
Indústria seguradora num mundo fragmentado
António Rito Batalha em exercício de extremo realismo de aceitação do desacerto geopolítico e de construir e ver o mercado segurador a partir desse novo cenário. Também analisa Portugal.
O choque tarifário promovido pelos EUA, com a imposição das maiores taxas sobre bens importados desde a Grande Depressão, irá (de acordo com o mais recente estudo Sigma elaborado pelo Swiss Re Institute) desacelerar significativamente o crescimento dos prémios de seguros, abrindo porém janelas para uma maior consciência do risco de crédito e o redesenho das cadeias de abastecimento – à custa duma crescente fragmentação do mercado global e de limitações à subscrição de riscos realmente globais, tais como as alterações climáticas, pandemias ou ciberataques.
De acordo com o referido estudo, a política tarifária da Administração Trump elevará o custo dos bens importados para consumidores e empresas nos EUA, resultando numa desaceleração do crescimento real dos prémios de seguros. O relatório Sigma 2/2025 prevê que o setor Não‑vida passará de um crescimento de prémios de 4,7% em 2024 para apenas 2,6% em 2025 (em termos reais). No segmento Vida, o crescimento de prémios abrandará de 6,1% em 2024 para 1,0% em 2025. Em grande parte dos mercados avançados, a desaceleração assenta na enfraquecida dinâmica económica e no aumento da incerteza política, que inibem a procura por novos seguros.
Realinhamento das cadeias de abastecimento: oportunidade e desafio
Como destaca Charles Wallace, no seu artigo publicado na revista Global Finance de junho último, o choque tarifário americano está a acelerar um grande realinhamento das relações comerciais, com países a reduzir a dependência do dólar e a reforçar blocos regionais de comércio. Segundo Wallace, “as nações esforçam-se por reformular as suas estratégias económicas”, sendo que o dólar norte‑americano registou uma queda de quase 9% de maio de 2024 a maio de 2025.
Este processo de diversificação geográfica das cadeias de fornecimento – via RCEP (Parceria Económica Regional Abrangente) na Ásia, via acordo UE‑Mercosul, ou iniciativas bilaterais (ex: Reino Unido‑Índia) – pode, a curto e médio prazo, criar novas oportunidades para seguradoras especializadas em riscos de transporte, logística e crédito, acompanhando o redirecionamento de trânsito de mercadorias. No entanto, este realinhamento ocorre num contexto de crescente instabilidade geopolítica.
- O reacender dos ataques dos Houthis a navios comerciais no Mar Vermelho, neste mês de julho, veio agravar ainda mais as disrupções nas rotas marítimas globais. O desvio forçado de embarcações que evitam o Canal do Suez encarece o transporte e pressiona o mercado segurador, tanto ao nível dos custos, como da acumulação de riscos;
- Estes episódios reforçam a perceção de vulnerabilidade das cadeias logísticas e o papel central das seguradoras na cobertura de riscos interligados e geograficamente dispersos.
Fragmentação e riscos globais
A fragmentação da ordem mundial acentuará os custos de subscrição. De acordo com o relatório Sigma 2/2025, a menor integração dos mercados dificultará a diversificação geográfica de carteiras de risco, pressionando os custos de capital e agravando a volatilidade de taxas de câmbio e de ativos. Em cenários de tensões contínuas, barreiras financeiras e tarifárias poderão limitar a capacidade das resseguradoras em absorver riscos de grande escala, tais como catástrofes climáticas severas, crises pandémicas ou falhas massivas de infraestrutura digital, aumentando-se assim o “insurance gap” a nível global.
Impacto setorial
Nos EUA, as linhas de negócio mais afetadas pelo aumento de custos de importação serão o seguro automóvel (reparação e substituição de peças), construção e engenharia, onde a inflação nos custos de produção poderá subir para cerca de 3,6% em 2025 frente a 2,5% anteriormente estimado. Fora dos EUA, os efeitos sobre a severidade de sinistros devem ser limitados, dado o impacto líquido desinflacionário nos restantes mercados (Europa e China) em resultado da desaceleração da procura (dados Sigma). Porém, os ramos ligados ao comércio internacional – transporte marítimo, seguro de crédito, garantias – poderão sentir uma pressão adicional, dado que o abrandamento dos fluxos comerciais afetará diretamente a base de prémios.
Em Portugal
Para Portugal e para as seguradoras que aqui operam, o cenário traduz‑se numa combinação de riscos e oportunidades. A desglobalização parcial convida a uma revisão das estratégias de subscrição e resseguro, bem como o reforço de produtos que cubram interrupções nas cadeias de abastecimento e incumprimentos financeiros, enquanto se reforça a gestão de riscos climáticos e cibernéticos em mercados cada vez mais segmentados. Ao mesmo tempo, a estabilidade de reservas em euros e o reforço de laços comerciais intra‑regionais poderão mitigar parte dos efeitos negativos da fragmentação, permitindo às seguradoras nacionais manter uma posição competitiva no novo enquadramento global.
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