o que cada atributo significa, as suas implicações e os líderes cuja força nesse atributo lhes confere qualidades distintivas que pesam na competitividade dos seus negócios e que podem ser fonte de inspiração.

1. O Humanismo

Um empresário humanista coloca as pessoas em primeiro lugar (colaboradores, clientes, fornecedores…) e sabe que esse é o melhor caminho para o desenvolvimento sustentado do Grupo que lidera. Está próximo das pessoas, gera forte empatia, tem consciência da sua própria personalidade e empenha-se em garantir o seu envolvimento pessoal para gerar um ambiente organizacional de excelência e obter o máximo apego dos colaboradores, clientes ou outros stakeholders determinantes para a valorização e crescimento da sua empresa. É um líder venerado que vai oferecer um poderoso legado ao seu sucessor.

É difícil encontrar melhor exemplo do Humanismo de um Líder Empresarial do que o Padre José María Arizmendiarrieta (1915 – 1976), sacerdote católico que fundou em 1956 o movimento cooperativo através da Corporación Mondragón, e cuja gestão liderou até pouco antes de falecer. No dramático contexto que se segue à Guerra Civil espanhola, o Padre José María mobiliza a população da vila de Aretxabaleta e gradualmente de todo o País Basco na criação daquela que é hoje a maior cooperativa do mundo e um dos Grupos Empresariais mais bem-sucedidos de Espanha. Com uma faturação consolidada superior a 13,000 M€, o Grupo Mondragón detém hoje mais de 250 empresas, algumas de grande dimensão como a Fagor ou os supermercados Eroski. Fiéis ao espírito cooperativo, os trabalhadores da Mondragón são acionistas da sua empresa e tomam as suas próprias decisões com uma missão clara – “aumentar a riqueza da população, criando e mantendo empregos”. O legado profundamente humanista e o eficaz modelo de gestão democrática que montou constituem os dois pilares da cultura do Grupo e o legado único deixado pelo Padre José Maria.

2. O Arrojo

Na liderança empresarial, arrojo significa ter um sonho e não ter medo de o assumir, acreditar que ele e a sua equipa têm capacidade de concretizar o sonho e estar plenamente consciente dos riscos para saber como fazer para que não sejam obstáculos ou travões à perseguição do sonho. Um líder empresarial arrojado não hesita em tomar decisões e liderar a sua execução, em alargar o negócio para novos horizontes mesmo que haja incógnitas no que possa acontecer, em assumir riscos e em confiar nas pessoas da sua equipa. E o empresário arrojado não adia assuntos importantes porque ser mais fácil tratar dos urgente – trata dos dois com o bom senso que se impõe. Arrojo vai de mãos dadas com coragem e sem coragem um líder não tem capacidade para valorizar e fazer crescer o seu negócio ou a sua equipa.

Não faltam exemplos de líderes arrojados. Em Portugal existem vários casos mas a nível intenacional encontramos exemplos mais famosos e vincados. Bernard Arnaut tornou-se o homem mais rico do mundo executando uma visão em que ninguém acreditava sem sair da sua França natal, um dos países mais aversos a riqueza pessoal. Dave Thomas não teve medo de afrontar os gigantes McDonald´s e Burger King e lançar a sua Wendy´s do zero, foi difícil ao princípio mas hiojer bate-se taco a taco com os seus dois némesis. Steve Jobs, Bill Gates, Elon Musk, Jeff Bezos são todos exemplos de arrojo – criaram um sonho ambicioso e lutaram com grande coragem para o concretizar e para o preservar em ambientes altamente competitivos.

3. O Sentido de Urgência

E em terceiro lugar vem aquela que é provavelmente a característica menos óbvia, da qual temos visto que muito poucos líderes empresariais ouviram sequer falar: o Sentido de Urgência. Este conceito foi tornado famoso por John Paul Kotter, Professor Emérito de Liderança na Harvard Business School e considerado um dos maiores especialistas mundiais em comportamento organizacional e gestão de mudança. No seu livro seminal Sense of Urgency, Kotter não se inibe em sublinhar a criticidade deste atributo: ”The sense of urgency is the driving force behind successful change (…) so the ability to establish a sense of urgency is a key pillar of effective leadership”. O que equivale a dizer que sem sentido de urgência não existe eficácia de gestão: todas as tarefas têm de ser consideradas urgentes para garantir a maior eficácia na sua execução. Ou seja, gerir sem sentido de urgência não é gerir, é contemplar.

O empresário com sentido de urgência é rápido a agir e nunca se refugia em adiamentos fáceis. Testemunhamos tantas vezes estes adiamentos, suportados por desculpas guardadas num grande baú onde o líder vai buscar a mais conveniente cada vez que os seus medos levem a melhor sobre uma qualquer oportunidade de avanço que apareça, seja no negócio, no governance ou na transformação organizacional. O empresário com sentido de urgência dá grande valor ao tempo na tomada de decisão e na execução e tem horror aos pantanosos “nims” tão frequentes em Portugal. Confia em si próprio e avança, avança sempre e avança rápido.

Na prática e em linha com as lições muito claras de John Kotter, a gestão com sentido de urgência confunde-se com a excelência de gestão. Qualquer líder que possua uma visão de sentido de urgência inspira e faz com que todos os que o rodeiam sintam que o trabalho que cada um faz é muito importante. A bibliografia internacional traz-nos muitos exemplos de líderes com profundo sentido de urgência, muitas vezes explicitamente reconhecidos npºela sua própria palavra. Só a título de exemplo Warren Buffett, Steve Jobs, Narendra Modi, Mahatma Gandhi ou Swami Vivekananda estão entre os grandes líderes marcados pelo seu sentido de urgência.

O que se conclui? É internacionalmente reconhecido que o líder empresarial português tem um conjunto de qualidade invulgares, capazes de lhe conferir a capacidade de gestão e de competição nos mercados internacionais onde derrotam os melhores. Mas quer em Portugal quer no estrangeiro, há um claro reconhecimento de que esse líder podia ir mais longe e mais depressa se ultrapasse as três debilidades estruturais que infelizmente marcam muitas vezes o seu estilo de liderança e que inibem a eficácia dos seus atributos distintivos. Impõe-se para a maior parte dos líderes de grandes e médias empresas nacionais uma reflexão séria em torno do Humanismo, do Arrojo e do Sentido de Urgência – o que significa ter a humildade e auto-consciência para reconhecer que têm debilidades nestas áreas e ter a coragem e persistência para conseguir dominar, nos mais pequenos detalhes do seu dia a dia como profissional e como pessoa, cada um destes atributos. É fácil? Não, mas é essencial.

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